‘Brasil tem posição singular na transição verde, mas enfrenta desafios antigos’


Em entrevista ao ‘Estadão’, o economista-chefe da Fiesp, Igor Rocha, comenta o futuro da indústria brasileira, o avanço da transição verde e o investimento no setor

Por Jayanne Rodrigues
Foto: Everton Amaro
Entrevista comIgor RochaEconomista-chefe da Fiesp

Na corrida global por um modelo de desenvolvimento mais sustentável, o Brasil aparece em posição singular para atrair investimentos, afirma o economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Igor Rocha. “Poucos países apresentam essa biodiversidade e matriz energética extremamente limpa, ao mesmo tempo que têm capacidade de articulação comercial com diversas nações”, destaca, em entrevista ao Estadão.

No entanto, para capitalizar integralmente das novas potencialidades, o País deve enfrentar desafios antigos. Em particular, Rocha cita a infraestrutura deficitária e os juros estruturalmente elevados. Também critica o sistema tributário brasileiro, que onera a indústria de maneira desproporcional e faz o setor indiretamente “subsidiar” outros segmentos, na visão dele. “Isso tira muita eficiência do sistema econômico”, argumenta.

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O economista vê méritos no programa Nova Indústria Brasil, que prevê R$ 300 bilhões em subsídios e financiamento até 2026. Mas avalia que o pacote é insuficiente para lidar com as distorções vigentes. Para ele, o governo deve avançar em políticas industriais que fomentem as áreas com maiores oportunidades, entre elas a produção de hidrogênio verde e energia eólica offshore.

Confira os principais trechos da entrevista:

Qual é a sua avaliação sobre o programa Nova Indústria Brasil?

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É um programa importante, porque coloca a indústria de transformação como um pilar do desenvolvimento econômico. Esse é um setor que, por muito tempo, ficou de lado e o Brasil pagou o preço por isso, com uma condição de baixo crescimento. Estivemos na armadilha da renda média e não conseguimos fazer o salto para o rol de países de renda alta. Tivemos uma desindustrialização muito forte exatamente por não ter a visão sistêmica e articulada de planejamento quanto ao papel do setor industrial. O programa está na fase de desenho das metas, às quais estamos aguardando. Mais importante que as metas será o acompanhamento desse plano ao longo dos anos.

O programa é suficiente para ampliar a produtividade, historicamente um dos grandes desafios da economia brasileira?

O plano é uma condição necessária, porém não suficiente. Há um ambiente macroeconômico absurdamente desajustado, sobretudo na questão tributária e de juros para a indústria. A indústria tem que pagar a maior carga tributária da economia quando comparado com os outros setores. Isso ficou muito claro agora com a reforma tributária: diversos setores tiveram isenções e tratamentos diferenciais bastante generosos e a indústria não teve isso. Não à toa esses setores têm maior dinamismo, porque esse incentivo os ajuda a ter ganho de produtividade e crescimento. Quando a indústria tem que pagar essa meia-entrada alheia, temos um ambiente bastante adverso. Isso não acontece somente pela questão tributária. A reforma tributária tem um grande ponto forte que é a transparência. Agora, a sociedade vai saber quem paga muito, quem paga pouco e quem nada paga. Isso será muito bom para o desenho das políticas públicas.

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O Banco Central já começou a desacelerar o ritmo de corte de juros e muitos economistas já esperam a manutenção da Selic acima dos 10% por algum tempo. Como isso afeta a indústria?

A indústria não tem um Plano Safra, uma LCI (Letra de Crédito Imobiliário), uma LCA (Letra de Crédito de Agronegócio), uma debênture de infraestrutura, uma debênture incentivada. Não tem nenhuma ferramenta de arrefecimento dos juros altos estruturais que têm permanecido no Brasil há muito tempo. A tônica da vez é a isonomia. Por que não podemos todos pagar a mesma carga tributária, o mesmo custo do crédito? Se não for assim, e a indústria sempre tiver que subsidiar indiretamente outros setores, você começa a fomentar uma série de distorções na economia. Isso tira muita eficiência do sistema econômico. Por exemplo, nosso estoque de capital é bastante obsoleto. São máquinas operando com 14, 15 anos. Quase 40% das máquinas em uso no Brasil já passaram do tempo de recomendação de uso pelo fabricante. Dado que o custo é muito alto, não ocorre essa renovação. Isso impacta na produtividade do trabalhador. Vemos uma defasagem brutal de tecnologia devido à dificuldade de acesso ao capital. Com isso, a produtividade também não aumenta. Essas questões precisam ser endereçadas na política pública - digo até na política estrutural macroeconômica - para reduzir as diferenças entre os segmentos, entre diferentes rendas, entre diferentes regiões do país, que geram uma enorme perda de eficiência no sistema econômico.

