Brasil bate recorde de exportações, mas dependência da China e de três commodities aumenta


No ano passado, país asiático foi destino para 30,7% do total de produtos embarcados pelo Brasil; há dez anos esse porcentual não passava de 20%

Por Eduardo Laguna

Celebrada pelo governo, a sucessão de recordes na balança comercial desvia as atenções da dificuldade do Brasil de diversificar o comércio exterior com o resto do mundo. Para chegar à marca histórica de US$ 339,7 bilhões exportados em 2023, o Brasil contou com a China e seu inesgotável apetite por commodities.

Após a interrupção de tendência nos dois anos anteriores, explicada pela rígida política de covid zero determinada por Pequim, a dependência da China nas exportações brasileiras voltou a subir em 2023. O país foi destino de 30,7% do total de produtos brasileiros embarcados. Dez anos atrás, a China já era com folga o maior mercado do Brasil no exterior, mas sua participação nas exportações totais não chegava a 20%.

A China é o primeiro país a comprar mais de US$ 100 bilhões do Brasil em um ano - mais precisamente, US$ 104,3 bilhões em 2023 -, US$ 14,9 bilhões a mais do que a já expressiva cifra, de quase US$ 90 bilhões, registrada em 2022.

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Sem o impulso de seu maior parceiro, o Brasil teria resultados bem mais modestos na balança comercial, a começar pelo fato de que as exportações aos demais mercados caíram, na média, 3,8% no ano passado, incluindo aqui a queda de 1,5% das vendas aos Estados Unidos, segundo destino dos produtos embarcados no Brasil.

Para a China, as vendas subiram 16,6%, assegurando o recorde de quase US$ 340 bilhões exportados pelo Brasil em 2023, conforme os números da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Mais do que isso: sem o saldo positivo de US$ 51,1 bilhões nas trocas de produtos com os chineses, o Brasil teria apenas pouco mais da metade do superávit comercial, também recorde, de US$ 98,8 bilhões do ano passado.

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Para especialistas em comércio exterior, mesmo com a tendência de desaceleração da economia chinesa, essa dependência comercial não é por enquanto motivo de preocupação. O Brasil, avaliam eles, deve continuar sendo um pilar na segurança alimentar da China, ao mesmo tempo em que a expansão da classe média chinesa abre oportunidades para enriquecer a pauta com seu maior parceiro comercial.

Na avaliação de Fabiana D’Atri, economista da Bradesco Asset, por trás desses números existe uma bem-sucedida estratégia do Brasil de expandir a produção de produtos cujas opções de fornecedores são restritas. Ela observa que no caso do minério de ferro, não há outros países que concorrem com a escala de Brasil e Austrália. Já na soja, o Brasil se beneficia da substituição do fornecimento dos Estados Unidos, com quem a China trava uma guerra comercial. “São mercados em que não há tantas alternativas”, comenta Fabiana.

Exportação de soja ajudou no superávit do agronegócio em setembro de 2021 Foto: Epitácio Pessoa/Estadão
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Os prognósticos do mercado para este ano apontam para manutenção das exportações em nível próximo ao recorde de 2023, com projeções também otimistas - de crescimento das vendas internacionais - para os próximos três anos.

A posição do Brasil como um dos maiores produtores de alimentos do mundo casa com a prioridade da China de assegurar segurança alimentar com parceiros estratégicos, o que deve ajudar a manter as exportações em alta, a despeito da desaceleração da economia do gigante asiático.

Analista e sócio da Valor Investimentos, Davi Lelis, entende que a população chinesa continuará crescendo até 2030, adicionando um mercado de mais de 200 milhões de pessoas. “O mundo não vai conseguir alimentar essa nova população sem a produção do Brasil. É como se a gente tivesse de alimentar um outro Brasil nos próximos anos”, afirma Lelis.

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“A desaceleração econômica afeta, mas, como a população chinesa ainda vai crescer, isso beneficia o Brasil, que vai ser um dos fornecedores de insumos e de soja para garantir a segurança alimentar do país”, acrescenta Lelis. Embora riscos associados a guerras e adversidades climáticas com o El Niño não possam ser ignorados, especialistas consultados pelo Estadão/Broadcast apostam, em geral, na estabilidade de preços e volumes tanto no petróleo quanto na soja.

