Brasil deve ter voz ativa no G-20 sobre transição energética, diz CEO da Raízen


Ricardo Mussa diz esperar que o governo brasileiro tenha ‘superprotagonismo’ e que o G-20 avance sobre o mercado de carbono global

Por Beatriz Bulla
Atualização:
Foto: Raízen
Entrevista comRicardo MussaCEO da Raízen

O CEO da Raízen, Ricardo Mussa, já está calejado, como ele mesmo diz, quanto ao envolvimento do setor privado nas discussões paralelas ao G-20. Por isso, sabe que muito do que o empresariado recomenda é difícil de implementar, em razão dos desafios geopolíticos. Desta vez, no entanto, ele está mais otimista. Diz que o Brasil terá voz ativa sobre transição energética, pois tem legitimidade para falar do assunto, e espera um “superprotagonismo” do governo brasileiro.

“Neste tema nós somos exemplo. Estamos adiantados na transição. A nossa matriz hoje, 85% da matriz da época brasileira, é renovável. Todo mundo tem meta de chegar nos 2050 com 50%. A gente já está em 85%. Então, estamos nessa conversa genuinamente mais avançado que os outros países. Aqui temos uma voz ativa maior”, diz, em entrevista ao Estadão. “O Brasil é parte da solução, não do problema”, afirma.

Ainda assim, um dos pontos que ele acredita cruciais para uma transição energética eficiente é politicamente sensível: a criação de um mercado de carbono global. “Hoje, a falta de um mercado de carbono no mundo faz com que as decisões (de investimento) não sejam as mais inteligentes, as mais eficientes. “A transição energética, infelizmente, ela é inflacionária. Então, a gente precisa encontrar o meio inteiro de encontrar quais são os caminhos mais baratos para se chegar à transição energética”, afirma.

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Mussa foi líder, no B-20, o braço empresarial do G-20, da força-tarefa que discute transição energética, considerado o grande tema do encontro de chefes de Estado deste ano, que ocorrerá no Rio de Janeiro, e um dos pilares estabelecidos pelo governo brasileiro.

“O Brasil não está atrás. O grande tema do Brasil na discussão de segurança climática é que o Brasil tem de melhorar no combate ao desmatamento. Nas demais, eu sinto que precisamos atrair mais investimento no Brasil na parte de inovação. Como é que você faz isso? Com um marco regulatório e na discussão do mercado de carbono”, afirma.

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O documento da força-tarefa do B-20 sobre transição energética foi elaborado em parceria com a consultoria McKinsey. “Um dos temas-chave é como acelerar o crescimento de negócios verdes já comercialmente disponíveis, a exemplo de biocombustíveis, painéis solares, metálicos verdes, entre outros. Mas não existe ‘bala de prata’, diferentes contextos exigirão diferentes abordagens para navegar a transição energética, sendo necessária a escalada de um portfólio de soluções (versus uma única solução) para que diferentes regiões possam cumprir e/ou acelerar seus compromissos de maneira economicamente eficiente e justa”, afirma Nelson Ferreira, sócio sênior da McKinsey em São Paulo.

O Estadão publica, desde segunda-feira, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente das oito forças-tarefa do B-20. Eles abordam a situação do Brasil ante os demais países, em cada uma das áreas analisadas, e como enfrentar os principais desafios econômicos contemporâneos. Também falam de como tem sido a recepção do governo Lula às propostas encaminhadas pelo setor privado.

Leia abaixo a entrevista:

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O sr. já participou do B-20 antes. O que muda com o Brasil como anfitrião?

Toda vez que o país é sede, escolhe os líderes de cada uma das temáticas. Quando foi na Indonésia, dois anos atrás, depois na Índia, um ano passado, eu participei como co-chair do Comitê de Transição Energética. Essa é a terceira vez que eu estou participando. A vantagem de ser chair é que, primeiro, você escolhe quem são os co-chairs e você tem a caneta, consegue conduzir melhor o processo. E a principal mudança que fizemos foi reduzir muito o número de recomendações (aos governos). Chegamos a ter mais de 50 recomendações nos últimos, e agora fomos para três, apenas. É justamente para conseguir ter algo que é mais impactante, que você consiga falar de forma mais simples e influenciar mais.

A segunda coisa que fizemos (diferente) foi antecipar a divulgação das recomendações, com quase dois meses antes das edições anteriores, para ter mais tempo de conversa com os representantes do G-20 para articular, para realmente fazer a diferença. Porque o que eu senti nas últimas edições é que tínhamos pouco tempo para poder influenciar, porque a função do B-20 é influenciar o G-20.

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B-20 se concentrou em combustíveis renováveis Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Temos uma vantagem nesse G-20, neste tema aqui. Quando eu falo, todo mundo ouve, porque o Brasil está na liderança. Estamos adiantados na transição. A nossa matriz hoje, 85% da matriz da época brasileira, é renovável. Todo mundo tem meta de chegar em 2050 com 50%. A gente já tá em 85%. Então a gente tá nessa conversa e genuinamente a gente é mais avançado que os outros países nesse tema.

Aqui gente consegue ter uma voz ativa maior. Estou mais com a expectativa mais alta do que nos últimos (B-20 e G-20).

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Nesse B-20, demos um destaque maior para o biocombustível do que nos anteriores, porque vemos que ele pode contribuir mais rapidamente do que outras ações de inovação de mais longo prazo.

Como avançar na questão da mudança climática com países tão diferentes política, cultural, economicamente?