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Quais outros desafios emergem de maneira mais contundente para a indústria?

Outra questão que precisa ser endereçada é a da infraestrutura, que ainda é muito deficitária, o que tira competitividade para inserção em novos mercados. Os investimentos caíram de maneira muito forte desde 2015. Parece que estão retomando agora. O investimento público precisa caminhar de maneira conjunta com o privado e a infraestrutura é um exemplo bastante claro disso. Tem também a questão das tarifas de importação - seria importante trabalharmos em um modelo de escalada tributária, ou seja, associar as tarifas à agregação de valor. O que se tem hoje na economia brasileira é um desincentivo à agregação de valor, porque, se quiser agregar valor, você paga mais juros, tem disponibilidade relativa de crédito menor, paga mais imposto e mais tarifa de importação. Então, é preciso ter uma estrutura de incentivos adequada para a agregação de valor.

Como esse cenário explica a desindustrialização que o Brasil tem enfrentado?

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Muitos dos setores que o Brasil tem hoje e podem ser aproveitados foram constituídos de políticas públicas bem desenhadas e que geram oportunidades para o setor industrial. A desindustrialização do Brasil foi prematura. À medida que os países vão crescendo e se tornando países de renda média, é natural que a indústria perca a participação e passe a ter um movimento muito mais simbiótico com setor de serviço. Assim, o setor industrial de alta tecnologia começa a andar junto com os serviços sofisticados. No Brasil, houve uma regressão tecnológica muito forte, porque a desindustrialização veio antes dessa transição para a renda alta. Isso fez com que a gente perdesse setores de média e alta tecnologia, não desenhássemos esse movimento simbiótico e sinergético com o setor de serviços. Além disso, teve impacto em renda, emprego e crescimento sustentável. Isso é muito ruim para o País.

O que o Brasil pode explorar para se diferenciar de outros mercados como a China? A adoção de políticas industriais pode ser um caminho?

A política industrial é uma política pública, não necessariamente uma política para manufatura. A política industrial é qualquer tipo de política pública que visa transformar uma dada estrutura produtiva. Houve políticas industriais no setor de energia renovável, no agronegócio, na constituição da Embraer, da Petrobras. Até a política da saúde tem uma conotação de política industrial, porque traciona diversos segmentos conectados à saúde que são setores de média e alta tecnologia. Temos vantagens também no desenvolvimento de combustíveis, nos combustíveis de aviação sustentáveis, nos novos combustíveis, no hidrogênio verde. Temos também o potencial do desenvolvimento da energia eólica offshore. Todas essas oportunidades foram fomentadas graças a políticas bem desenhadas para esses segmentos.

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Por que essas políticas industriais são particularmente importantes para a manufatura?

A política industrial é associada à manufatura por duas questões: primeiro porque vem da tradução do termo em inglês, industrial policy. Mas também porque é um setor que tem maior oportunidade para geração de emprego e renda. Essa nova recuperação das políticas industriais no mundo vem depois de elas terem sido solapadas por um tempo. Chegou-se a cogitar outras formas de desenvolvimento das nações. Mas a realidade bateu à porta.

Como a indústria pode aproveitar o processo de transição energética e o potencial brasileiro, sobretudo no hidrogênio verde, para ganhar competitividade?

Por ter uma matriz energética bastante limpa, o Brasil acaba sendo uma potência expressiva para atração do chamado powershoring. Obviamente, temos o potencial do nearshoring, por sermos uma nação amiga e com comércio com diversas nações. Mas também temos essa vantagem do powershoring que não é desprezível. Quando se fala no powershoring, nessa transição sustentável, isso acabou virando uma espécie de novo grau de investimento. E o Brasil tem um papel muito singular nisso. Poucos países apresentam essa biodiversidade e matriz energética extremamente limpa, ao mesmo tempo que têm capacidade de articulação comercial com diversas nações.

