Governo vai precisar cortar despesas para entregar déficit zero, diz CEO da Bradesco Asset


Para Bruno Funchal, ex-secretário do Tesouro, se o governo não quiser fazer esforço de corte de gastos, vai precisar mudar a meta fiscal

Por Renata Pedini
Foto: DIDA SAMPAIO
Entrevista comBruno Funchal CEO da Bradesco Asset

São Paulo - O ex-secretário especial do Tesouro e Orçamento e atual CEO da Bradesco Asset, Bruno Funchal, avalia que a solução do governo para zerar o déficit das contas públicas em 2024, conforme a meta estabelecida no novo arcabouço fiscal do País, provavelmente será uma intermediária, com a aprovação de parte da pauta de medidas enviadas ao Congresso, no valor de R$ 168 bilhões de receitas extras, e algum contingenciamento de despesas.

“O governo vai ter de fazer um esforço do lado da despesa para entregar de fato a meta de déficit zero. Aí vai ser um ponto crítico. Quanto de esforço de despesa vai querer fazer. Se não quiser fazer esforço pelo lado da despesa, vai naturalmente ter que mudar a meta”, afirma. Funchal defende o ajuste pelo lado da despesa para manter credibilidade. “Muito da dinâmica de inflação e juros depende disso”, reforça. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Para Bruno Funchal, além da questão fiscal, uma fonte de risco para o Brasil é a economia americana Foto: Bradesco Asset/Divulgação
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Qual sua avaliação sobre o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2024 do governo?

O PLOA tinha de vir com um desafio do lado da receita. A dificuldade está muito mais na questão política, porque a previsão de receita tem de estar calcada no que já existe de fato ou, no mínimo, em projetos enviados para valer a partir de 2024. Quão difícil é enviar agora um monte de projetos que têm uma certa sensibilidade para entrar em discussão junto com uma reforma tributária? Cria-se um congestionamento de discussão, de projetos, que é relevante. É preciso boa coordenação política por uma ordem de prioridade. Por quê? Primeiro, para avançar num projeto super-relevante do governo, que é a reforma tributária, e depois para não reduzir a chance de aprovação daquilo que é importante para o governo fazer receita para fechar a conta do fiscal. Vai ter de ter coordenação política para lidar com tudo isso.

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Quais propostas têm chance real de aprovação e quais são difíceis?

Há uma lista de itens relativamente grande, subvenção de investimentos, apostas esportivas, novo regime de tributação simplificada, fundo exclusivo, JCP... Temos a nossa projeção, de déficit de 0,6% do PIB em 2024. Em algumas discussões, a narrativa está encaixada e talvez exista probabilidade maior de evoluir. Distorções, o ministro (da Fazenda, Fernando) Haddad vai reduzir, mas aumento de carga na veia é mais difícil. Tributação de dividendos e JCP são discussões mais difíceis. Elas estão vindo de algum tempo e podem ter algum sucesso. Mas imagino que seja uma parte disso. E a solução do governo para o fiscal provavelmente vai ser uma intermediária, como: “Para conseguir entregar o que me comprometi, vou aprovar parte da pauta e fazer uma parte de contingenciamento.” É preciso ver qual tipo de esforço ele (governo) vai querer fazer pelo lado da despesa, para poder entregar o déficit zero.

E se não fizer pelo lado da despesa?

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Se o governo não quiser fazer esforço pelo lado da despesa, vai naturalmente ter de mudar a meta. E aí pode começar a minar a credibilidade do governo. E minar tudo o que está sendo construído com o novo arcabouço fiscal. Esse é o grande risco. Começar a perder a credibilidade. Talvez o governo faça um pouquinho de contingenciamento, mas vejo dificuldade. Na aprovação do PL da desoneração da folha de pagamentos teve uma conta adicionada pelo Congresso para beneficiar os municípios. É um aumento de gasto relevante e não está contabilizado aí. Lidar com controle de despesa é sempre difícil, é sempre uma luta. O ideal seria fazer de tudo para conseguir entregar a meta e, o que não conseguir pelo lado da receita, ajustar pelo lado da despesa, para manter credibilidade. Muito da dinâmica de inflação e juros depende disso.