O maior risco, advertem os especialistas, está no impacto da crise do mercado imobiliário chinês no preço do minério de ferro. “A menor demanda da construção civil pode atingir o minério, mas não deve afetar no curto prazo a balança comercial como um todo. Mesmo quando a China teve desaceleração forte, não observamos impacto relevante no comércio”, acredita João Ferraz, economista da Coface.

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A referência histórica mais próxima são os anos de 2020 e 2022, quando, apesar das menores taxas de crescimento em quase cinco décadas, a China aumentou em 7% e 1,7%, respectivamente, as importações de produtos brasileiros. “As exportações acompanham muito a urbanização da China, que seguirá acontecendo mesmo com a desaceleração econômica. Além disso, a inflação controlada abre espaço para a China aplicar estímulos monetários, junto com os fiscais”, acrescenta Ferraz.

Redução da dependência

Apesar de não verem riscos no curto prazo, no longo prazo essa dependência da China não é saudável para o Brasil, segundo especialistas. “No médio e longo prazo, é complicado depender tanto das exportações de commodities a um único país. Seria melhor exportar produtos de maior valor agregado”, comenta Ferraz.

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Nas últimas duas décadas, o caminho trilhado pelo Brasil foi na direção contrária ao da diversificação e qualificação de sua pauta de exportações, tanto em produtos quanto em destinos. Enquanto a indústria extrativa e a agropecuária expandiram a produção para atender, sobretudo, a China, a indústria de transformação perdeu espaço para a concorrência da própria China em mercados vizinhos, assim como teve de enfrentar as sucessivas crises na Argentina, mercado importante para máquinas e bens de consumo, incluindo automóveis, produzidos no Brasil.

Como resultado, soja, minério de ferro e petróleo, os três produtos mais vendidos pelo Brasil ao exterior, já respondem juntos por 37,2% das exportações brasileiras - há 18 anos, esse porcentual não passava de 10%. Por outro lado, os produtos da indústria de transformação, uma gama vasta e diversificada que vai de alimentos a aeronaves, caíram para 52,2% no ano passado.

Na série estatística da Secex, iniciada em 1997, o último dado da parcela da indústria nas exportações brasileiras só não é pior do que o registrado em 2021 (51,3%), quando a produção foi afetada pela falta de componentes nas fábricas.

“Temos de torcer para a reforma tributária reduzir o mais rápido possível o custo Brasil e, assim, abrir a perspectiva de aumento nas exportações de produtos manufaturados”, afirma o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Com a criação do IVA, o imposto sobre valor agregado, a reforma vai eliminar os resíduos tributários que minam a competitividade de produtos brasileiros no exterior.

Celebrada pelo governo, a sucessão de recordes na balança comercial desvia as atenções da dificuldade do Brasil de diversificar o comércio exterior com o resto do mundo. Para chegar à marca histórica de US$ 339,7 bilhões exportados em 2023, o Brasil contou com a China e seu inesgotável apetite por commodities.

Após a interrupção de tendência nos dois anos anteriores, explicada pela rígida política de covid zero determinada por Pequim, a dependência da China nas exportações brasileiras voltou a subir em 2023. O país foi destino de 30,7% do total de produtos brasileiros embarcados. Dez anos atrás, a China já era com folga o maior mercado do Brasil no exterior, mas sua participação nas exportações totais não chegava a 20%.

A China é o primeiro país a comprar mais de US$ 100 bilhões do Brasil em um ano - mais precisamente, US$ 104,3 bilhões em 2023 -, US$ 14,9 bilhões a mais do que a já expressiva cifra, de quase US$ 90 bilhões, registrada em 2022.

Sem o impulso de seu maior parceiro, o Brasil teria resultados bem mais modestos na balança comercial, a começar pelo fato de que as exportações aos demais mercados caíram, na média, 3,8% no ano passado, incluindo aqui a queda de 1,5% das vendas aos Estados Unidos, segundo destino dos produtos embarcados no Brasil.