Tendo em vista essas transformações, como o governo e o setor privado podem colaborar para oferecer formação e treinamento adequados aos trabalhadores?

Temos feito um trabalho muito positivo na Fiesp, que faz a gestão do Sesi e do Senai. As escolas do Sesi de São Paulo já superaram o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) do Chile. É muito difícil ver outro setor da economia atuando, como a indústria, de maneira tão bem articulada e tão incisiva para a melhora da educação do Brasil. O Sesi de SP é um sistema eficiente para o incremento da produtividade, dos skills e da educação do trabalhador. A mesma coisa é feita com o Senai, que tem uma atuação bastante expressiva em novas tecnologias, mas também no ensino profissional. Essa tem sido uma marca da gestão do presidente Josué Gomes.

Com a neoindustrialização e a crescente preocupação com a sustentabilidade em um nível global, como o Brasil pode lidar com os “desempregados climáticos” – trabalhadores cujo emprego é afetado pela transição para uma economia verde?

Isso não se conecta não só com a questão verde, mas também com a inteligência artificial. Novas profissões estão sendo criadas, novos cursos. Algumas coisas deixarão de existir e outras serão criadas. É um novo ciclo, uma nova revolução industrial. Estamos nos deparando com o novo, no qual a sustentabilidade está no cerne e a IA também. A indústria tem feito esse treinamento, esse intercâmbio com o que o mundo lá fora tem feito. Não vejo como um desemprego verde. Vejo novas profissões, novas oportunidades que estão sendo criadas. Sou bastante otimista.

Na corrida global por um modelo de desenvolvimento mais sustentável, o Brasil aparece em posição singular para atrair investimentos, afirma o economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Igor Rocha. “Poucos países apresentam essa biodiversidade e matriz energética extremamente limpa, ao mesmo tempo que têm capacidade de articulação comercial com diversas nações”, destaca, em entrevista ao Estadão.

No entanto, para capitalizar integralmente das novas potencialidades, o País deve enfrentar desafios antigos. Em particular, Rocha cita a infraestrutura deficitária e os juros estruturalmente elevados. Também critica o sistema tributário brasileiro, que onera a indústria de maneira desproporcional e faz o setor indiretamente “subsidiar” outros segmentos, na visão dele. “Isso tira muita eficiência do sistema econômico”, argumenta.

O economista vê méritos no programa Nova Indústria Brasil, que prevê R$ 300 bilhões em subsídios e financiamento até 2026. Mas avalia que o pacote é insuficiente para lidar com as distorções vigentes. Para ele, o governo deve avançar em políticas industriais que fomentem as áreas com maiores oportunidades, entre elas a produção de hidrogênio verde e energia eólica offshore.

Confira os principais trechos da entrevista:

Qual é a sua avaliação sobre o programa Nova Indústria Brasil?

É um programa importante, porque coloca a indústria de transformação como um pilar do desenvolvimento econômico. Esse é um setor que, por muito tempo, ficou de lado e o Brasil pagou o preço por isso, com uma condição de baixo crescimento. Estivemos na armadilha da renda média e não conseguimos fazer o salto para o rol de países de renda alta. Tivemos uma desindustrialização muito forte exatamente por não ter a visão sistêmica e articulada de planejamento quanto ao papel do setor industrial. O programa está na fase de desenho das metas, às quais estamos aguardando. Mais importante que as metas será o acompanhamento desse plano ao longo dos anos.

O programa é suficiente para ampliar a produtividade, historicamente um dos grandes desafios da economia brasileira?

O plano é uma condição necessária, porém não suficiente. Há um ambiente macroeconômico absurdamente desajustado, sobretudo na questão tributária e de juros para a indústria. A indústria tem que pagar a maior carga tributária da economia quando comparado com os outros setores. Isso ficou muito claro agora com a reforma tributária: diversos setores tiveram isenções e tratamentos diferenciais bastante generosos e a indústria não teve isso. Não à toa esses setores têm maior dinamismo, porque esse incentivo os ajuda a ter ganho de produtividade e crescimento. Quando a indústria tem que pagar essa meia-entrada alheia, temos um ambiente bastante adverso. Isso não acontece somente pela questão tributária. A reforma tributária tem um grande ponto forte que é a transparência. Agora, a sociedade vai saber quem paga muito, quem paga pouco e quem nada paga. Isso será muito bom para o desenho das políticas públicas.