O exemplo que eu mais uso dos problemas que o mundo enfrenta é o problema da fome. Se um país tomar uma decisão de fortalecer a segurança alimentar dele e proibir exportação, ele consegue resolver o problema dele e não resolver o problema mundial. O problema do covid era um problema mundial, não era? Mas, naquela época, você poderia ter uma ação de fechar o seu país, criar uma vacina para o seu país, proibir a entrada de gente, proibir a saída de gente e resolver o seu problema sem resolver o problema mundial. A questão da direção energética e mudanças climáticas é muito complexa. O exemplo muito bacana é a Noruega, que está eletrificando super rápido a frota dela. Se a Noruega fizer todo o trabalho e tiver zero emissões, o que isso vai ajudar no mundo? Ajuda, mas a Noruega vai continuar sendo afetada pelas mudanças climáticas.

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Isso é um lado ruim da história, mas um lado bom, porque você realmente tem que trazer as pessoas para falar do problema de forma global. E é muito difícil, num grupo com países tão diferentes, falar de uma solução global. O meu aprendizado, durante o processo, é que a geopolítica influencia. Então, por mais que o Brasil tenha uma solução, não serve para outro país. O exercício é buscar um meio termo que consiga ser palatável para todos.

Tem uma série de discussões. Por exemplo, tem país que não reconhece os dados da IEA, da Agência Internacional de Energia. Eu não vou falar que ele tem que dizer ‘eu acredito na IEA’. Eu falei, ‘então, em que acredita? Se você não acredita na Agência Internacional da Energia, em que que você acredita?’. Se ele mostrar um dado que é melhor do que a IEA, a gente coloca um indicador. Como ele não trouxe, eu falei, ‘legal, você não me trouxe nada, você só falou mal do indicador, vai ser o da IEA’.

Quais as metas colocadas?

O B-20 foi muito baseado na ciência e em dados. A primeira meta: a gente tem de triplicar a produção de energia renovável, seja qual for, porque cada país tem uma lógica. Tem país que usa mais eletrificação, outro país é biocombustível, assim por diante.

A segunda meta, que afeta todo mundo, é como melhorar a eficiência para consumir menos energia.

E o terceiro, e talvez um dos índices mais polêmicos ali, é a questão do que a gente chama de nature based solutions, isso vai afetar muito o Brasil. Se encontrarmos um mecanismo de remuneração da floresta em pé, por exemplo, vamos conseguir reduzir o desmatamento legal.

Quem estava lá, no B-20, não estava pensando na sua empresa. Então, eu não estava lá representando a Raízen. Eu estava lá como líder. É muito prazeroso. Eu não estava ganhando um real para estar lá. Aí você tinha, por exemplo, pessoas da Índia, que falavam pra mim: ‘Mussa, eu tenho de queimar lixo para gerar energia para cozinhar. Então não adianta botar uma métrica aqui na Índia, assim, não vai resolver’.

O sr. cita que o mercado de carbono é crucial para uma transição mais rápida.

Eu tenho um projeto de mistura de biocombustível. Então, hoje, o que acontece? A Europa lançou um programa para misturar com o biocombustível verde, que é o SAF, Sustainable Aviation Fuel, um mandato de mistura de 5% de SAF nas aeronaves da Europa. Então, o que acontece hoje? Para ele atingir esse objetivo, vai até o porto de Santos, emitindo o CO₂. Põe num navio, aí ele vai até os Estados Unidos. Vai numa planta de SAF, é convertido o etanol pra SAF e depois vai pra Europa. Como você não tem um mercado de carbono que permita a compensação entre países, a decisão geralmente não é a mais eficiente.

O mercado de carbono é uma forma muito inteligente de acelerar o combate às mudanças climáticas. Um exemplo aqui no Brasil: na gasolina se mistura a 27% de etanol. Então hoje eu tenho de levar o nosso etanol lá pro Acre para fazer a mistura no combustível do Acre. Será que não é melhor, ao invés de ter 27% em São Paulo, que é próxima do setor produtor, ter 30% em São Paulo e zero no Acre? Você não atingiria o mesmo efeito?

A falta de um mercado de carbono no mundo faz com que as decisões não sejam as mais inteligentes, as mais eficientes.

Ricardo Mussa, presidente da Raízen, diz que Brasil será parte da solução pra questão climática, e não do problema  Foto: Raízen

O Brasil está fazendo o suficiente para acompanhar essa mudança e liderar, de fato, como um player global na transição energética? Ou apesar de sairmos na frente podemos ficar para trás?

Quando você pensa em geração, a primeira recomendação do grupo é aumentar a produção de renováveis. Nisso já estamos na liderança. Tem condições que são circunstâncias que o Brasil vive de clima, então temos uma energia solar muito barata, eólica muito barata, temos muita hidrelétrica.

Por ser um país que tem outras prioridades, ainda temos de atrair mais investimento. Mas eu estou vendo um grande trabalho, um grande esforço do BNDES, para ser bem honesto, nesse sentido. O BNDES realmente melhorou muito com o Fundo Clima, com o Fundo Inovação. Faço um elogio claro aqui ao BNDES.

O Brasil não está atrás. O grande tema do Brasil na discussão de segurança climática é melhorar no combate ao desmatamento, temos muito desmatamento ilegal. Temos feito evolução nesse sentido, mas ainda não estamos lá. Então, nas nossas metas, a única que ainda temos que melhorar é na redução de emissão por desmatamento. Nas demais, precisamos atrair mais investimento no Brasil na parte de inovação. Como é que você faz isso? Com um marco regulatório e na discussão do mercado de carbono.

Há quem defende que é preciso se concentrar mais em fim do uso de combustíveis fósseis e menos na compensação. Há empresários, inclusive, que dizem que o Brasil tinha de ser um pouco mais ambicioso, mais claro em sinalizar o fim do uso e da exploração dos combustíveis fósseis e abrir mão de explorar petróleo na Margem Equatorial. Qual sua posição?

