O economista-chefe do C6 Bank, Felipe Salles, de 47 anos, afirma que não se sente “confortável” em misturar política com economia e que procura manter um “olhar técnico” em suas análises sobre o cenário econômico do País e do exterior.
Nesta entrevista ao Estadão, Salles diz que a mudança nas metas fiscais proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, gerou incertezas no mercado em relação ao controle das contas públicas e à evolução da dívida da União. Segundo ele, “é mais difícil” alcançar o equilíbrio fiscal apenas pelo lado da arrecadação, com o aumento de impostos, como está ocorrendo no atual governo. “O ideal seria que houvesse também um esforço de controle de gastos”, afirma.
Em sua visão, a sociedade tem de decidir não apenas o tamanho do Estado que deseja, mas também onde o Estado deve gastar. “Todo mundo quer um salário mais alto, uma aposentadoria mais alta, mas, se a gente decidir gastar nisso, tem de diminuir os gastos em outras áreas. Este trade-off a gente tem de fazer”, diz. “Isto ajuda a criar o hábito na sociedade de que os recursos são finitos e de que nós temos de fazer escolhas.”
Salles fala também sobre a divisão da diretoria do Banco Central (BC) em relação ao ritmo de corte dos juros e sobre eventuais mudanças na política monetária após o atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto, deixar o cargo, no fim do ano, quando termina seu mandato. Para ele, o atual cenário global, de juros mais altos e dólar forte, deve impulsionar a cotação da moeda americana ante o real e restringir a margem do BC para prosseguir com a redução da taxa básica (Selic). Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
Como é que o sr. está vendo o cenário econômico do País no governo Lula?
Quando a gente fala de economia brasileira, sempre gosto de falar primeiro do pano de fundo com o qual a gente trabalha, que é a economia global. O que acontece lá fora tem impacto direto no que ocorre aqui no Brasil. E o que nós estamos vendo – e acredito que vamos continuar a ver por algum tempo – é um cenário global difícil. A China, que foi o grande motor da economia mundial nas últimas décadas, não vai conseguir mais manter o ritmo de crescimento observado até agora. O crescimento da China está declinando – neste ano, a alta do PIB (Produto Interno Bruto) deve ficar em torno de 5% – e acredito que daqui para a frente deve ser ainda menor.
Além disso, os Estados Unidos, que até a pandemia vinham de uma década de juro muito baixo, praticamente zero, tiveram um forte aumento da inflação e acredito que as pressões inflacionárias devem continuar por lá. A consequência disso é que os Estados Unidos subiram os juros, atraindo mais capital e afetando o fluxo financeiro para todo o mundo, inclusive para o Brasil. Então, o que a gente tem hoje é um cenário global com um crescimento um pouco mais baixo do que a gente viu até pouco tempo atrás.
Como o sr. vê o comportamento dos juros americanos nos próximos meses? O sr. acredita que o Fed (Federal Reserve, banco central americano) vai cortar os juros, como muita gente espera?
Acredito que o mais provável é que a taxa fique parada por bastante tempo no patamar atual (entre 5,25% e 5,5% ao ano) e que o Fed espere um pouco mais para cortar os juros, para ver se a inflação vai, de fato, desacelerar. Embora não seja o cenário-base, não dá para descartar que haja até uma nova alta nos juros americanos. Hoje, temos um cenário de juros elevados no mundo inteiro. É uma mudança bem relevante em relação ao que se viu na década passada, de juro zero. Hoje, até o Japão, que tinha juro negativo até recentemente, está começando a subir a taxa.
Na prática, como isso deve afetar o Brasil?
O Brasil sofre os impactos dessa mudança global. Hoje, em função do juro americano mais elevado, nós temos um mundo de dólar forte. Então, como esse cenário deve se manter para a frente, acredito que a valorização do dólar em relação ao real veio para ficar. Pelas nossas projeções, a cotação do dólar deve chegar a R$ 5,30 no fim deste ano e a R$ 5,50 no fim de 2025, em grande parte por causa desse cenário externo.
Também deve ficar mais difícil reduzir os juros no País ou trabalhar com uma taxa mais baixa nesse mundo em que vários países estão com juros mais elevados. A gente está vendo que o ciclo de corte da taxa Selic está chegando ao fim. A última ata do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) deu alguns sinais importantes nessa direção. Apesar de os bancos centrais terem conseguido trazer a inflação para baixo, no Brasil e no mundo, ainda não conseguiram levá-la para a meta. Então, esses juros ainda devem ficar altos por mais algum tempo.
O sr. trabalha com que piso para os juros no Brasil, no fim do atual ciclo de cortes nas taxas?