Para a China, as vendas subiram 16,6%, assegurando o recorde de quase US$ 340 bilhões exportados pelo Brasil em 2023, conforme os números da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Mais do que isso: sem o saldo positivo de US$ 51,1 bilhões nas trocas de produtos com os chineses, o Brasil teria apenas pouco mais da metade do superávit comercial, também recorde, de US$ 98,8 bilhões do ano passado.

Para especialistas em comércio exterior, mesmo com a tendência de desaceleração da economia chinesa, essa dependência comercial não é por enquanto motivo de preocupação. O Brasil, avaliam eles, deve continuar sendo um pilar na segurança alimentar da China, ao mesmo tempo em que a expansão da classe média chinesa abre oportunidades para enriquecer a pauta com seu maior parceiro comercial.

Na avaliação de Fabiana D’Atri, economista da Bradesco Asset, por trás desses números existe uma bem-sucedida estratégia do Brasil de expandir a produção de produtos cujas opções de fornecedores são restritas. Ela observa que no caso do minério de ferro, não há outros países que concorrem com a escala de Brasil e Austrália. Já na soja, o Brasil se beneficia da substituição do fornecimento dos Estados Unidos, com quem a China trava uma guerra comercial. “São mercados em que não há tantas alternativas”, comenta Fabiana.

Exportação de soja ajudou no superávit do agronegócio em setembro de 2021 Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Os prognósticos do mercado para este ano apontam para manutenção das exportações em nível próximo ao recorde de 2023, com projeções também otimistas - de crescimento das vendas internacionais - para os próximos três anos.

A posição do Brasil como um dos maiores produtores de alimentos do mundo casa com a prioridade da China de assegurar segurança alimentar com parceiros estratégicos, o que deve ajudar a manter as exportações em alta, a despeito da desaceleração da economia do gigante asiático.

Analista e sócio da Valor Investimentos, Davi Lelis, entende que a população chinesa continuará crescendo até 2030, adicionando um mercado de mais de 200 milhões de pessoas. “O mundo não vai conseguir alimentar essa nova população sem a produção do Brasil. É como se a gente tivesse de alimentar um outro Brasil nos próximos anos”, afirma Lelis.

“A desaceleração econômica afeta, mas, como a população chinesa ainda vai crescer, isso beneficia o Brasil, que vai ser um dos fornecedores de insumos e de soja para garantir a segurança alimentar do país”, acrescenta Lelis. Embora riscos associados a guerras e adversidades climáticas com o El Niño não possam ser ignorados, especialistas consultados pelo Estadão/Broadcast apostam, em geral, na estabilidade de preços e volumes tanto no petróleo quanto na soja.

O maior risco, advertem os especialistas, está no impacto da crise do mercado imobiliário chinês no preço do minério de ferro. “A menor demanda da construção civil pode atingir o minério, mas não deve afetar no curto prazo a balança comercial como um todo. Mesmo quando a China teve desaceleração forte, não observamos impacto relevante no comércio”, acredita João Ferraz, economista da Coface.

A referência histórica mais próxima são os anos de 2020 e 2022, quando, apesar das menores taxas de crescimento em quase cinco décadas, a China aumentou em 7% e 1,7%, respectivamente, as importações de produtos brasileiros. “As exportações acompanham muito a urbanização da China, que seguirá acontecendo mesmo com a desaceleração econômica. Além disso, a inflação controlada abre espaço para a China aplicar estímulos monetários, junto com os fiscais”, acrescenta Ferraz.

Redução da dependência

Apesar de não verem riscos no curto prazo, no longo prazo essa dependência da China não é saudável para o Brasil, segundo especialistas. “No médio e longo prazo, é complicado depender tanto das exportações de commodities a um único país. Seria melhor exportar produtos de maior valor agregado”, comenta Ferraz.

Nas últimas duas décadas, o caminho trilhado pelo Brasil foi na direção contrária ao da diversificação e qualificação de sua pauta de exportações, tanto em produtos quanto em destinos. Enquanto a indústria extrativa e a agropecuária expandiram a produção para atender, sobretudo, a China, a indústria de transformação perdeu espaço para a concorrência da própria China em mercados vizinhos, assim como teve de enfrentar as sucessivas crises na Argentina, mercado importante para máquinas e bens de consumo, incluindo automóveis, produzidos no Brasil.

