WASHINGTON - Embora tenha melhorado a projeção para o crescimento do Brasil neste ano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta para a necessidade de o País avançar na agenda de reformas e intensificar o esforço fiscal para reduzir a dívida, que seguirá crescendo nos próximos anos, na visão do organismo.
“O que é importante é manter essa mentalidade de reformas. Elas podem aumentar o crescimento potencial e isso vai produzir receitas fiscais para fazer tudo o que o País necessita. Sem crescimento, é muito difícil suprir essas necessidades”, diz o diretor do Hemisfério Ocidental do FMI, Rodrigo Valdés, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, durante as reuniões de Primavera, em Washington DC.
O alerta do FMI vem enquanto, no Brasil, “pautas-bomba” no Congresso - a exemplo da desoneração da folha de municípios, que compromete receitas geradas com a reforma da Previdência - podem minar os esforços do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de ajustar as contas públicas. O Fundo piorou as projeções fiscais para o Brasil e não vê superávit primário até o fim do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A seguir os principais trechos da entrevista:
O FMI alertou para o risco de condições financeiras mais apertadas por conta de a escalada de tensões geopolíticas afetar os países emergentes. Como o sr. vê esse cenário impactando os ativos da região?
A região passou por dois grandes choques, a crise de 2008 e a covid-19, e hoje está mais preparada para enfrentar diferentes choques. Ao mesmo tempo, precisamos continuar a nos preparar e uma das questões que consideramos mais importantes é que os países precisam reconstruir o colchão fiscal, passados os últimos choques.
O Fundo também piorou as projeções fiscais para o Brasil após o governo anunciar metas menos ambiciosas para os próximos anos. Qual a recomendação fiscal para o Brasil conseguir manter sua credibilidade?
É muito importante identificar medidas precisas para chegar lá. Uma coisa é ter uma meta, outra é ter um plano completo possível para atingir os objetivos no final. E em todos os países, dizemos: olhe, gostaríamos de um esforço fiscal mais sustentado para colocar a dívida na trajetória descendente, mas também precisamos enfrentar a realidade. Não é uma corrida fácil.
Por outro lado, o FMI melhorou a projeção de crescimento do Brasil?
O Brasil nos surpreendeu positivamente. Aumentamos nossa projeção para o crescimento neste ano para 2,2% por conta dos resultados fiscais com os precatórios. Isso tem algum efeito, mas também porque a economia tem estado muito, muito forte. É interessante que o Brasil e o México estão se comportando um pouco melhor ou mais positivamente em relação às expectativas em comparação com o resto dos países da América Latina, que estão tendo mais dificuldades para aumentar o crescimento.
Mas o México soube aproveitar melhor o comércio com os países vizinhos na esteira da covid-19...
Nearshoring, sim. O Brasil é mais fechado. Mas também está se beneficiando de várias reformas estruturais feitas no passado. Vemos poucos países na região a realizar reformas estruturais tão abrangentes como as que vimos em curso no Brasil nos últimos anos e, em especial, no ano passado e neste, como a reforma tributária. Se olharmos para a região, essa prioridade de reforma é a maior ou com o maior impacto em termos de crescimento potencial que vemos em diferentes países.
O crescimento estimado para o Brasil é, porém, menor que o de 2023 e também do que a média global. Quais os desafios à frente?
Há vários problemas na região e, inclusive, no Brasil, que desafiam a melhora do crescimento. Mas a visão de longo prazo do Brasil ainda não mudou para o Fundo. O crescimento está desacelerando, mas tem mais por vir. Vamos olhar isso com mais atenção porque reconhecemos que houve surpresas positivas e que existe a possibilidade de reforços acentuados (no crescimento).
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E quais os desafios?
Em termos do que fazer, temos questões muito antigas como a aplicação de recursos, medidas que facilitem a atração de investimentos, etc. Mas, nessas reuniões de Primavera, estabelecemos como prioridade para a região a necessidade de mais previsibilidade para os investimentos e para os negócios. E isso tem a ver com o Estado de Direito e também com um aspecto relacionado à segurança e ao crime. Essa é uma questão que, em muitos países, representa uma ameaça ao crescimento.
E esse é um problema sério no Brasil, certo?
O Brasil tem uma experiência mais longa com isso, mas esse tema é surpreendentemente importante para as famílias como a primeira prioridade em quase todos os lugares. Na Argentina, a inflação é mais importante, mas no resto dos países o que se vê é que a segurança é a maior preocupação das pessoas. Um segundo aspecto muito relevante na região é o crescimento da produtividade, que não decolou e é mais lento do que em outros mercados emergentes. E vemos ali aspectos da realocação de recursos, que poderiam ser melhorados.
Como?
Por exemplo, há empresas que permanecem pequenas por muito tempo. Precisamos olhar para as regulamentações que impedem o crescimento das empresas, não só porque elas podem crescer, mas também porque se permanecerem pequenas não deixam recursos para outros utilizarem. A região precisa reconhecer que a dinâmica do trabalho, a demografia e o envelhecimento são novos tópicos que precisam ser analisados com cuidado. E aqui temos a oportunidade de ampliar a participação das mulheres, que vem melhorando, mas podemos fazer muito mais.
O sr. mencionou reformas no Brasil e estamos em um ano de eleições, aliás, no mundo. Quão otimista está com mais reformas no País?
O que é importante é manter essa mentalidade de reforma. É muito importante aprender com as experiências anteriores, e acho que o Brasil fez um trabalho muito bom na identificação das reformas. Elas podem deixar crescimento potencial e isso vai produzir receitas fiscais para fazer tudo o que o País necessita. Sem crescimento, é muito difícil suprir essas necessidades.
Como o sr. vê a inflação na América Latina, especificamente no Brasil. E quais as preocupações com o cenário externo, surpresas negativas com a inflação nos EUA, maiores tensões no Oriente Médio?
As metas de inflação estão funcionando e a região foi capaz de reagir precocemente e de forma muito forte à inflação, que está caindo em todos os países. É claro que existem diferenças entre regiões e países, e alguns têm uma posição cíclica que é mais forte, os seus salários estão a crescer muito mais rapidamente e, portanto, a inflação dos serviços poderá ser mais resistente. Então, cada país tem de encontrar o caminho correto para continuar a cortar os juros. Mas vemos que em todos os países da região ainda há espaço para continuar o processo de flexibilização. As taxas de juros poderiam ser normalizadas ainda mais.
E os riscos externos?
É claro que, se os riscos começarem a aumentar, essa é uma razão real para sermos mais cautelosos em termos de quão rápido ou lento será (o corte de juros), mas também podemos reconhecer que a política monetária ainda está em modo contracionista, as taxas de juros reais estão acima do que consideramos neutras. Então, temos espaço para continuar cortando os juros.
No Brasil, o mercado reprecificou a queda da Selic após sinalizações do Banco Central em meio às tensões no mercado externo...
O processo de desinflação fez muitos progressos, mas ainda não chegamos lá na economia global e também na América Latina. Então, temos o cenário externo atualmente. Só a Costa Rica está com inflação abaixo da meta. O resto está acima. Portanto, não podemos dizer que o trabalho está concluído. Isso não significa que não se possa flexibilizar a política monetária. Você não precisa esperar até alcançar a meta para se mover. Mas é claro que há considerações que afetam o ritmo e as últimas notícias da economia mundial, a inflação elevada nos EUA, as tensões globais que afetam os preços de algumas matérias-primas, especialmente o petróleo, entram nessa conta.