Além da política, o que mais vê de dificuldade?

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Há uma dificuldade política e uma estratégica, do planejamento das pessoas. Esse é um ponto importante. A projeção de receita do governo com a tributação de fundos fechados, por exemplo, é R$ 13,28 bilhões. Mas as pessoas estrategicamente reagem a esse tipo de mudança e o Brasil tem muito investimento que não paga imposto. Os incentivados. O BNDES, por exemplo, está para lançar mais um incentivado. É claro que uma boa parte das pessoas vai mudar de investimento. Então, o potencial de geração de economia aqui é mais limitado do que o governo pode imaginar. No Brasil existem várias alternativas. As pessoas vão se estruturar para ir para as alternativas.

A proposta de Orçamento trouxe aumento de emendas. Isso é um problema?

Foi um aumento compatível com o que está acontecendo com o Orçamento. É um Orçamento aumentado. Politicamente, a discussão vai começar depois, na disputa por espaço nas despesas discricionárias, dos ministérios. As discricionárias ficaram restritas e vai ter muita disputa, uma dinâmica política que não vai ser tão trivial, tão fácil. E num período curto. Primeiro vai discutir a tributária no Senado, depois todos esses projetos tributários como fonte de receita, e aí provavelmente a discussão do Orçamento vai ficar bem comprimida no final do ano. A pauta política vai ser bem complexa. Tem muita pauta para votar, relevante, tudo associado. O principal é o ministro Haddad e a turma da equipe econômica estarem comprometidos de fato com o cumprimento da meta. Mesmo que haja uma frustração na receita, que isso possa ser feito do lado da despesa.

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Sobre frustração, e o PIB previsto pelo governo, de 2,3% no ano que vem?

É outro ponto. Mas o PIB está surpreendendo para cima. Por quê? Sequência de reformas, desde 2016, estruturais, que acabam batendo em produtividade, e os modelos não capturam isso. Teve a pandemia, é difícil pegar com o modelo, ajustar, fazer as estimativas e ter um modelo de previsão melhor. Não estão captando esse novo nível de crescimento que, agora, ainda é baixo. Devíamos estar falando do que podemos fazer para crescer 3% ou 3,5%, de agenda de reformas, tributária, micro.

Não é difícil alcançar um crescimento maior, então?

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Nossa projeção é 1,3%, mas acho possível. Se for pegar todos os erros no histórico recente, é possível.

Na reforma tributária, ainda não há alíquota do IVA. Há algum risco nessa indefinição?

Muito risco. O que mais impacta a alíquota são as exceções e o nível de conformidade. Se o modelo for simples, e está indo nessa direção, de simplificar e aumentar base de contribuição, aumenta a conformidade, mais pessoas pagam impostos e o impacto é positivo na redução de alíquota. Por outro lado, muitas exceções geram impacto negativo, e a alíquota aumenta. Toda a luta que o governo tem de ter agora, e o debate político, é limitar o máximo possível as exceções. A outra discussão é a federativa. É importante acabar com a desigualdade de infraestrutura (entre Estados). Há uma infraestrutura super-relevante que precisa estar uniforme no País. A discussão de quanto cada Estado precisa tem de entrar no Fundo de Desenvolvimento Regional. Uniformizando, as empresas vão se localizar onde é mais produtivo, e para o País é bom, porque é impacto positivo em produtividade.

E o veto do presidente Lula ao arcabouço, no trecho que impedia retirar despesas dos limites?

Em resumo, o governo vai poder dizer que algumas despesas vão estar fora da meta. No fundo, o receio é de uma volta ao expediente que existia no passado em relação ao PAC. O PAC ficava fora da meta. Não sabemos se o tamanho do PAC pode aumentar e ficar fora da meta. O veto acaba retirando uma restrição importante em relação ao controle de despesa para um gasto que pode ser muito relevante no futuro. É aí que está a fonte do ruído. Quando veta, pode enfraquecer o modelo fiscal por estar permitindo retirar itens da meta.

E o ruído político dos últimos dias, sobre mudança da meta fiscal?