O Banco Central já começou a desacelerar o ritmo de corte de juros e muitos economistas já esperam a manutenção da Selic acima dos 10% por algum tempo. Como isso afeta a indústria?

A indústria não tem um Plano Safra, uma LCI (Letra de Crédito Imobiliário), uma LCA (Letra de Crédito de Agronegócio), uma debênture de infraestrutura, uma debênture incentivada. Não tem nenhuma ferramenta de arrefecimento dos juros altos estruturais que têm permanecido no Brasil há muito tempo. A tônica da vez é a isonomia. Por que não podemos todos pagar a mesma carga tributária, o mesmo custo do crédito? Se não for assim, e a indústria sempre tiver que subsidiar indiretamente outros setores, você começa a fomentar uma série de distorções na economia. Isso tira muita eficiência do sistema econômico. Por exemplo, nosso estoque de capital é bastante obsoleto. São máquinas operando com 14, 15 anos. Quase 40% das máquinas em uso no Brasil já passaram do tempo de recomendação de uso pelo fabricante. Dado que o custo é muito alto, não ocorre essa renovação. Isso impacta na produtividade do trabalhador. Vemos uma defasagem brutal de tecnologia devido à dificuldade de acesso ao capital. Com isso, a produtividade também não aumenta. Essas questões precisam ser endereçadas na política pública - digo até na política estrutural macroeconômica - para reduzir as diferenças entre os segmentos, entre diferentes rendas, entre diferentes regiões do país, que geram uma enorme perda de eficiência no sistema econômico.

Quais outros desafios emergem de maneira mais contundente para a indústria?

Outra questão que precisa ser endereçada é a da infraestrutura, que ainda é muito deficitária, o que tira competitividade para inserção em novos mercados. Os investimentos caíram de maneira muito forte desde 2015. Parece que estão retomando agora. O investimento público precisa caminhar de maneira conjunta com o privado e a infraestrutura é um exemplo bastante claro disso. Tem também a questão das tarifas de importação - seria importante trabalharmos em um modelo de escalada tributária, ou seja, associar as tarifas à agregação de valor. O que se tem hoje na economia brasileira é um desincentivo à agregação de valor, porque, se quiser agregar valor, você paga mais juros, tem disponibilidade relativa de crédito menor, paga mais imposto e mais tarifa de importação. Então, é preciso ter uma estrutura de incentivos adequada para a agregação de valor.

Como esse cenário explica a desindustrialização que o Brasil tem enfrentado?

Muitos dos setores que o Brasil tem hoje e podem ser aproveitados foram constituídos de políticas públicas bem desenhadas e que geram oportunidades para o setor industrial. A desindustrialização do Brasil foi prematura. À medida que os países vão crescendo e se tornando países de renda média, é natural que a indústria perca a participação e passe a ter um movimento muito mais simbiótico com setor de serviço. Assim, o setor industrial de alta tecnologia começa a andar junto com os serviços sofisticados. No Brasil, houve uma regressão tecnológica muito forte, porque a desindustrialização veio antes dessa transição para a renda alta. Isso fez com que a gente perdesse setores de média e alta tecnologia, não desenhássemos esse movimento simbiótico e sinergético com o setor de serviços. Além disso, teve impacto em renda, emprego e crescimento sustentável. Isso é muito ruim para o País.

O que o Brasil pode explorar para se diferenciar de outros mercados como a China? A adoção de políticas industriais pode ser um caminho?

A política industrial é uma política pública, não necessariamente uma política para manufatura. A política industrial é qualquer tipo de política pública que visa transformar uma dada estrutura produtiva. Houve políticas industriais no setor de energia renovável, no agronegócio, na constituição da Embraer, da Petrobras. Até a política da saúde tem uma conotação de política industrial, porque traciona diversos segmentos conectados à saúde que são setores de média e alta tecnologia. Temos vantagens também no desenvolvimento de combustíveis, nos combustíveis de aviação sustentáveis, nos novos combustíveis, no hidrogênio verde. Temos também o potencial do desenvolvimento da energia eólica offshore. Todas essas oportunidades foram fomentadas graças a políticas bem desenhadas para esses segmentos.