Eu discordo. A exploração do pré-sal brasileiro tem uma vantagem. Primeiro que não dá pra se imaginar hoje uma transição energética sem o petróleo. Você não consegue sair do combustível fóssil de um dia pro outro. O pré-sal tem uma intensidade de carbono menor do que outros. Então, a exploração do petróleo no Brasil tem um papel importante também, porque é um petróleo com um carbono associado menor. Temos de tomar um cuidado para ser práticos também. Se pararmos com o combustível fóssil no mundo, haverá um problema grave de falta de energia e de guerra e de sobrevivência das pessoas. Então, dito isso, qual é o papel do Brasil? O Brasil também ajuda com a exploração de um petróleo de baixo carbono. Talvez tenha de fechar a reserva de combustível fóssil que emite mais. Até isso tem de ser levado em conta na discussão de transição energética.

O petróleo ajudou o mundo a evoluir, porque ele é um combustível com alta densidade energética e acessível. A gente precisa encontrar fontes de substituição. Eu não acho que o Brasil perde a liderança na discussão por ter exploração do pré-sal de jeito nenhum, porque, de novo, tem bons predicados para isso. Eu acho que aqui a gente tem que saber que o Brasil vai ser um grande exportador de energia. Ele exporta hoje o petróleo, já exporta muita energia renovável através do etanol, o etanol de segunda geração, mas tem muito mais que pode ser feito.

O Brasil vai ajudar mais do que atrapalhar, a gente vai entrar aqui como solução, não como problema. Seja para a nossa agricultura mais eficiente, para produzir biomassa, para a nossa capacidade de produção de energia solar e eólica, nossa capacidade de produção de petróleo de baixo carbono. Somos parte da solução, não vamos nos colocar como parte do problema. A gente sabe que a gente tem coisa para melhorar, mas nessa discussão a gente é mais solução do que problema.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião com a liderança do B-20 Brasil, no Palácio do Planalto Foto: Ricardo Stuckert/PR

E como tem sido a receptividade tanto do governo brasileiro quanto dos demais governos?

Nessa discussão, o governo brasileiro acho que está num bom momento, ele está escutando. Eu sinto uma receptividade muito grande do tema, até porque estamos na liderança. Então, eu não tive dificuldade de ser escutado no governo brasileiro.

Nos demais governos, aí a geopolítica entra em jogo. Mas a mudança climática está mais presente do que estava há um ano, dois anos atrás. Então, há dois, três anos atrás ainda havia gente negando a mudança climática.

Os países vão ter de agir com mais veemência. Infelizmente, a transição energética é inflacionária. O petróleo é muito barato. Então precisa encontrar quais são os caminhos mais baratos para se chegar à transição energética. Mas ela se impõe através de governos tendo que fazer medidas um pouco mais duras. ‘Olha, vou ter que fazer um mandato aqui na Europa para mistura, vou ter que fazer um mandato de redução’. Isso acaba, de certa forma, sendo um pouco mais impositivo.

Precisamos do meio termo correto. E não podemos nos enganar. Não tem uma solução única para o mundo. Cada país tem uma solução.

Eu nunca fui tão procurado, viu? É impressionante como muita gente procura, quer discutir, quer falar. Todo mundo quer fazer o certo.

Considerando todas essas dificuldades, o que você espera de concreto desse G-20 brasileiro?

Eu espero um superprotagonismo no governo brasileiro nessa matéria da transição energética. Acho que tem muita coisa conspirando ao favor, infelizmente, porque os países estão vendo na prática, na pele, e vai fazer com que todo mundo ali esteja mais sensível ao tema.

Se a gente conseguir sair do G20 com uma semente do mercado de carbono seria a grande vitória. Então, eu estou preparado para o pior, mas eu estou sonhando aqui com uma super discussão do mercado de carbono evoluir ali. Mas eu sou realista.

O CEO da Raízen, Ricardo Mussa, já está calejado, como ele mesmo diz, quanto ao envolvimento do setor privado nas discussões paralelas ao G-20. Por isso, sabe que muito do que o empresariado recomenda é difícil de implementar, em razão dos desafios geopolíticos. Desta vez, no entanto, ele está mais otimista. Diz que o Brasil terá voz ativa sobre transição energética, pois tem legitimidade para falar do assunto, e espera um “superprotagonismo” do governo brasileiro.

“Neste tema nós somos exemplo. Estamos adiantados na transição. A nossa matriz hoje, 85% da matriz da época brasileira, é renovável. Todo mundo tem meta de chegar nos 2050 com 50%. A gente já está em 85%. Então, estamos nessa conversa genuinamente mais avançado que os outros países. Aqui temos uma voz ativa maior”, diz, em entrevista ao Estadão. “O Brasil é parte da solução, não do problema”, afirma.

Ainda assim, um dos pontos que ele acredita cruciais para uma transição energética eficiente é politicamente sensível: a criação de um mercado de carbono global. “Hoje, a falta de um mercado de carbono no mundo faz com que as decisões (de investimento) não sejam as mais inteligentes, as mais eficientes. “A transição energética, infelizmente, ela é inflacionária. Então, a gente precisa encontrar o meio inteiro de encontrar quais são os caminhos mais baratos para se chegar à transição energética”, afirma.

Mussa foi líder, no B-20, o braço empresarial do G-20, da força-tarefa que discute transição energética, considerado o grande tema do encontro de chefes de Estado deste ano, que ocorrerá no Rio de Janeiro, e um dos pilares estabelecidos pelo governo brasileiro.