É muito ruim, porque o governo perde reputação. Se perde reputação, desancora expectativa, tem menos credibilidade, e aumenta a incerteza. Naturalmente, vai ter um reflexo negativo em juros. Juros maiores. E isso é pior para a economia.

Os juros futuros já precificam uma incerteza fiscal. Há algum exagero nisso ou é ameaça ao ciclo de queda da Selic?

O mercado é sempre mais nervoso. Enviar um arcabouço e Orçamento com meta zero é óbvio que vai demandar aumento de receita. E tem sempre um pouco mais de ruído ao longo do processo. Talvez os projetos enviados tenham um pouco mais de frustração de receita, e isso pode acabar colocando em xeque o projeto do governo de entregar a meta zero, mas no fundo o mercado é um pouco mais nervoso, ou para melhor ou para pior. Mas não muda nossa projeção de Selic, de 9% no fim do ano que vem.

Além do fiscal, há algum outro risco para o Brasil?

Uma boa fonte de risco, para além do nosso fiscal, é a economia americana, o quanto de inflação e juros vai ter na economia americana nos próximos anos. Se precisar de muito juro nos Estados Unidos, esse país vai atrair mais dinheiro, vai sobrar menos para os emergentes, e dificultar a vida do Brasil. O investidor voltou a ficar reticente com Brasil por causa das discussões políticas e orçamento, e EUA também. Então, se virmos os treasuries (títulos do Tesouro americano) abrindo e ficando mais altos, isso pode comprometer a recuperação brasileira também. China indiretamente, mas mais os treasuries.

São Paulo - O ex-secretário especial do Tesouro e Orçamento e atual CEO da Bradesco Asset, Bruno Funchal, avalia que a solução do governo para zerar o déficit das contas públicas em 2024, conforme a meta estabelecida no novo arcabouço fiscal do País, provavelmente será uma intermediária, com a aprovação de parte da pauta de medidas enviadas ao Congresso, no valor de R$ 168 bilhões de receitas extras, e algum contingenciamento de despesas.

“O governo vai ter de fazer um esforço do lado da despesa para entregar de fato a meta de déficit zero. Aí vai ser um ponto crítico. Quanto de esforço de despesa vai querer fazer. Se não quiser fazer esforço pelo lado da despesa, vai naturalmente ter que mudar a meta”, afirma. Funchal defende o ajuste pelo lado da despesa para manter credibilidade. “Muito da dinâmica de inflação e juros depende disso”, reforça. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Para Bruno Funchal, além da questão fiscal, uma fonte de risco para o Brasil é a economia americana Foto: Bradesco Asset/Divulgação

Qual sua avaliação sobre o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2024 do governo?

O PLOA tinha de vir com um desafio do lado da receita. A dificuldade está muito mais na questão política, porque a previsão de receita tem de estar calcada no que já existe de fato ou, no mínimo, em projetos enviados para valer a partir de 2024. Quão difícil é enviar agora um monte de projetos que têm uma certa sensibilidade para entrar em discussão junto com uma reforma tributária? Cria-se um congestionamento de discussão, de projetos, que é relevante. É preciso boa coordenação política por uma ordem de prioridade. Por quê? Primeiro, para avançar num projeto super-relevante do governo, que é a reforma tributária, e depois para não reduzir a chance de aprovação daquilo que é importante para o governo fazer receita para fechar a conta do fiscal. Vai ter de ter coordenação política para lidar com tudo isso.

Quais propostas têm chance real de aprovação e quais são difíceis?

Há uma lista de itens relativamente grande, subvenção de investimentos, apostas esportivas, novo regime de tributação simplificada, fundo exclusivo, JCP... Temos a nossa projeção, de déficit de 0,6% do PIB em 2024. Em algumas discussões, a narrativa está encaixada e talvez exista probabilidade maior de evoluir. Distorções, o ministro (da Fazenda, Fernando) Haddad vai reduzir, mas aumento de carga na veia é mais difícil. Tributação de dividendos e JCP são discussões mais difíceis. Elas estão vindo de algum tempo e podem ter algum sucesso. Mas imagino que seja uma parte disso. E a solução do governo para o fiscal provavelmente vai ser uma intermediária, como: “Para conseguir entregar o que me comprometi, vou aprovar parte da pauta e fazer uma parte de contingenciamento.” É preciso ver qual tipo de esforço ele (governo) vai querer fazer pelo lado da despesa, para poder entregar o déficit zero.

