O Brasil pode ser um dos grandes fornecedores mundiais dos “minerais críticos”, fundamentais para a transição energética, mas para destravar esse potencial precisa de enormes investimentos. Essa é a conclusão de um relatório, ainda não lançado, da consultoria Deloitte e do AYA Earth Partners, um ecossistema de negócios focado na economia verde. Também será necessário entender como realizar a mineração sem grandes danos ambientais ou sociais às comunidades próximas.
Minerais como lítio, cobre e cobalto são vistos como fundamentais para a transmissão de energia e para novos produtos como os carros elétricos. Outros, como o nióbio e o grupo dos metais de terras raras, também são importantes, conforme novas aplicações e tecnologias são criadas.
Na publicação da Deloitte e do AYA Earth Partners, os autores apontam que o Brasil tem a maior reserva mundial de nióbio (quase 94% do total), a segunda maior de grafite e a terceira de terras raras e níquel. Também tem quantidades relevantes de lítio, cobalto e cobre. Mas um longo caminho terá de ser percorrido para o País poder gerar crescimento econômico enquanto a demanda por esses metais cresce no mundo.
“Esperamos colocar a luz necessária nessa discussão, como potencializar o Brasil e avançar tanto no investimento quanto na discussão para maximizar os ganhos”, diz Maria Emilia Peres, sócia da Deloitte Brasil para estratégia em sustentabilidade e inovação.
De acordo com o relatório, o Brasil tem reservas detectadas de vários destes produtos por serviços como o United States Geological Services, mas que ainda precisam ser confirmadas. Contudo, ter conhecimento em profundidade sobre o tamanho das reservas e as dificuldades para explorá-las é um dos passos apontados na publicação para poder aproveitar o potencial brasileiro.
Outro ponto é a baixa capacidade de refino, já que a maior parte do material extraído no Brasil hoje é exportado para outros países sem obter maior valor agregado. A construção de infraestrutura e a formação de capital humano qualificado são pontos indicados para melhorias. “Precisa de investimento pesado para ter esse parque industrial, os maquinários, para avançar na capacidade de produção e refino”, alerta Peres.
O ambiente regulatório pode evoluir, embora algumas medidas tomadas recentemente, como a Política Nacional de Transição Energética (PNTE), sejam vistas como passos na direção correta. Uma primeira versão do relatório foi apresentada na NY Climate Week, encontro de empresários e investidores que ocorreu na mesma semana da Assembleia-Geral da ONU, e a versão final deve ser divulgada na COP-29, em novembro, no Azerbaijão.
Ao Estadão, o Ministério de Minas e Energia afirmou que já toma ações para quantificar as reservas, para estimular o desenvolvimento de tecnologia nacional para o processamento “eficiente e sustentável” dos minerais. A pasta diz buscar a formação de mão-de-obra especializada e o preparo de profissionais para atender às novas demandas do setor e o desenvolvimento de infraestrutura.
Intenção
Segundo os responsáveis, a reação dos investidores foi excelente, o que demonstra haver muito interesse nos minerais brasileiros. Mas ainda aguardam mais sinais positivos, como segurança jurídica e a construção de infraestrutura.
A Deloitte e o AYA Earth Partners consideram que é preciso união entre os setores público e privado para atender a demanda por esses produtos — no caso do setor público, por meio de incentivos fiscais como subsídios. “É necessário definir por meio de tratados de comércio qual é o papel que o Brasil e países em desenvolvimento vão ter na cadeia. E, então, agir para que parte sustentável fique no Brasil, com mapeamento detalhado, definição do papel estratégico e acordos”, cita Patricia Ellen, cofundadora do AYA Earth Partners.
Também será necessário garantir um ecossistema com concorrência entre empresas de mineração de diversos portes, e o setor privado terá de aceitar que a crise climática no mundo exigirá lidar com riscos maiores. “Não temos ainda a visão completamente madura sobre os minerais, mas não se tem mais a opção de esperar, precisa aceitar um pouco mais de risco. Precisamos acelerar de uma forma nunca vista antes”, afirma Peres.
