RIO - Estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) aquece a discussão sobre a produção nacional de biocarvão, uma tecnologia utilizada em 230 empresas no mundo, mas que no Brasil ainda engatinha. O biocarvão, ou biochar, em inglês, é um material similar ao carvão vegetal, mas produzido a partir de biomassa por meio da pirólise (reação em que uma substância é decomposta em outras pela ação do calor do fogo), sendo considerado uma solução baseada na natureza (SbN) no combate às mudanças climáticas. Seu uso para remoção permanente de carbono pode ser uma peça-chave para a agricultura brasileira, avaliam especialistas, além de abrir oportunidades na comercialização de créditos no mercado voluntário de carbono.
Entre os desafios estão a necessidade de mais pesquisas para entender plenamente os impactos de longo prazo nos solos brasileiros, além de barreiras econômicas e tecnológicas para a produção em larga escala.
Até o momento, apenas a NetZero, green tech francesa, está apostando sério na produção do produto no Brasil. A primeira fábrica no País foi inaugurada em 2023, em Lajinha, Minas Gerais. Uma segunda, em Brejetuba, no Espírito Santo, entrou em operação este ano. O plano da empresa é de pelo menos mais duas plantas brasileiras.
“Em 2024, construiremos pelo menos duas novas usinas no Brasil. Essas fábricas contarão com melhorias adicionais de P&D (pesquisa e desenvolvimento) e ajudarão a demonstrar ainda mais a replicabilidade e escalabilidade do nosso modelo”, informa a NETZero.
O que é o biocarvão
O biocarvão se diferencia do carvão vegetal principalmente pela sua aplicação como corretivo de solos agrícolas, capaz de aumentar a produtividade e reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE) provenientes da biomassa que, de outra forma, se decomporia rapidamente, afirma o estudo. O produto é obtido pela pirólise, processo termoquímico caracterizado pelo aquecimento da matéria-prima a altas temperaturas na ausência de oxigênio.
Quando aplicado na agricultura, o biocarvão age como uma esponja de carbono, que retém água e nutrientes, atuando como um condicionador de solo capaz de gerar ganhos de produtividade e redução no uso de fertilizantes, uma questão sensível ao Brasil, que importa mais de 80% da demanda de fertilizantes usados no País.
“Existe uma outra vantagem interessante para o biocarvão que é a geração de crédito no mercado voluntário de carbono e comercialização desse crédito em diferentes plataformas. O patamar de preço, por ser um produto que consegue promover a remoção permanente de carbono e outros cobenefícios climáticos para a agricultura em geral, tem um preço muito elevado”, informa o analista da EPE responsável pelo estudo, Arthur Campos, em uma live para divulgar o documento.
Quando comparado a outras categorias de crédito de carbono — como resíduos, eficiência energética, químicos e transporte , cujo preço não ultrapassa R$ 100 a tonelada —, o preço dos créditos do biocarvão fica entre R$ 600 e R$ 1 mil. Já o custo de produção gira em torno de R$ 400 a R$ 600 por tonelada de CO₂ removido. “São patamares muito atrativos e mostram que os projetos podem se pagar apenas com a geração de créditos”, disse Campos, ressaltando que o biocarvão pode inclusive aumentar a competitividade dos produtos agrícolas nacionais.
Brasil é rico em biomassa
Para a produção de biocarvão são utilizadas biomassas, que no Brasil existem em grande quantidade e diversidade, avalia o expert no assunto e pesquisador do Centro de Estudos de Carbono e Agricultura Tropical (CCarbon), João Nunes Carvalho. Para ele, fazer um modelo de negócio aliando o biocarvão e biocombustíveis pode reduzir os custos e viabilizar o processo onde a biomassa for mais acessível.
“O Brasil é indicado para ser um dos protagonistas em biocarvão. Se levarmos em conta os biocombustíveis, podemos falar da biomassa da cana-de-açúcar, que, somando a palha e o bagaço, apontam volume de 150 milhões toneladas por ano de biomassa seca. Uma parte disso hoje é utilizada para produção de eletricidade, etanol celulósico, mas poderia ter uma parte para biocarvão”, avalia, acrescentando que várias empresas estão tentando entender melhor esse mercado.
Para o professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), Ado Cerri, o Brasil está começando a olhar para o biocarvão e as empresas estão despertando para a viabilidade financeira do negócio. Ele disse sentir a falta, porém, de uma política nacional para o uso da tecnologia, que pode contribuir para que o Brasil atinja os compromissos climáticos firmados no Acordo de Paris, assim como melhorar a produtividade agrícola.
“Vejo uma curva ascendente no interesse das empresas privadas, com as quais nós estamos discutindo parcerias público privadas pra gente unir os esforços, por meio do CCarbon, do João, para que mais gente acelere essa curva, que é crescente de conhecimento para criar, com mais dados, mais critérios e soluções específicas para aquele tipo de solo, aquele tipo de clima. Ainda não chegamos lá, mas acho que vamos chegar rapidamente”, concluiu Cerri.