E se não fizer pelo lado da despesa?

Se o governo não quiser fazer esforço pelo lado da despesa, vai naturalmente ter de mudar a meta. E aí pode começar a minar a credibilidade do governo. E minar tudo o que está sendo construído com o novo arcabouço fiscal. Esse é o grande risco. Começar a perder a credibilidade. Talvez o governo faça um pouquinho de contingenciamento, mas vejo dificuldade. Na aprovação do PL da desoneração da folha de pagamentos teve uma conta adicionada pelo Congresso para beneficiar os municípios. É um aumento de gasto relevante e não está contabilizado aí. Lidar com controle de despesa é sempre difícil, é sempre uma luta. O ideal seria fazer de tudo para conseguir entregar a meta e, o que não conseguir pelo lado da receita, ajustar pelo lado da despesa, para manter credibilidade. Muito da dinâmica de inflação e juros depende disso.

Além da política, o que mais vê de dificuldade?

Há uma dificuldade política e uma estratégica, do planejamento das pessoas. Esse é um ponto importante. A projeção de receita do governo com a tributação de fundos fechados, por exemplo, é R$ 13,28 bilhões. Mas as pessoas estrategicamente reagem a esse tipo de mudança e o Brasil tem muito investimento que não paga imposto. Os incentivados. O BNDES, por exemplo, está para lançar mais um incentivado. É claro que uma boa parte das pessoas vai mudar de investimento. Então, o potencial de geração de economia aqui é mais limitado do que o governo pode imaginar. No Brasil existem várias alternativas. As pessoas vão se estruturar para ir para as alternativas.

A proposta de Orçamento trouxe aumento de emendas. Isso é um problema?

Foi um aumento compatível com o que está acontecendo com o Orçamento. É um Orçamento aumentado. Politicamente, a discussão vai começar depois, na disputa por espaço nas despesas discricionárias, dos ministérios. As discricionárias ficaram restritas e vai ter muita disputa, uma dinâmica política que não vai ser tão trivial, tão fácil. E num período curto. Primeiro vai discutir a tributária no Senado, depois todos esses projetos tributários como fonte de receita, e aí provavelmente a discussão do Orçamento vai ficar bem comprimida no final do ano. A pauta política vai ser bem complexa. Tem muita pauta para votar, relevante, tudo associado. O principal é o ministro Haddad e a turma da equipe econômica estarem comprometidos de fato com o cumprimento da meta. Mesmo que haja uma frustração na receita, que isso possa ser feito do lado da despesa.

Sobre frustração, e o PIB previsto pelo governo, de 2,3% no ano que vem?

É outro ponto. Mas o PIB está surpreendendo para cima. Por quê? Sequência de reformas, desde 2016, estruturais, que acabam batendo em produtividade, e os modelos não capturam isso. Teve a pandemia, é difícil pegar com o modelo, ajustar, fazer as estimativas e ter um modelo de previsão melhor. Não estão captando esse novo nível de crescimento que, agora, ainda é baixo. Devíamos estar falando do que podemos fazer para crescer 3% ou 3,5%, de agenda de reformas, tributária, micro.

Não é difícil alcançar um crescimento maior, então?

Nossa projeção é 1,3%, mas acho possível. Se for pegar todos os erros no histórico recente, é possível.

Na reforma tributária, ainda não há alíquota do IVA. Há algum risco nessa indefinição?

Muito risco. O que mais impacta a alíquota são as exceções e o nível de conformidade. Se o modelo for simples, e está indo nessa direção, de simplificar e aumentar base de contribuição, aumenta a conformidade, mais pessoas pagam impostos e o impacto é positivo na redução de alíquota. Por outro lado, muitas exceções geram impacto negativo, e a alíquota aumenta. Toda a luta que o governo tem de ter agora, e o debate político, é limitar o máximo possível as exceções. A outra discussão é a federativa. É importante acabar com a desigualdade de infraestrutura (entre Estados). Há uma infraestrutura super-relevante que precisa estar uniforme no País. A discussão de quanto cada Estado precisa tem de entrar no Fundo de Desenvolvimento Regional. Uniformizando, as empresas vão se localizar onde é mais produtivo, e para o País é bom, porque é impacto positivo em produtividade.