Como resultado, soja, minério de ferro e petróleo, os três produtos mais vendidos pelo Brasil ao exterior, já respondem juntos por 37,2% das exportações brasileiras - há 18 anos, esse porcentual não passava de 10%. Por outro lado, os produtos da indústria de transformação, uma gama vasta e diversificada que vai de alimentos a aeronaves, caíram para 52,2% no ano passado.

Na série estatística da Secex, iniciada em 1997, o último dado da parcela da indústria nas exportações brasileiras só não é pior do que o registrado em 2021 (51,3%), quando a produção foi afetada pela falta de componentes nas fábricas.

“Temos de torcer para a reforma tributária reduzir o mais rápido possível o custo Brasil e, assim, abrir a perspectiva de aumento nas exportações de produtos manufaturados”, afirma o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Com a criação do IVA, o imposto sobre valor agregado, a reforma vai eliminar os resíduos tributários que minam a competitividade de produtos brasileiros no exterior.

Celebrada pelo governo, a sucessão de recordes na balança comercial desvia as atenções da dificuldade do Brasil de diversificar o comércio exterior com o resto do mundo. Para chegar à marca histórica de US$ 339,7 bilhões exportados em 2023, o Brasil contou com a China e seu inesgotável apetite por commodities.

Após a interrupção de tendência nos dois anos anteriores, explicada pela rígida política de covid zero determinada por Pequim, a dependência da China nas exportações brasileiras voltou a subir em 2023. O país foi destino de 30,7% do total de produtos brasileiros embarcados. Dez anos atrás, a China já era com folga o maior mercado do Brasil no exterior, mas sua participação nas exportações totais não chegava a 20%.

A China é o primeiro país a comprar mais de US$ 100 bilhões do Brasil em um ano - mais precisamente, US$ 104,3 bilhões em 2023 -, US$ 14,9 bilhões a mais do que a já expressiva cifra, de quase US$ 90 bilhões, registrada em 2022.

Sem o impulso de seu maior parceiro, o Brasil teria resultados bem mais modestos na balança comercial, a começar pelo fato de que as exportações aos demais mercados caíram, na média, 3,8% no ano passado, incluindo aqui a queda de 1,5% das vendas aos Estados Unidos, segundo destino dos produtos embarcados no Brasil.

Para a China, as vendas subiram 16,6%, assegurando o recorde de quase US$ 340 bilhões exportados pelo Brasil em 2023, conforme os números da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Mais do que isso: sem o saldo positivo de US$ 51,1 bilhões nas trocas de produtos com os chineses, o Brasil teria apenas pouco mais da metade do superávit comercial, também recorde, de US$ 98,8 bilhões do ano passado.

Para especialistas em comércio exterior, mesmo com a tendência de desaceleração da economia chinesa, essa dependência comercial não é por enquanto motivo de preocupação. O Brasil, avaliam eles, deve continuar sendo um pilar na segurança alimentar da China, ao mesmo tempo em que a expansão da classe média chinesa abre oportunidades para enriquecer a pauta com seu maior parceiro comercial.

Na avaliação de Fabiana D’Atri, economista da Bradesco Asset, por trás desses números existe uma bem-sucedida estratégia do Brasil de expandir a produção de produtos cujas opções de fornecedores são restritas. Ela observa que no caso do minério de ferro, não há outros países que concorrem com a escala de Brasil e Austrália. Já na soja, o Brasil se beneficia da substituição do fornecimento dos Estados Unidos, com quem a China trava uma guerra comercial. “São mercados em que não há tantas alternativas”, comenta Fabiana.

Exportação de soja ajudou no superávit do agronegócio em setembro de 2021 Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Os prognósticos do mercado para este ano apontam para manutenção das exportações em nível próximo ao recorde de 2023, com projeções também otimistas - de crescimento das vendas internacionais - para os próximos três anos.

A posição do Brasil como um dos maiores produtores de alimentos do mundo casa com a prioridade da China de assegurar segurança alimentar com parceiros estratégicos, o que deve ajudar a manter as exportações em alta, a despeito da desaceleração da economia do gigante asiático.