“O Brasil não está atrás. O grande tema do Brasil na discussão de segurança climática é que o Brasil tem de melhorar no combate ao desmatamento. Nas demais, eu sinto que precisamos atrair mais investimento no Brasil na parte de inovação. Como é que você faz isso? Com um marco regulatório e na discussão do mercado de carbono”, afirma.

O documento da força-tarefa do B-20 sobre transição energética foi elaborado em parceria com a consultoria McKinsey. “Um dos temas-chave é como acelerar o crescimento de negócios verdes já comercialmente disponíveis, a exemplo de biocombustíveis, painéis solares, metálicos verdes, entre outros. Mas não existe ‘bala de prata’, diferentes contextos exigirão diferentes abordagens para navegar a transição energética, sendo necessária a escalada de um portfólio de soluções (versus uma única solução) para que diferentes regiões possam cumprir e/ou acelerar seus compromissos de maneira economicamente eficiente e justa”, afirma Nelson Ferreira, sócio sênior da McKinsey em São Paulo.

O Estadão publica, desde segunda-feira, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente das oito forças-tarefa do B-20. Eles abordam a situação do Brasil ante os demais países, em cada uma das áreas analisadas, e como enfrentar os principais desafios econômicos contemporâneos. Também falam de como tem sido a recepção do governo Lula às propostas encaminhadas pelo setor privado.

Leia abaixo a entrevista:

O sr. já participou do B-20 antes. O que muda com o Brasil como anfitrião?

Toda vez que o país é sede, escolhe os líderes de cada uma das temáticas. Quando foi na Indonésia, dois anos atrás, depois na Índia, um ano passado, eu participei como co-chair do Comitê de Transição Energética. Essa é a terceira vez que eu estou participando. A vantagem de ser chair é que, primeiro, você escolhe quem são os co-chairs e você tem a caneta, consegue conduzir melhor o processo. E a principal mudança que fizemos foi reduzir muito o número de recomendações (aos governos). Chegamos a ter mais de 50 recomendações nos últimos, e agora fomos para três, apenas. É justamente para conseguir ter algo que é mais impactante, que você consiga falar de forma mais simples e influenciar mais.

A segunda coisa que fizemos (diferente) foi antecipar a divulgação das recomendações, com quase dois meses antes das edições anteriores, para ter mais tempo de conversa com os representantes do G-20 para articular, para realmente fazer a diferença. Porque o que eu senti nas últimas edições é que tínhamos pouco tempo para poder influenciar, porque a função do B-20 é influenciar o G-20.

B-20 se concentrou em combustíveis renováveis Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Temos uma vantagem nesse G-20, neste tema aqui. Quando eu falo, todo mundo ouve, porque o Brasil está na liderança. Estamos adiantados na transição. A nossa matriz hoje, 85% da matriz da época brasileira, é renovável. Todo mundo tem meta de chegar em 2050 com 50%. A gente já tá em 85%. Então a gente tá nessa conversa e genuinamente a gente é mais avançado que os outros países nesse tema.

Aqui gente consegue ter uma voz ativa maior. Estou mais com a expectativa mais alta do que nos últimos (B-20 e G-20).

Nesse B-20, demos um destaque maior para o biocombustível do que nos anteriores, porque vemos que ele pode contribuir mais rapidamente do que outras ações de inovação de mais longo prazo.

Como avançar na questão da mudança climática com países tão diferentes política, cultural, economicamente?

O exemplo que eu mais uso dos problemas que o mundo enfrenta é o problema da fome. Se um país tomar uma decisão de fortalecer a segurança alimentar dele e proibir exportação, ele consegue resolver o problema dele e não resolver o problema mundial. O problema do covid era um problema mundial, não era? Mas, naquela época, você poderia ter uma ação de fechar o seu país, criar uma vacina para o seu país, proibir a entrada de gente, proibir a saída de gente e resolver o seu problema sem resolver o problema mundial. A questão da direção energética e mudanças climáticas é muito complexa. O exemplo muito bacana é a Noruega, que está eletrificando super rápido a frota dela. Se a Noruega fizer todo o trabalho e tiver zero emissões, o que isso vai ajudar no mundo? Ajuda, mas a Noruega vai continuar sendo afetada pelas mudanças climáticas.

Isso é um lado ruim da história, mas um lado bom, porque você realmente tem que trazer as pessoas para falar do problema de forma global. E é muito difícil, num grupo com países tão diferentes, falar de uma solução global. O meu aprendizado, durante o processo, é que a geopolítica influencia. Então, por mais que o Brasil tenha uma solução, não serve para outro país. O exercício é buscar um meio termo que consiga ser palatável para todos.

Tem uma série de discussões. Por exemplo, tem país que não reconhece os dados da IEA, da Agência Internacional de Energia. Eu não vou falar que ele tem que dizer ‘eu acredito na IEA’. Eu falei, ‘então, em que acredita? Se você não acredita na Agência Internacional da Energia, em que que você acredita?’. Se ele mostrar um dado que é melhor do que a IEA, a gente coloca um indicador. Como ele não trouxe, eu falei, ‘legal, você não me trouxe nada, você só falou mal do indicador, vai ser o da IEA’.

Quais as metas colocadas?

O B-20 foi muito baseado na ciência e em dados. A primeira meta: a gente tem de triplicar a produção de energia renovável, seja qual for, porque cada país tem uma lógica. Tem país que usa mais eletrificação, outro país é biocombustível, assim por diante.

A segunda meta, que afeta todo mundo, é como melhorar a eficiência para consumir menos energia.

E o terceiro, e talvez um dos índices mais polêmicos ali, é a questão do que a gente chama de nature based solutions, isso vai afetar muito o Brasil. Se encontrarmos um mecanismo de remuneração da floresta em pé, por exemplo, vamos conseguir reduzir o desmatamento legal.