Por que essas políticas industriais são particularmente importantes para a manufatura?

A política industrial é associada à manufatura por duas questões: primeiro porque vem da tradução do termo em inglês, industrial policy. Mas também porque é um setor que tem maior oportunidade para geração de emprego e renda. Essa nova recuperação das políticas industriais no mundo vem depois de elas terem sido solapadas por um tempo. Chegou-se a cogitar outras formas de desenvolvimento das nações. Mas a realidade bateu à porta.

Como a indústria pode aproveitar o processo de transição energética e o potencial brasileiro, sobretudo no hidrogênio verde, para ganhar competitividade?

Por ter uma matriz energética bastante limpa, o Brasil acaba sendo uma potência expressiva para atração do chamado powershoring. Obviamente, temos o potencial do nearshoring, por sermos uma nação amiga e com comércio com diversas nações. Mas também temos essa vantagem do powershoring que não é desprezível. Quando se fala no powershoring, nessa transição sustentável, isso acabou virando uma espécie de novo grau de investimento. E o Brasil tem um papel muito singular nisso. Poucos países apresentam essa biodiversidade e matriz energética extremamente limpa, ao mesmo tempo que têm capacidade de articulação comercial com diversas nações.

Tendo em vista essas transformações, como o governo e o setor privado podem colaborar para oferecer formação e treinamento adequados aos trabalhadores?

Temos feito um trabalho muito positivo na Fiesp, que faz a gestão do Sesi e do Senai. As escolas do Sesi de São Paulo já superaram o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) do Chile. É muito difícil ver outro setor da economia atuando, como a indústria, de maneira tão bem articulada e tão incisiva para a melhora da educação do Brasil. O Sesi de SP é um sistema eficiente para o incremento da produtividade, dos skills e da educação do trabalhador. A mesma coisa é feita com o Senai, que tem uma atuação bastante expressiva em novas tecnologias, mas também no ensino profissional. Essa tem sido uma marca da gestão do presidente Josué Gomes.

Com a neoindustrialização e a crescente preocupação com a sustentabilidade em um nível global, como o Brasil pode lidar com os “desempregados climáticos” – trabalhadores cujo emprego é afetado pela transição para uma economia verde?

Isso não se conecta não só com a questão verde, mas também com a inteligência artificial. Novas profissões estão sendo criadas, novos cursos. Algumas coisas deixarão de existir e outras serão criadas. É um novo ciclo, uma nova revolução industrial. Estamos nos deparando com o novo, no qual a sustentabilidade está no cerne e a IA também. A indústria tem feito esse treinamento, esse intercâmbio com o que o mundo lá fora tem feito. Não vejo como um desemprego verde. Vejo novas profissões, novas oportunidades que estão sendo criadas. Sou bastante otimista.

Na corrida global por um modelo de desenvolvimento mais sustentável, o Brasil aparece em posição singular para atrair investimentos, afirma o economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Igor Rocha. “Poucos países apresentam essa biodiversidade e matriz energética extremamente limpa, ao mesmo tempo que têm capacidade de articulação comercial com diversas nações”, destaca, em entrevista ao Estadão.

No entanto, para capitalizar integralmente das novas potencialidades, o País deve enfrentar desafios antigos. Em particular, Rocha cita a infraestrutura deficitária e os juros estruturalmente elevados. Também critica o sistema tributário brasileiro, que onera a indústria de maneira desproporcional e faz o setor indiretamente “subsidiar” outros segmentos, na visão dele. “Isso tira muita eficiência do sistema econômico”, argumenta.

O economista vê méritos no programa Nova Indústria Brasil, que prevê R$ 300 bilhões em subsídios e financiamento até 2026. Mas avalia que o pacote é insuficiente para lidar com as distorções vigentes. Para ele, o governo deve avançar em políticas industriais que fomentem as áreas com maiores oportunidades, entre elas a produção de hidrogênio verde e energia eólica offshore.

Confira os principais trechos da entrevista:

Qual é a sua avaliação sobre o programa Nova Indústria Brasil?