Analista e sócio da Valor Investimentos, Davi Lelis, entende que a população chinesa continuará crescendo até 2030, adicionando um mercado de mais de 200 milhões de pessoas. “O mundo não vai conseguir alimentar essa nova população sem a produção do Brasil. É como se a gente tivesse de alimentar um outro Brasil nos próximos anos”, afirma Lelis.

“A desaceleração econômica afeta, mas, como a população chinesa ainda vai crescer, isso beneficia o Brasil, que vai ser um dos fornecedores de insumos e de soja para garantir a segurança alimentar do país”, acrescenta Lelis. Embora riscos associados a guerras e adversidades climáticas com o El Niño não possam ser ignorados, especialistas consultados pelo Estadão/Broadcast apostam, em geral, na estabilidade de preços e volumes tanto no petróleo quanto na soja.

O maior risco, advertem os especialistas, está no impacto da crise do mercado imobiliário chinês no preço do minério de ferro. “A menor demanda da construção civil pode atingir o minério, mas não deve afetar no curto prazo a balança comercial como um todo. Mesmo quando a China teve desaceleração forte, não observamos impacto relevante no comércio”, acredita João Ferraz, economista da Coface.

A referência histórica mais próxima são os anos de 2020 e 2022, quando, apesar das menores taxas de crescimento em quase cinco décadas, a China aumentou em 7% e 1,7%, respectivamente, as importações de produtos brasileiros. “As exportações acompanham muito a urbanização da China, que seguirá acontecendo mesmo com a desaceleração econômica. Além disso, a inflação controlada abre espaço para a China aplicar estímulos monetários, junto com os fiscais”, acrescenta Ferraz.

Redução da dependência

Apesar de não verem riscos no curto prazo, no longo prazo essa dependência da China não é saudável para o Brasil, segundo especialistas. “No médio e longo prazo, é complicado depender tanto das exportações de commodities a um único país. Seria melhor exportar produtos de maior valor agregado”, comenta Ferraz.

Nas últimas duas décadas, o caminho trilhado pelo Brasil foi na direção contrária ao da diversificação e qualificação de sua pauta de exportações, tanto em produtos quanto em destinos. Enquanto a indústria extrativa e a agropecuária expandiram a produção para atender, sobretudo, a China, a indústria de transformação perdeu espaço para a concorrência da própria China em mercados vizinhos, assim como teve de enfrentar as sucessivas crises na Argentina, mercado importante para máquinas e bens de consumo, incluindo automóveis, produzidos no Brasil.

Como resultado, soja, minério de ferro e petróleo, os três produtos mais vendidos pelo Brasil ao exterior, já respondem juntos por 37,2% das exportações brasileiras - há 18 anos, esse porcentual não passava de 10%. Por outro lado, os produtos da indústria de transformação, uma gama vasta e diversificada que vai de alimentos a aeronaves, caíram para 52,2% no ano passado.

Na série estatística da Secex, iniciada em 1997, o último dado da parcela da indústria nas exportações brasileiras só não é pior do que o registrado em 2021 (51,3%), quando a produção foi afetada pela falta de componentes nas fábricas.

“Temos de torcer para a reforma tributária reduzir o mais rápido possível o custo Brasil e, assim, abrir a perspectiva de aumento nas exportações de produtos manufaturados”, afirma o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Com a criação do IVA, o imposto sobre valor agregado, a reforma vai eliminar os resíduos tributários que minam a competitividade de produtos brasileiros no exterior.

Celebrada pelo governo, a sucessão de recordes na balança comercial desvia as atenções da dificuldade do Brasil de diversificar o comércio exterior com o resto do mundo. Para chegar à marca histórica de US$ 339,7 bilhões exportados em 2023, o Brasil contou com a China e seu inesgotável apetite por commodities.

Após a interrupção de tendência nos dois anos anteriores, explicada pela rígida política de covid zero determinada por Pequim, a dependência da China nas exportações brasileiras voltou a subir em 2023. O país foi destino de 30,7% do total de produtos brasileiros embarcados. Dez anos atrás, a China já era com folga o maior mercado do Brasil no exterior, mas sua participação nas exportações totais não chegava a 20%.