Quem estava lá, no B-20, não estava pensando na sua empresa. Então, eu não estava lá representando a Raízen. Eu estava lá como líder. É muito prazeroso. Eu não estava ganhando um real para estar lá. Aí você tinha, por exemplo, pessoas da Índia, que falavam pra mim: ‘Mussa, eu tenho de queimar lixo para gerar energia para cozinhar. Então não adianta botar uma métrica aqui na Índia, assim, não vai resolver’.

O sr. cita que o mercado de carbono é crucial para uma transição mais rápida.

Eu tenho um projeto de mistura de biocombustível. Então, hoje, o que acontece? A Europa lançou um programa para misturar com o biocombustível verde, que é o SAF, Sustainable Aviation Fuel, um mandato de mistura de 5% de SAF nas aeronaves da Europa. Então, o que acontece hoje? Para ele atingir esse objetivo, vai até o porto de Santos, emitindo o CO₂. Põe num navio, aí ele vai até os Estados Unidos. Vai numa planta de SAF, é convertido o etanol pra SAF e depois vai pra Europa. Como você não tem um mercado de carbono que permita a compensação entre países, a decisão geralmente não é a mais eficiente.

O mercado de carbono é uma forma muito inteligente de acelerar o combate às mudanças climáticas. Um exemplo aqui no Brasil: na gasolina se mistura a 27% de etanol. Então hoje eu tenho de levar o nosso etanol lá pro Acre para fazer a mistura no combustível do Acre. Será que não é melhor, ao invés de ter 27% em São Paulo, que é próxima do setor produtor, ter 30% em São Paulo e zero no Acre? Você não atingiria o mesmo efeito?

A falta de um mercado de carbono no mundo faz com que as decisões não sejam as mais inteligentes, as mais eficientes.

Ricardo Mussa, presidente da Raízen, diz que Brasil será parte da solução pra questão climática, e não do problema  Foto: Raízen

O Brasil está fazendo o suficiente para acompanhar essa mudança e liderar, de fato, como um player global na transição energética? Ou apesar de sairmos na frente podemos ficar para trás?

Quando você pensa em geração, a primeira recomendação do grupo é aumentar a produção de renováveis. Nisso já estamos na liderança. Tem condições que são circunstâncias que o Brasil vive de clima, então temos uma energia solar muito barata, eólica muito barata, temos muita hidrelétrica.

Por ser um país que tem outras prioridades, ainda temos de atrair mais investimento. Mas eu estou vendo um grande trabalho, um grande esforço do BNDES, para ser bem honesto, nesse sentido. O BNDES realmente melhorou muito com o Fundo Clima, com o Fundo Inovação. Faço um elogio claro aqui ao BNDES.

O Brasil não está atrás. O grande tema do Brasil na discussão de segurança climática é melhorar no combate ao desmatamento, temos muito desmatamento ilegal. Temos feito evolução nesse sentido, mas ainda não estamos lá. Então, nas nossas metas, a única que ainda temos que melhorar é na redução de emissão por desmatamento. Nas demais, precisamos atrair mais investimento no Brasil na parte de inovação. Como é que você faz isso? Com um marco regulatório e na discussão do mercado de carbono.

Há quem defende que é preciso se concentrar mais em fim do uso de combustíveis fósseis e menos na compensação. Há empresários, inclusive, que dizem que o Brasil tinha de ser um pouco mais ambicioso, mais claro em sinalizar o fim do uso e da exploração dos combustíveis fósseis e abrir mão de explorar petróleo na Margem Equatorial. Qual sua posição?

Eu discordo. A exploração do pré-sal brasileiro tem uma vantagem. Primeiro que não dá pra se imaginar hoje uma transição energética sem o petróleo. Você não consegue sair do combustível fóssil de um dia pro outro. O pré-sal tem uma intensidade de carbono menor do que outros. Então, a exploração do petróleo no Brasil tem um papel importante também, porque é um petróleo com um carbono associado menor. Temos de tomar um cuidado para ser práticos também. Se pararmos com o combustível fóssil no mundo, haverá um problema grave de falta de energia e de guerra e de sobrevivência das pessoas. Então, dito isso, qual é o papel do Brasil? O Brasil também ajuda com a exploração de um petróleo de baixo carbono. Talvez tenha de fechar a reserva de combustível fóssil que emite mais. Até isso tem de ser levado em conta na discussão de transição energética.

O petróleo ajudou o mundo a evoluir, porque ele é um combustível com alta densidade energética e acessível. A gente precisa encontrar fontes de substituição. Eu não acho que o Brasil perde a liderança na discussão por ter exploração do pré-sal de jeito nenhum, porque, de novo, tem bons predicados para isso. Eu acho que aqui a gente tem que saber que o Brasil vai ser um grande exportador de energia. Ele exporta hoje o petróleo, já exporta muita energia renovável através do etanol, o etanol de segunda geração, mas tem muito mais que pode ser feito.

O Brasil vai ajudar mais do que atrapalhar, a gente vai entrar aqui como solução, não como problema. Seja para a nossa agricultura mais eficiente, para produzir biomassa, para a nossa capacidade de produção de energia solar e eólica, nossa capacidade de produção de petróleo de baixo carbono. Somos parte da solução, não vamos nos colocar como parte do problema. A gente sabe que a gente tem coisa para melhorar, mas nessa discussão a gente é mais solução do que problema.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião com a liderança do B-20 Brasil, no Palácio do Planalto Foto: Ricardo Stuckert/PR

E como tem sido a receptividade tanto do governo brasileiro quanto dos demais governos?