E o veto do presidente Lula ao arcabouço, no trecho que impedia retirar despesas dos limites?

Em resumo, o governo vai poder dizer que algumas despesas vão estar fora da meta. No fundo, o receio é de uma volta ao expediente que existia no passado em relação ao PAC. O PAC ficava fora da meta. Não sabemos se o tamanho do PAC pode aumentar e ficar fora da meta. O veto acaba retirando uma restrição importante em relação ao controle de despesa para um gasto que pode ser muito relevante no futuro. É aí que está a fonte do ruído. Quando veta, pode enfraquecer o modelo fiscal por estar permitindo retirar itens da meta.

E o ruído político dos últimos dias, sobre mudança da meta fiscal?

É muito ruim, porque o governo perde reputação. Se perde reputação, desancora expectativa, tem menos credibilidade, e aumenta a incerteza. Naturalmente, vai ter um reflexo negativo em juros. Juros maiores. E isso é pior para a economia.

Os juros futuros já precificam uma incerteza fiscal. Há algum exagero nisso ou é ameaça ao ciclo de queda da Selic?

O mercado é sempre mais nervoso. Enviar um arcabouço e Orçamento com meta zero é óbvio que vai demandar aumento de receita. E tem sempre um pouco mais de ruído ao longo do processo. Talvez os projetos enviados tenham um pouco mais de frustração de receita, e isso pode acabar colocando em xeque o projeto do governo de entregar a meta zero, mas no fundo o mercado é um pouco mais nervoso, ou para melhor ou para pior. Mas não muda nossa projeção de Selic, de 9% no fim do ano que vem.

Além do fiscal, há algum outro risco para o Brasil?

Uma boa fonte de risco, para além do nosso fiscal, é a economia americana, o quanto de inflação e juros vai ter na economia americana nos próximos anos. Se precisar de muito juro nos Estados Unidos, esse país vai atrair mais dinheiro, vai sobrar menos para os emergentes, e dificultar a vida do Brasil. O investidor voltou a ficar reticente com Brasil por causa das discussões políticas e orçamento, e EUA também. Então, se virmos os treasuries (títulos do Tesouro americano) abrindo e ficando mais altos, isso pode comprometer a recuperação brasileira também. China indiretamente, mas mais os treasuries.

São Paulo - O ex-secretário especial do Tesouro e Orçamento e atual CEO da Bradesco Asset, Bruno Funchal, avalia que a solução do governo para zerar o déficit das contas públicas em 2024, conforme a meta estabelecida no novo arcabouço fiscal do País, provavelmente será uma intermediária, com a aprovação de parte da pauta de medidas enviadas ao Congresso, no valor de R$ 168 bilhões de receitas extras, e algum contingenciamento de despesas.

“O governo vai ter de fazer um esforço do lado da despesa para entregar de fato a meta de déficit zero. Aí vai ser um ponto crítico. Quanto de esforço de despesa vai querer fazer. Se não quiser fazer esforço pelo lado da despesa, vai naturalmente ter que mudar a meta”, afirma. Funchal defende o ajuste pelo lado da despesa para manter credibilidade. “Muito da dinâmica de inflação e juros depende disso”, reforça. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Para Bruno Funchal, além da questão fiscal, uma fonte de risco para o Brasil é a economia americana Foto: Bradesco Asset/Divulgação

Qual sua avaliação sobre o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2024 do governo?