A China é o primeiro país a comprar mais de US$ 100 bilhões do Brasil em um ano - mais precisamente, US$ 104,3 bilhões em 2023 -, US$ 14,9 bilhões a mais do que a já expressiva cifra, de quase US$ 90 bilhões, registrada em 2022.

Sem o impulso de seu maior parceiro, o Brasil teria resultados bem mais modestos na balança comercial, a começar pelo fato de que as exportações aos demais mercados caíram, na média, 3,8% no ano passado, incluindo aqui a queda de 1,5% das vendas aos Estados Unidos, segundo destino dos produtos embarcados no Brasil.

Para a China, as vendas subiram 16,6%, assegurando o recorde de quase US$ 340 bilhões exportados pelo Brasil em 2023, conforme os números da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Mais do que isso: sem o saldo positivo de US$ 51,1 bilhões nas trocas de produtos com os chineses, o Brasil teria apenas pouco mais da metade do superávit comercial, também recorde, de US$ 98,8 bilhões do ano passado.

Para especialistas em comércio exterior, mesmo com a tendência de desaceleração da economia chinesa, essa dependência comercial não é por enquanto motivo de preocupação. O Brasil, avaliam eles, deve continuar sendo um pilar na segurança alimentar da China, ao mesmo tempo em que a expansão da classe média chinesa abre oportunidades para enriquecer a pauta com seu maior parceiro comercial.

Na avaliação de Fabiana D’Atri, economista da Bradesco Asset, por trás desses números existe uma bem-sucedida estratégia do Brasil de expandir a produção de produtos cujas opções de fornecedores são restritas. Ela observa que no caso do minério de ferro, não há outros países que concorrem com a escala de Brasil e Austrália. Já na soja, o Brasil se beneficia da substituição do fornecimento dos Estados Unidos, com quem a China trava uma guerra comercial. “São mercados em que não há tantas alternativas”, comenta Fabiana.

Exportação de soja ajudou no superávit do agronegócio em setembro de 2021 Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Os prognósticos do mercado para este ano apontam para manutenção das exportações em nível próximo ao recorde de 2023, com projeções também otimistas - de crescimento das vendas internacionais - para os próximos três anos.

A posição do Brasil como um dos maiores produtores de alimentos do mundo casa com a prioridade da China de assegurar segurança alimentar com parceiros estratégicos, o que deve ajudar a manter as exportações em alta, a despeito da desaceleração da economia do gigante asiático.

Analista e sócio da Valor Investimentos, Davi Lelis, entende que a população chinesa continuará crescendo até 2030, adicionando um mercado de mais de 200 milhões de pessoas. “O mundo não vai conseguir alimentar essa nova população sem a produção do Brasil. É como se a gente tivesse de alimentar um outro Brasil nos próximos anos”, afirma Lelis.

“A desaceleração econômica afeta, mas, como a população chinesa ainda vai crescer, isso beneficia o Brasil, que vai ser um dos fornecedores de insumos e de soja para garantir a segurança alimentar do país”, acrescenta Lelis. Embora riscos associados a guerras e adversidades climáticas com o El Niño não possam ser ignorados, especialistas consultados pelo Estadão/Broadcast apostam, em geral, na estabilidade de preços e volumes tanto no petróleo quanto na soja.

O maior risco, advertem os especialistas, está no impacto da crise do mercado imobiliário chinês no preço do minério de ferro. “A menor demanda da construção civil pode atingir o minério, mas não deve afetar no curto prazo a balança comercial como um todo. Mesmo quando a China teve desaceleração forte, não observamos impacto relevante no comércio”, acredita João Ferraz, economista da Coface.

A referência histórica mais próxima são os anos de 2020 e 2022, quando, apesar das menores taxas de crescimento em quase cinco décadas, a China aumentou em 7% e 1,7%, respectivamente, as importações de produtos brasileiros. “As exportações acompanham muito a urbanização da China, que seguirá acontecendo mesmo com a desaceleração econômica. Além disso, a inflação controlada abre espaço para a China aplicar estímulos monetários, junto com os fiscais”, acrescenta Ferraz.