Nessa discussão, o governo brasileiro acho que está num bom momento, ele está escutando. Eu sinto uma receptividade muito grande do tema, até porque estamos na liderança. Então, eu não tive dificuldade de ser escutado no governo brasileiro.

Nos demais governos, aí a geopolítica entra em jogo. Mas a mudança climática está mais presente do que estava há um ano, dois anos atrás. Então, há dois, três anos atrás ainda havia gente negando a mudança climática.

Os países vão ter de agir com mais veemência. Infelizmente, a transição energética é inflacionária. O petróleo é muito barato. Então precisa encontrar quais são os caminhos mais baratos para se chegar à transição energética. Mas ela se impõe através de governos tendo que fazer medidas um pouco mais duras. ‘Olha, vou ter que fazer um mandato aqui na Europa para mistura, vou ter que fazer um mandato de redução’. Isso acaba, de certa forma, sendo um pouco mais impositivo.

Precisamos do meio termo correto. E não podemos nos enganar. Não tem uma solução única para o mundo. Cada país tem uma solução.

Eu nunca fui tão procurado, viu? É impressionante como muita gente procura, quer discutir, quer falar. Todo mundo quer fazer o certo.

Considerando todas essas dificuldades, o que você espera de concreto desse G-20 brasileiro?

Eu espero um superprotagonismo no governo brasileiro nessa matéria da transição energética. Acho que tem muita coisa conspirando ao favor, infelizmente, porque os países estão vendo na prática, na pele, e vai fazer com que todo mundo ali esteja mais sensível ao tema.

Se a gente conseguir sair do G20 com uma semente do mercado de carbono seria a grande vitória. Então, eu estou preparado para o pior, mas eu estou sonhando aqui com uma super discussão do mercado de carbono evoluir ali. Mas eu sou realista.

O CEO da Raízen, Ricardo Mussa, já está calejado, como ele mesmo diz, quanto ao envolvimento do setor privado nas discussões paralelas ao G-20. Por isso, sabe que muito do que o empresariado recomenda é difícil de implementar, em razão dos desafios geopolíticos. Desta vez, no entanto, ele está mais otimista. Diz que o Brasil terá voz ativa sobre transição energética, pois tem legitimidade para falar do assunto, e espera um “superprotagonismo” do governo brasileiro.

“Neste tema nós somos exemplo. Estamos adiantados na transição. A nossa matriz hoje, 85% da matriz da época brasileira, é renovável. Todo mundo tem meta de chegar nos 2050 com 50%. A gente já está em 85%. Então, estamos nessa conversa genuinamente mais avançado que os outros países. Aqui temos uma voz ativa maior”, diz, em entrevista ao Estadão. “O Brasil é parte da solução, não do problema”, afirma.

Ainda assim, um dos pontos que ele acredita cruciais para uma transição energética eficiente é politicamente sensível: a criação de um mercado de carbono global. “Hoje, a falta de um mercado de carbono no mundo faz com que as decisões (de investimento) não sejam as mais inteligentes, as mais eficientes. “A transição energética, infelizmente, ela é inflacionária. Então, a gente precisa encontrar o meio inteiro de encontrar quais são os caminhos mais baratos para se chegar à transição energética”, afirma.

Mussa foi líder, no B-20, o braço empresarial do G-20, da força-tarefa que discute transição energética, considerado o grande tema do encontro de chefes de Estado deste ano, que ocorrerá no Rio de Janeiro, e um dos pilares estabelecidos pelo governo brasileiro.

“O Brasil não está atrás. O grande tema do Brasil na discussão de segurança climática é que o Brasil tem de melhorar no combate ao desmatamento. Nas demais, eu sinto que precisamos atrair mais investimento no Brasil na parte de inovação. Como é que você faz isso? Com um marco regulatório e na discussão do mercado de carbono”, afirma.

O documento da força-tarefa do B-20 sobre transição energética foi elaborado em parceria com a consultoria McKinsey. “Um dos temas-chave é como acelerar o crescimento de negócios verdes já comercialmente disponíveis, a exemplo de biocombustíveis, painéis solares, metálicos verdes, entre outros. Mas não existe ‘bala de prata’, diferentes contextos exigirão diferentes abordagens para navegar a transição energética, sendo necessária a escalada de um portfólio de soluções (versus uma única solução) para que diferentes regiões possam cumprir e/ou acelerar seus compromissos de maneira economicamente eficiente e justa”, afirma Nelson Ferreira, sócio sênior da McKinsey em São Paulo.

O Estadão publica, desde segunda-feira, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente das oito forças-tarefa do B-20. Eles abordam a situação do Brasil ante os demais países, em cada uma das áreas analisadas, e como enfrentar os principais desafios econômicos contemporâneos. Também falam de como tem sido a recepção do governo Lula às propostas encaminhadas pelo setor privado.

Leia abaixo a entrevista:

O sr. já participou do B-20 antes. O que muda com o Brasil como anfitrião?

Toda vez que o país é sede, escolhe os líderes de cada uma das temáticas. Quando foi na Indonésia, dois anos atrás, depois na Índia, um ano passado, eu participei como co-chair do Comitê de Transição Energética. Essa é a terceira vez que eu estou participando. A vantagem de ser chair é que, primeiro, você escolhe quem são os co-chairs e você tem a caneta, consegue conduzir melhor o processo. E a principal mudança que fizemos foi reduzir muito o número de recomendações (aos governos). Chegamos a ter mais de 50 recomendações nos últimos, e agora fomos para três, apenas. É justamente para conseguir ter algo que é mais impactante, que você consiga falar de forma mais simples e influenciar mais.