O PLOA tinha de vir com um desafio do lado da receita. A dificuldade está muito mais na questão política, porque a previsão de receita tem de estar calcada no que já existe de fato ou, no mínimo, em projetos enviados para valer a partir de 2024. Quão difícil é enviar agora um monte de projetos que têm uma certa sensibilidade para entrar em discussão junto com uma reforma tributária? Cria-se um congestionamento de discussão, de projetos, que é relevante. É preciso boa coordenação política por uma ordem de prioridade. Por quê? Primeiro, para avançar num projeto super-relevante do governo, que é a reforma tributária, e depois para não reduzir a chance de aprovação daquilo que é importante para o governo fazer receita para fechar a conta do fiscal. Vai ter de ter coordenação política para lidar com tudo isso.

Quais propostas têm chance real de aprovação e quais são difíceis?

Há uma lista de itens relativamente grande, subvenção de investimentos, apostas esportivas, novo regime de tributação simplificada, fundo exclusivo, JCP... Temos a nossa projeção, de déficit de 0,6% do PIB em 2024. Em algumas discussões, a narrativa está encaixada e talvez exista probabilidade maior de evoluir. Distorções, o ministro (da Fazenda, Fernando) Haddad vai reduzir, mas aumento de carga na veia é mais difícil. Tributação de dividendos e JCP são discussões mais difíceis. Elas estão vindo de algum tempo e podem ter algum sucesso. Mas imagino que seja uma parte disso. E a solução do governo para o fiscal provavelmente vai ser uma intermediária, como: “Para conseguir entregar o que me comprometi, vou aprovar parte da pauta e fazer uma parte de contingenciamento.” É preciso ver qual tipo de esforço ele (governo) vai querer fazer pelo lado da despesa, para poder entregar o déficit zero.

E se não fizer pelo lado da despesa?

Se o governo não quiser fazer esforço pelo lado da despesa, vai naturalmente ter de mudar a meta. E aí pode começar a minar a credibilidade do governo. E minar tudo o que está sendo construído com o novo arcabouço fiscal. Esse é o grande risco. Começar a perder a credibilidade. Talvez o governo faça um pouquinho de contingenciamento, mas vejo dificuldade. Na aprovação do PL da desoneração da folha de pagamentos teve uma conta adicionada pelo Congresso para beneficiar os municípios. É um aumento de gasto relevante e não está contabilizado aí. Lidar com controle de despesa é sempre difícil, é sempre uma luta. O ideal seria fazer de tudo para conseguir entregar a meta e, o que não conseguir pelo lado da receita, ajustar pelo lado da despesa, para manter credibilidade. Muito da dinâmica de inflação e juros depende disso.

Além da política, o que mais vê de dificuldade?

Há uma dificuldade política e uma estratégica, do planejamento das pessoas. Esse é um ponto importante. A projeção de receita do governo com a tributação de fundos fechados, por exemplo, é R$ 13,28 bilhões. Mas as pessoas estrategicamente reagem a esse tipo de mudança e o Brasil tem muito investimento que não paga imposto. Os incentivados. O BNDES, por exemplo, está para lançar mais um incentivado. É claro que uma boa parte das pessoas vai mudar de investimento. Então, o potencial de geração de economia aqui é mais limitado do que o governo pode imaginar. No Brasil existem várias alternativas. As pessoas vão se estruturar para ir para as alternativas.

A proposta de Orçamento trouxe aumento de emendas. Isso é um problema?

Foi um aumento compatível com o que está acontecendo com o Orçamento. É um Orçamento aumentado. Politicamente, a discussão vai começar depois, na disputa por espaço nas despesas discricionárias, dos ministérios. As discricionárias ficaram restritas e vai ter muita disputa, uma dinâmica política que não vai ser tão trivial, tão fácil. E num período curto. Primeiro vai discutir a tributária no Senado, depois todos esses projetos tributários como fonte de receita, e aí provavelmente a discussão do Orçamento vai ficar bem comprimida no final do ano. A pauta política vai ser bem complexa. Tem muita pauta para votar, relevante, tudo associado. O principal é o ministro Haddad e a turma da equipe econômica estarem comprometidos de fato com o cumprimento da meta. Mesmo que haja uma frustração na receita, que isso possa ser feito do lado da despesa.

Sobre frustração, e o PIB previsto pelo governo, de 2,3% no ano que vem?