Redução da dependência

Apesar de não verem riscos no curto prazo, no longo prazo essa dependência da China não é saudável para o Brasil, segundo especialistas. “No médio e longo prazo, é complicado depender tanto das exportações de commodities a um único país. Seria melhor exportar produtos de maior valor agregado”, comenta Ferraz.

Nas últimas duas décadas, o caminho trilhado pelo Brasil foi na direção contrária ao da diversificação e qualificação de sua pauta de exportações, tanto em produtos quanto em destinos. Enquanto a indústria extrativa e a agropecuária expandiram a produção para atender, sobretudo, a China, a indústria de transformação perdeu espaço para a concorrência da própria China em mercados vizinhos, assim como teve de enfrentar as sucessivas crises na Argentina, mercado importante para máquinas e bens de consumo, incluindo automóveis, produzidos no Brasil.

Como resultado, soja, minério de ferro e petróleo, os três produtos mais vendidos pelo Brasil ao exterior, já respondem juntos por 37,2% das exportações brasileiras - há 18 anos, esse porcentual não passava de 10%. Por outro lado, os produtos da indústria de transformação, uma gama vasta e diversificada que vai de alimentos a aeronaves, caíram para 52,2% no ano passado.

Na série estatística da Secex, iniciada em 1997, o último dado da parcela da indústria nas exportações brasileiras só não é pior do que o registrado em 2021 (51,3%), quando a produção foi afetada pela falta de componentes nas fábricas.

“Temos de torcer para a reforma tributária reduzir o mais rápido possível o custo Brasil e, assim, abrir a perspectiva de aumento nas exportações de produtos manufaturados”, afirma o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Com a criação do IVA, o imposto sobre valor agregado, a reforma vai eliminar os resíduos tributários que minam a competitividade de produtos brasileiros no exterior.

Celebrada pelo governo, a sucessão de recordes na balança comercial desvia as atenções da dificuldade do Brasil de diversificar o comércio exterior com o resto do mundo. Para chegar à marca histórica de US$ 339,7 bilhões exportados em 2023, o Brasil contou com a China e seu inesgotável apetite por commodities.

Após a interrupção de tendência nos dois anos anteriores, explicada pela rígida política de covid zero determinada por Pequim, a dependência da China nas exportações brasileiras voltou a subir em 2023. O país foi destino de 30,7% do total de produtos brasileiros embarcados. Dez anos atrás, a China já era com folga o maior mercado do Brasil no exterior, mas sua participação nas exportações totais não chegava a 20%.

A China é o primeiro país a comprar mais de US$ 100 bilhões do Brasil em um ano - mais precisamente, US$ 104,3 bilhões em 2023 -, US$ 14,9 bilhões a mais do que a já expressiva cifra, de quase US$ 90 bilhões, registrada em 2022.

Sem o impulso de seu maior parceiro, o Brasil teria resultados bem mais modestos na balança comercial, a começar pelo fato de que as exportações aos demais mercados caíram, na média, 3,8% no ano passado, incluindo aqui a queda de 1,5% das vendas aos Estados Unidos, segundo destino dos produtos embarcados no Brasil.

Para a China, as vendas subiram 16,6%, assegurando o recorde de quase US$ 340 bilhões exportados pelo Brasil em 2023, conforme os números da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Mais do que isso: sem o saldo positivo de US$ 51,1 bilhões nas trocas de produtos com os chineses, o Brasil teria apenas pouco mais da metade do superávit comercial, também recorde, de US$ 98,8 bilhões do ano passado.

Para especialistas em comércio exterior, mesmo com a tendência de desaceleração da economia chinesa, essa dependência comercial não é por enquanto motivo de preocupação. O Brasil, avaliam eles, deve continuar sendo um pilar na segurança alimentar da China, ao mesmo tempo em que a expansão da classe média chinesa abre oportunidades para enriquecer a pauta com seu maior parceiro comercial.

Na avaliação de Fabiana D’Atri, economista da Bradesco Asset, por trás desses números existe uma bem-sucedida estratégia do Brasil de expandir a produção de produtos cujas opções de fornecedores são restritas. Ela observa que no caso do minério de ferro, não há outros países que concorrem com a escala de Brasil e Austrália. Já na soja, o Brasil se beneficia da substituição do fornecimento dos Estados Unidos, com quem a China trava uma guerra comercial. “São mercados em que não há tantas alternativas”, comenta Fabiana.