É um programa importante, porque coloca a indústria de transformação como um pilar do desenvolvimento econômico. Esse é um setor que, por muito tempo, ficou de lado e o Brasil pagou o preço por isso, com uma condição de baixo crescimento. Estivemos na armadilha da renda média e não conseguimos fazer o salto para o rol de países de renda alta. Tivemos uma desindustrialização muito forte exatamente por não ter a visão sistêmica e articulada de planejamento quanto ao papel do setor industrial. O programa está na fase de desenho das metas, às quais estamos aguardando. Mais importante que as metas será o acompanhamento desse plano ao longo dos anos.

O programa é suficiente para ampliar a produtividade, historicamente um dos grandes desafios da economia brasileira?

O plano é uma condição necessária, porém não suficiente. Há um ambiente macroeconômico absurdamente desajustado, sobretudo na questão tributária e de juros para a indústria. A indústria tem que pagar a maior carga tributária da economia quando comparado com os outros setores. Isso ficou muito claro agora com a reforma tributária: diversos setores tiveram isenções e tratamentos diferenciais bastante generosos e a indústria não teve isso. Não à toa esses setores têm maior dinamismo, porque esse incentivo os ajuda a ter ganho de produtividade e crescimento. Quando a indústria tem que pagar essa meia-entrada alheia, temos um ambiente bastante adverso. Isso não acontece somente pela questão tributária. A reforma tributária tem um grande ponto forte que é a transparência. Agora, a sociedade vai saber quem paga muito, quem paga pouco e quem nada paga. Isso será muito bom para o desenho das políticas públicas.

O Banco Central já começou a desacelerar o ritmo de corte de juros e muitos economistas já esperam a manutenção da Selic acima dos 10% por algum tempo. Como isso afeta a indústria?

A indústria não tem um Plano Safra, uma LCI (Letra de Crédito Imobiliário), uma LCA (Letra de Crédito de Agronegócio), uma debênture de infraestrutura, uma debênture incentivada. Não tem nenhuma ferramenta de arrefecimento dos juros altos estruturais que têm permanecido no Brasil há muito tempo. A tônica da vez é a isonomia. Por que não podemos todos pagar a mesma carga tributária, o mesmo custo do crédito? Se não for assim, e a indústria sempre tiver que subsidiar indiretamente outros setores, você começa a fomentar uma série de distorções na economia. Isso tira muita eficiência do sistema econômico. Por exemplo, nosso estoque de capital é bastante obsoleto. São máquinas operando com 14, 15 anos. Quase 40% das máquinas em uso no Brasil já passaram do tempo de recomendação de uso pelo fabricante. Dado que o custo é muito alto, não ocorre essa renovação. Isso impacta na produtividade do trabalhador. Vemos uma defasagem brutal de tecnologia devido à dificuldade de acesso ao capital. Com isso, a produtividade também não aumenta. Essas questões precisam ser endereçadas na política pública - digo até na política estrutural macroeconômica - para reduzir as diferenças entre os segmentos, entre diferentes rendas, entre diferentes regiões do país, que geram uma enorme perda de eficiência no sistema econômico.

Quais outros desafios emergem de maneira mais contundente para a indústria?

Outra questão que precisa ser endereçada é a da infraestrutura, que ainda é muito deficitária, o que tira competitividade para inserção em novos mercados. Os investimentos caíram de maneira muito forte desde 2015. Parece que estão retomando agora. O investimento público precisa caminhar de maneira conjunta com o privado e a infraestrutura é um exemplo bastante claro disso. Tem também a questão das tarifas de importação - seria importante trabalharmos em um modelo de escalada tributária, ou seja, associar as tarifas à agregação de valor. O que se tem hoje na economia brasileira é um desincentivo à agregação de valor, porque, se quiser agregar valor, você paga mais juros, tem disponibilidade relativa de crédito menor, paga mais imposto e mais tarifa de importação. Então, é preciso ter uma estrutura de incentivos adequada para a agregação de valor.

Como esse cenário explica a desindustrialização que o Brasil tem enfrentado?

Muitos dos setores que o Brasil tem hoje e podem ser aproveitados foram constituídos de políticas públicas bem desenhadas e que geram oportunidades para o setor industrial. A desindustrialização do Brasil foi prematura. À medida que os países vão crescendo e se tornando países de renda média, é natural que a indústria perca a participação e passe a ter um movimento muito mais simbiótico com setor de serviço. Assim, o setor industrial de alta tecnologia começa a andar junto com os serviços sofisticados. No Brasil, houve uma regressão tecnológica muito forte, porque a desindustrialização veio antes dessa transição para a renda alta. Isso fez com que a gente perdesse setores de média e alta tecnologia, não desenhássemos esse movimento simbiótico e sinergético com o setor de serviços. Além disso, teve impacto em renda, emprego e crescimento sustentável. Isso é muito ruim para o País.