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Questões socioambientais
Se a mineração desses metais é vista como fundamental para a luta contra as mudanças climáticas, a exploração não é livre de impactos. Como é necessário revirar grandes quantidades de terra, é impossível não afetar o meio ambiente ao redor, assim como gerar impactos sociais, culturais e de saúde para as comunidades que vivem próximas à área.
“Não existe nenhum exemplo de mineração ‘sustentável’ no Brasil e no mundo”, resume Mauricio Angelo, diretor do Observatório da Mineração e Mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília. Como é uma atividade de grandes impactos e que retira da natureza um bem finito, que não ficará mais disponível para as futuras gerações, o conceito de sustentabilidade não consegue ser aplicado, segundo ele.
“Um grande projeto de mineração precisa de infraestrutura, sempre demanda uma série de obras nas cercanias — de estradas, de energia, hidrelétricas, eventualmente portos, ferrovias, a planta industrial em si, alojamentos e por aí vai. Em áreas sensíveis ambientalmente, isso gera ainda mais dano, ainda mais impacto”, avalia o especialista.
Angelo menciona que o consentimento livre e esclarecido das comunidades ao redor é outro problema, e mesmo em países como o Canadá, muitas vezes citado como exemplo, disputas ainda acontecem. No Brasil, a mineração em terras indígenas ou quilombolas é proibida, e tentativas de aprovar a regulamentação no Congresso para permiti-la não faltam. E, mesmo proibidos, mineração e garimpo ainda ocorrem nos locais e colocam a saúde e a cultura de comunidades em risco.
Patricia Ellen, fundadora do AYA Earth Partners, diz que é preciso que os povos afetados sejam ouvidos sempre, principalmente se forem indígenas e quilombolas. “As comunidades e lideranças devem decidir, precisam ter assentos na mesa decisória sobre qualquer assunto ligado a eles. Há regulações muito claras e seguidas da forma como são — valorizar o conhecimento dos povos originários é tão importante quanto a inteligência artificial”, garante.
Futuro
Então, as reservas não devem ser exploradas? Devem, mas a resposta não é tão simples. Antes, é necessário conhecer as reservas brasileiras e saber onde estão localizadas, e aprovar uma legislação abrangente, assim como aprovar tratados para o País conhecer seu lugar nesse mercado. “Leva a questões de soberania nacional, visão estratégica de país, o que o Brasil quer ser, de que maneira ele vai se posicionar nesse jogo geopolítico, principalmente entre China, Estados Unidos e Europa”, acredita Angelo.
E, se a transição energética é necessária e vai acontecer, o Brasil precisa estar presente para aproveitar as oportunidades, mas de forma adequada ao contexto do País. “É muito mais sobre fazer uma transição energética justa. A mineração é essencial, a discussão não é ‘se’, mas sobre como fazer. Se não tiver os minerais críticos para a transição, não vai ter futuro, é uma questão de sobrevivência. Mas respeitar o meio ambiente e as comunidades é algo de que não se pode abrir mão, isso não é negociável”, diz Peres.
Ação do governo
Ao Estadão, o Ministério de Minas e Energia citou que a PNTE tem dois instrumentos, o Fórum Nacional de Transição Energética (Fonte), para ouvir atores públicos e privados sobre o tema, e o Plano Nacional de Transição Energética (Plante), um plano feito em conjunto com outras iniciativas como o Novo PAC, o Plano Clima, a Nova Indústria Brasil e o Pacto pela Transformação Ecológica.
Segundo a pasta, há atenção para medidas que propiciam ganhos sociais aos municípios, como o incentivo do uso da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) em ações que aumentem o IDH e a busca por maior valor agregado na cadeia dos minerais extraídos. Mas ressalta que é um desafio construir uma cadeia de valor competitiva no Brasil, diante de subsídios de outros países e da forte concorrência do leste asiático.
Sobre o meio ambiente, diz priorizar a segurança e a sustentabilidade das operações, garantindo o cumprimento de normas ambientais e o respeito aos direitos das comunidades locais, e fortalecer a fiscalização e regulação do setor.