É outro ponto. Mas o PIB está surpreendendo para cima. Por quê? Sequência de reformas, desde 2016, estruturais, que acabam batendo em produtividade, e os modelos não capturam isso. Teve a pandemia, é difícil pegar com o modelo, ajustar, fazer as estimativas e ter um modelo de previsão melhor. Não estão captando esse novo nível de crescimento que, agora, ainda é baixo. Devíamos estar falando do que podemos fazer para crescer 3% ou 3,5%, de agenda de reformas, tributária, micro.

Não é difícil alcançar um crescimento maior, então?

Nossa projeção é 1,3%, mas acho possível. Se for pegar todos os erros no histórico recente, é possível.

Na reforma tributária, ainda não há alíquota do IVA. Há algum risco nessa indefinição?

Muito risco. O que mais impacta a alíquota são as exceções e o nível de conformidade. Se o modelo for simples, e está indo nessa direção, de simplificar e aumentar base de contribuição, aumenta a conformidade, mais pessoas pagam impostos e o impacto é positivo na redução de alíquota. Por outro lado, muitas exceções geram impacto negativo, e a alíquota aumenta. Toda a luta que o governo tem de ter agora, e o debate político, é limitar o máximo possível as exceções. A outra discussão é a federativa. É importante acabar com a desigualdade de infraestrutura (entre Estados). Há uma infraestrutura super-relevante que precisa estar uniforme no País. A discussão de quanto cada Estado precisa tem de entrar no Fundo de Desenvolvimento Regional. Uniformizando, as empresas vão se localizar onde é mais produtivo, e para o País é bom, porque é impacto positivo em produtividade.

E o veto do presidente Lula ao arcabouço, no trecho que impedia retirar despesas dos limites?

Em resumo, o governo vai poder dizer que algumas despesas vão estar fora da meta. No fundo, o receio é de uma volta ao expediente que existia no passado em relação ao PAC. O PAC ficava fora da meta. Não sabemos se o tamanho do PAC pode aumentar e ficar fora da meta. O veto acaba retirando uma restrição importante em relação ao controle de despesa para um gasto que pode ser muito relevante no futuro. É aí que está a fonte do ruído. Quando veta, pode enfraquecer o modelo fiscal por estar permitindo retirar itens da meta.

E o ruído político dos últimos dias, sobre mudança da meta fiscal?

É muito ruim, porque o governo perde reputação. Se perde reputação, desancora expectativa, tem menos credibilidade, e aumenta a incerteza. Naturalmente, vai ter um reflexo negativo em juros. Juros maiores. E isso é pior para a economia.

Os juros futuros já precificam uma incerteza fiscal. Há algum exagero nisso ou é ameaça ao ciclo de queda da Selic?

O mercado é sempre mais nervoso. Enviar um arcabouço e Orçamento com meta zero é óbvio que vai demandar aumento de receita. E tem sempre um pouco mais de ruído ao longo do processo. Talvez os projetos enviados tenham um pouco mais de frustração de receita, e isso pode acabar colocando em xeque o projeto do governo de entregar a meta zero, mas no fundo o mercado é um pouco mais nervoso, ou para melhor ou para pior. Mas não muda nossa projeção de Selic, de 9% no fim do ano que vem.

Além do fiscal, há algum outro risco para o Brasil?

Uma boa fonte de risco, para além do nosso fiscal, é a economia americana, o quanto de inflação e juros vai ter na economia americana nos próximos anos. Se precisar de muito juro nos Estados Unidos, esse país vai atrair mais dinheiro, vai sobrar menos para os emergentes, e dificultar a vida do Brasil. O investidor voltou a ficar reticente com Brasil por causa das discussões políticas e orçamento, e EUA também. Então, se virmos os treasuries (títulos do Tesouro americano) abrindo e ficando mais altos, isso pode comprometer a recuperação brasileira também. China indiretamente, mas mais os treasuries.

Entrevista por Renata Pedini

Renata Pedini é editora de Macroeconomia e Mercados do Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado, e colunista da Rádio Eldorado. Foi produtora e chefe de reportagem na Rádio CBN. Formada pela PUC-SP, cursou o MBA em Derivativos e informações econômico-financeiras da FIA e o Master em Jornalismo Econômico IICS.

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