O que o Brasil pode explorar para se diferenciar de outros mercados como a China? A adoção de políticas industriais pode ser um caminho?

A política industrial é uma política pública, não necessariamente uma política para manufatura. A política industrial é qualquer tipo de política pública que visa transformar uma dada estrutura produtiva. Houve políticas industriais no setor de energia renovável, no agronegócio, na constituição da Embraer, da Petrobras. Até a política da saúde tem uma conotação de política industrial, porque traciona diversos segmentos conectados à saúde que são setores de média e alta tecnologia. Temos vantagens também no desenvolvimento de combustíveis, nos combustíveis de aviação sustentáveis, nos novos combustíveis, no hidrogênio verde. Temos também o potencial do desenvolvimento da energia eólica offshore. Todas essas oportunidades foram fomentadas graças a políticas bem desenhadas para esses segmentos.

Por que essas políticas industriais são particularmente importantes para a manufatura?

A política industrial é associada à manufatura por duas questões: primeiro porque vem da tradução do termo em inglês, industrial policy. Mas também porque é um setor que tem maior oportunidade para geração de emprego e renda. Essa nova recuperação das políticas industriais no mundo vem depois de elas terem sido solapadas por um tempo. Chegou-se a cogitar outras formas de desenvolvimento das nações. Mas a realidade bateu à porta.

Como a indústria pode aproveitar o processo de transição energética e o potencial brasileiro, sobretudo no hidrogênio verde, para ganhar competitividade?

Por ter uma matriz energética bastante limpa, o Brasil acaba sendo uma potência expressiva para atração do chamado powershoring. Obviamente, temos o potencial do nearshoring, por sermos uma nação amiga e com comércio com diversas nações. Mas também temos essa vantagem do powershoring que não é desprezível. Quando se fala no powershoring, nessa transição sustentável, isso acabou virando uma espécie de novo grau de investimento. E o Brasil tem um papel muito singular nisso. Poucos países apresentam essa biodiversidade e matriz energética extremamente limpa, ao mesmo tempo que têm capacidade de articulação comercial com diversas nações.

Tendo em vista essas transformações, como o governo e o setor privado podem colaborar para oferecer formação e treinamento adequados aos trabalhadores?

Temos feito um trabalho muito positivo na Fiesp, que faz a gestão do Sesi e do Senai. As escolas do Sesi de São Paulo já superaram o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) do Chile. É muito difícil ver outro setor da economia atuando, como a indústria, de maneira tão bem articulada e tão incisiva para a melhora da educação do Brasil. O Sesi de SP é um sistema eficiente para o incremento da produtividade, dos skills e da educação do trabalhador. A mesma coisa é feita com o Senai, que tem uma atuação bastante expressiva em novas tecnologias, mas também no ensino profissional. Essa tem sido uma marca da gestão do presidente Josué Gomes.

Com a neoindustrialização e a crescente preocupação com a sustentabilidade em um nível global, como o Brasil pode lidar com os “desempregados climáticos” – trabalhadores cujo emprego é afetado pela transição para uma economia verde?

Isso não se conecta não só com a questão verde, mas também com a inteligência artificial. Novas profissões estão sendo criadas, novos cursos. Algumas coisas deixarão de existir e outras serão criadas. É um novo ciclo, uma nova revolução industrial. Estamos nos deparando com o novo, no qual a sustentabilidade está no cerne e a IA também. A indústria tem feito esse treinamento, esse intercâmbio com o que o mundo lá fora tem feito. Não vejo como um desemprego verde. Vejo novas profissões, novas oportunidades que estão sendo criadas. Sou bastante otimista.

Entrevista por Jayanne Rodrigues

Formada em jornalismo pela Universidade do Estado da Bahia, é repórter de Carreiras. Cobre futuro do trabalho, tendências no mundo corporativo, lideranças e outros assuntos que impactam diretamente a cultura de trabalho no Brasil. No Estadão, também atuou como plantonista da madrugada, cobriu judiciário e tem passagem pela home page do jornal.

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