Exportação de soja ajudou no superávit do agronegócio em setembro de 2021 Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Os prognósticos do mercado para este ano apontam para manutenção das exportações em nível próximo ao recorde de 2023, com projeções também otimistas - de crescimento das vendas internacionais - para os próximos três anos.

A posição do Brasil como um dos maiores produtores de alimentos do mundo casa com a prioridade da China de assegurar segurança alimentar com parceiros estratégicos, o que deve ajudar a manter as exportações em alta, a despeito da desaceleração da economia do gigante asiático.

Analista e sócio da Valor Investimentos, Davi Lelis, entende que a população chinesa continuará crescendo até 2030, adicionando um mercado de mais de 200 milhões de pessoas. “O mundo não vai conseguir alimentar essa nova população sem a produção do Brasil. É como se a gente tivesse de alimentar um outro Brasil nos próximos anos”, afirma Lelis.

“A desaceleração econômica afeta, mas, como a população chinesa ainda vai crescer, isso beneficia o Brasil, que vai ser um dos fornecedores de insumos e de soja para garantir a segurança alimentar do país”, acrescenta Lelis. Embora riscos associados a guerras e adversidades climáticas com o El Niño não possam ser ignorados, especialistas consultados pelo Estadão/Broadcast apostam, em geral, na estabilidade de preços e volumes tanto no petróleo quanto na soja.

O maior risco, advertem os especialistas, está no impacto da crise do mercado imobiliário chinês no preço do minério de ferro. “A menor demanda da construção civil pode atingir o minério, mas não deve afetar no curto prazo a balança comercial como um todo. Mesmo quando a China teve desaceleração forte, não observamos impacto relevante no comércio”, acredita João Ferraz, economista da Coface.

A referência histórica mais próxima são os anos de 2020 e 2022, quando, apesar das menores taxas de crescimento em quase cinco décadas, a China aumentou em 7% e 1,7%, respectivamente, as importações de produtos brasileiros. “As exportações acompanham muito a urbanização da China, que seguirá acontecendo mesmo com a desaceleração econômica. Além disso, a inflação controlada abre espaço para a China aplicar estímulos monetários, junto com os fiscais”, acrescenta Ferraz.

Redução da dependência

Apesar de não verem riscos no curto prazo, no longo prazo essa dependência da China não é saudável para o Brasil, segundo especialistas. “No médio e longo prazo, é complicado depender tanto das exportações de commodities a um único país. Seria melhor exportar produtos de maior valor agregado”, comenta Ferraz.

Nas últimas duas décadas, o caminho trilhado pelo Brasil foi na direção contrária ao da diversificação e qualificação de sua pauta de exportações, tanto em produtos quanto em destinos. Enquanto a indústria extrativa e a agropecuária expandiram a produção para atender, sobretudo, a China, a indústria de transformação perdeu espaço para a concorrência da própria China em mercados vizinhos, assim como teve de enfrentar as sucessivas crises na Argentina, mercado importante para máquinas e bens de consumo, incluindo automóveis, produzidos no Brasil.

Como resultado, soja, minério de ferro e petróleo, os três produtos mais vendidos pelo Brasil ao exterior, já respondem juntos por 37,2% das exportações brasileiras - há 18 anos, esse porcentual não passava de 10%. Por outro lado, os produtos da indústria de transformação, uma gama vasta e diversificada que vai de alimentos a aeronaves, caíram para 52,2% no ano passado.

Na série estatística da Secex, iniciada em 1997, o último dado da parcela da indústria nas exportações brasileiras só não é pior do que o registrado em 2021 (51,3%), quando a produção foi afetada pela falta de componentes nas fábricas.

“Temos de torcer para a reforma tributária reduzir o mais rápido possível o custo Brasil e, assim, abrir a perspectiva de aumento nas exportações de produtos manufaturados”, afirma o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Com a criação do IVA, o imposto sobre valor agregado, a reforma vai eliminar os resíduos tributários que minam a competitividade de produtos brasileiros no exterior.

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