A segunda coisa que fizemos (diferente) foi antecipar a divulgação das recomendações, com quase dois meses antes das edições anteriores, para ter mais tempo de conversa com os representantes do G-20 para articular, para realmente fazer a diferença. Porque o que eu senti nas últimas edições é que tínhamos pouco tempo para poder influenciar, porque a função do B-20 é influenciar o G-20.

B-20 se concentrou em combustíveis renováveis Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Temos uma vantagem nesse G-20, neste tema aqui. Quando eu falo, todo mundo ouve, porque o Brasil está na liderança. Estamos adiantados na transição. A nossa matriz hoje, 85% da matriz da época brasileira, é renovável. Todo mundo tem meta de chegar em 2050 com 50%. A gente já tá em 85%. Então a gente tá nessa conversa e genuinamente a gente é mais avançado que os outros países nesse tema.

Aqui gente consegue ter uma voz ativa maior. Estou mais com a expectativa mais alta do que nos últimos (B-20 e G-20).

Nesse B-20, demos um destaque maior para o biocombustível do que nos anteriores, porque vemos que ele pode contribuir mais rapidamente do que outras ações de inovação de mais longo prazo.

Como avançar na questão da mudança climática com países tão diferentes política, cultural, economicamente?

O exemplo que eu mais uso dos problemas que o mundo enfrenta é o problema da fome. Se um país tomar uma decisão de fortalecer a segurança alimentar dele e proibir exportação, ele consegue resolver o problema dele e não resolver o problema mundial. O problema do covid era um problema mundial, não era? Mas, naquela época, você poderia ter uma ação de fechar o seu país, criar uma vacina para o seu país, proibir a entrada de gente, proibir a saída de gente e resolver o seu problema sem resolver o problema mundial. A questão da direção energética e mudanças climáticas é muito complexa. O exemplo muito bacana é a Noruega, que está eletrificando super rápido a frota dela. Se a Noruega fizer todo o trabalho e tiver zero emissões, o que isso vai ajudar no mundo? Ajuda, mas a Noruega vai continuar sendo afetada pelas mudanças climáticas.

Isso é um lado ruim da história, mas um lado bom, porque você realmente tem que trazer as pessoas para falar do problema de forma global. E é muito difícil, num grupo com países tão diferentes, falar de uma solução global. O meu aprendizado, durante o processo, é que a geopolítica influencia. Então, por mais que o Brasil tenha uma solução, não serve para outro país. O exercício é buscar um meio termo que consiga ser palatável para todos.

Tem uma série de discussões. Por exemplo, tem país que não reconhece os dados da IEA, da Agência Internacional de Energia. Eu não vou falar que ele tem que dizer ‘eu acredito na IEA’. Eu falei, ‘então, em que acredita? Se você não acredita na Agência Internacional da Energia, em que que você acredita?’. Se ele mostrar um dado que é melhor do que a IEA, a gente coloca um indicador. Como ele não trouxe, eu falei, ‘legal, você não me trouxe nada, você só falou mal do indicador, vai ser o da IEA’.

Quais as metas colocadas?

O B-20 foi muito baseado na ciência e em dados. A primeira meta: a gente tem de triplicar a produção de energia renovável, seja qual for, porque cada país tem uma lógica. Tem país que usa mais eletrificação, outro país é biocombustível, assim por diante.

A segunda meta, que afeta todo mundo, é como melhorar a eficiência para consumir menos energia.

E o terceiro, e talvez um dos índices mais polêmicos ali, é a questão do que a gente chama de nature based solutions, isso vai afetar muito o Brasil. Se encontrarmos um mecanismo de remuneração da floresta em pé, por exemplo, vamos conseguir reduzir o desmatamento legal.

Quem estava lá, no B-20, não estava pensando na sua empresa. Então, eu não estava lá representando a Raízen. Eu estava lá como líder. É muito prazeroso. Eu não estava ganhando um real para estar lá. Aí você tinha, por exemplo, pessoas da Índia, que falavam pra mim: ‘Mussa, eu tenho de queimar lixo para gerar energia para cozinhar. Então não adianta botar uma métrica aqui na Índia, assim, não vai resolver’.

O sr. cita que o mercado de carbono é crucial para uma transição mais rápida.

Eu tenho um projeto de mistura de biocombustível. Então, hoje, o que acontece? A Europa lançou um programa para misturar com o biocombustível verde, que é o SAF, Sustainable Aviation Fuel, um mandato de mistura de 5% de SAF nas aeronaves da Europa. Então, o que acontece hoje? Para ele atingir esse objetivo, vai até o porto de Santos, emitindo o CO₂. Põe num navio, aí ele vai até os Estados Unidos. Vai numa planta de SAF, é convertido o etanol pra SAF e depois vai pra Europa. Como você não tem um mercado de carbono que permita a compensação entre países, a decisão geralmente não é a mais eficiente.

O mercado de carbono é uma forma muito inteligente de acelerar o combate às mudanças climáticas. Um exemplo aqui no Brasil: na gasolina se mistura a 27% de etanol. Então hoje eu tenho de levar o nosso etanol lá pro Acre para fazer a mistura no combustível do Acre. Será que não é melhor, ao invés de ter 27% em São Paulo, que é próxima do setor produtor, ter 30% em São Paulo e zero no Acre? Você não atingiria o mesmo efeito?

A falta de um mercado de carbono no mundo faz com que as decisões não sejam as mais inteligentes, as mais eficientes.

Ricardo Mussa, presidente da Raízen, diz que Brasil será parte da solução pra questão climática, e não do problema  Foto: Raízen

O Brasil está fazendo o suficiente para acompanhar essa mudança e liderar, de fato, como um player global na transição energética? Ou apesar de sairmos na frente podemos ficar para trás?

Quando você pensa em geração, a primeira recomendação do grupo é aumentar a produção de renováveis. Nisso já estamos na liderança. Tem condições que são circunstâncias que o Brasil vive de clima, então temos uma energia solar muito barata, eólica muito barata, temos muita hidrelétrica.

Por ser um país que tem outras prioridades, ainda temos de atrair mais investimento. Mas eu estou vendo um grande trabalho, um grande esforço do BNDES, para ser bem honesto, nesse sentido. O BNDES realmente melhorou muito com o Fundo Clima, com o Fundo Inovação. Faço um elogio claro aqui ao BNDES.

O Brasil não está atrás. O grande tema do Brasil na discussão de segurança climática é melhorar no combate ao desmatamento, temos muito desmatamento ilegal. Temos feito evolução nesse sentido, mas ainda não estamos lá. Então, nas nossas metas, a única que ainda temos que melhorar é na redução de emissão por desmatamento. Nas demais, precisamos atrair mais investimento no Brasil na parte de inovação. Como é que você faz isso? Com um marco regulatório e na discussão do mercado de carbono.

Há quem defende que é preciso se concentrar mais em fim do uso de combustíveis fósseis e menos na compensação. Há empresários, inclusive, que dizem que o Brasil tinha de ser um pouco mais ambicioso, mais claro em sinalizar o fim do uso e da exploração dos combustíveis fósseis e abrir mão de explorar petróleo na Margem Equatorial. Qual sua posição?

Eu discordo. A exploração do pré-sal brasileiro tem uma vantagem. Primeiro que não dá pra se imaginar hoje uma transição energética sem o petróleo. Você não consegue sair do combustível fóssil de um dia pro outro. O pré-sal tem uma intensidade de carbono menor do que outros. Então, a exploração do petróleo no Brasil tem um papel importante também, porque é um petróleo com um carbono associado menor. Temos de tomar um cuidado para ser práticos também. Se pararmos com o combustível fóssil no mundo, haverá um problema grave de falta de energia e de guerra e de sobrevivência das pessoas. Então, dito isso, qual é o papel do Brasil? O Brasil também ajuda com a exploração de um petróleo de baixo carbono. Talvez tenha de fechar a reserva de combustível fóssil que emite mais. Até isso tem de ser levado em conta na discussão de transição energética.

O petróleo ajudou o mundo a evoluir, porque ele é um combustível com alta densidade energética e acessível. A gente precisa encontrar fontes de substituição. Eu não acho que o Brasil perde a liderança na discussão por ter exploração do pré-sal de jeito nenhum, porque, de novo, tem bons predicados para isso. Eu acho que aqui a gente tem que saber que o Brasil vai ser um grande exportador de energia. Ele exporta hoje o petróleo, já exporta muita energia renovável através do etanol, o etanol de segunda geração, mas tem muito mais que pode ser feito.

O Brasil vai ajudar mais do que atrapalhar, a gente vai entrar aqui como solução, não como problema. Seja para a nossa agricultura mais eficiente, para produzir biomassa, para a nossa capacidade de produção de energia solar e eólica, nossa capacidade de produção de petróleo de baixo carbono. Somos parte da solução, não vamos nos colocar como parte do problema. A gente sabe que a gente tem coisa para melhorar, mas nessa discussão a gente é mais solução do que problema.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião com a liderança do B-20 Brasil, no Palácio do Planalto Foto: Ricardo Stuckert/PR

E como tem sido a receptividade tanto do governo brasileiro quanto dos demais governos?

Nessa discussão, o governo brasileiro acho que está num bom momento, ele está escutando. Eu sinto uma receptividade muito grande do tema, até porque estamos na liderança. Então, eu não tive dificuldade de ser escutado no governo brasileiro.

Nos demais governos, aí a geopolítica entra em jogo. Mas a mudança climática está mais presente do que estava há um ano, dois anos atrás. Então, há dois, três anos atrás ainda havia gente negando a mudança climática.

Os países vão ter de agir com mais veemência. Infelizmente, a transição energética é inflacionária. O petróleo é muito barato. Então precisa encontrar quais são os caminhos mais baratos para se chegar à transição energética. Mas ela se impõe através de governos tendo que fazer medidas um pouco mais duras. ‘Olha, vou ter que fazer um mandato aqui na Europa para mistura, vou ter que fazer um mandato de redução’. Isso acaba, de certa forma, sendo um pouco mais impositivo.

Precisamos do meio termo correto. E não podemos nos enganar. Não tem uma solução única para o mundo. Cada país tem uma solução.

Eu nunca fui tão procurado, viu? É impressionante como muita gente procura, quer discutir, quer falar. Todo mundo quer fazer o certo.

Considerando todas essas dificuldades, o que você espera de concreto desse G-20 brasileiro?

Eu espero um superprotagonismo no governo brasileiro nessa matéria da transição energética. Acho que tem muita coisa conspirando ao favor, infelizmente, porque os países estão vendo na prática, na pele, e vai fazer com que todo mundo ali esteja mais sensível ao tema.

Se a gente conseguir sair do G20 com uma semente do mercado de carbono seria a grande vitória. Então, eu estou preparado para o pior, mas eu estou sonhando aqui com uma super discussão do mercado de carbono evoluir ali. Mas eu sou realista.

Entrevista por Beatriz Bulla

Repórter que cobre o poder -- economia, política e internacional. Trabalha hoje em São Paulo. Já passou por Brasília e foi correspondente em Washington (EUA). Formada em jornalismo e em direito, foi também pesquisadora visitante na Universidade Columbia, em Nova York.

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