A gente está trabalhando hoje com uma taxa de 10,25% ao ano, mas reconhece que a chance de não ter nenhum corte já na próxima reunião do Copom (marcada para 18 e 19 de junho) e de a Selic ficar na taxa atual, de 10,50% ao ano, é grande.
Na última reunião do Copom, houve um racha em relação ao ritmo de corte dos juros. Os diretores indicados para o BC pelo atual governo defendiam uma redução de 0,5 ponto percentual na taxa, enquanto os indicados pelo governo Bolsonaro eram favoráveis a um corte menor, de 0,25. No fim, o corte de 0,25 acabou prevalecendo, mas essa divisão gerou muito ruído no mercado em relação ao que pode ocorrer a partir do ano que vem, quando a maioria dos diretores do BC, incluindo o presidente da instituição, tiverem sido indicados pelo presidente Lula. Como o sr. avalia esta questão?
Quando você lê a ata do Copom, observa que os argumentos expostos pelos dois lados são perfeitamente pertinentes. O pessoal do 0,25 argumentou, de maneira simplificada, o seguinte: “A gente achava que era 0,50 num determinado cenário, mas esse cenário não se concretizou. A situação piorou lá fora, tem a questão fiscal aqui dentro, o mercado de trabalho está aquecido. Então, é melhor tirar o pé do acelerador no corte dos juros e cortar 0,25″. O grupo de 0,50 argumentou o seguinte: “O ritmo não importa tanto. O que importa é a Selic terminal”. E de fato, pelo que a gente leu na ata, parece ter havido mais ou menos um consenso de que não era para sinalizar o que acontecerá na próxima reunião do Copom. Tanto que eles não sinalizaram, não falaram se vai ter corte ou se não vai. Não falaram nada. Deixaram a questão completamente em aberto. Então, quando você olha os argumentos apresentados por cada turma, há justificativas técnicas dos dois lados.
O sr. acredita que houve muita espuma em torno disso?
Houve, de fato, uma divisão entre os dois grupos. O que gerou desconforto foi que os quatro diretores indicados pelo atual governo foram os que votaram pelo corte de 0,50, enquanto os membros antigos da diretoria, que o mercado já conhece, já sabe como que eles votam, votaram pelo corte de 0,25. Ficou realmente essa dúvida se, lá na frente, quando toda a diretoria tiver sido indicada pelo atual governo, haverá alguma mudança na condução da política monetária. Mas, por ora, quando a gente lê a ata, quando vê os motivos da divisão, não há nada que indique que isso irá acontecer.
De qualquer forma, isso acentuou a preocupação, que já vem vindo, de que haja uma volta da politização das decisões do Copom com a troca dos diretores antigos do BC e principalmente de seu presidente, Roberto Campos Neto, que deverá deixar o cargo no fim do ano, quando termina seu mandato. Como o sr. analisa isso?
Quando a gente olha para o mandato do Banco Central, de manter a inflação na meta, suavizar flutuações em torno do PIB e tentar fomentar o pleno emprego, as incertezas tendem a aumentar. Quando você tem uma meta única, de manter a inflação na meta, as incertezas em relação à mudança da diretoria, do presidente da instituição, diminuem, independentemente de quem estiver lá. Quando você tem dois ou mais mandatos, é meio natural que isso gere incertezas.
Nos Estados Unidos, por exemplo, há sempre aquela discussão dos Doves (que preferem juros mais baixos para alavancar o crescimento econômico) e dos Hawks (que preferem juros mais altos para manter a inflação mais controlada), porque lá eles têm dois mandatos, o de buscar o pleno emprego e o de manter a inflação na meta. Então, alguns diretores do Fed dão um pouco mais de peso para um e os demais dão um pouco mais de peso para o outro. Isso é natural quando você tem mais de um objetivo e às vezes estes objetivos entram em conflito. Se não entrassem, não precisaria ter os dois mandatos. No Brasil, temos de ver como o novo colegiado vai se comportar em relação aos objetivos, aos mandatos que o Banco Central tem. Com a autonomia do Banco Central (e a instituição de mandatos fixos para seus diretores), a gente só vai conseguir ver realmente qual será a política monetária do atual governo a partir de 2025, quando o novo presidente da instituição assumir o cargo.
Agora, o sr. mencionou há pouco a questão fiscal como um dos fatores que levaram os diretores mais antigos do BC a votar pelo corte de 0,25 na taxa Selic, em vez de 0,50. Como o sr. avalia a política fiscal do governo Lula?
Em relação à política fiscal, eu acredito que algumas coisas boas aconteceram. Primeiro, houve a manutenção de uma regra. O arcabouço fiscal é um conjunto de regras que estabelecem quanto o governo pode gastar e qual deve ser o crescimento real das despesas. O arcabouço estabelece também metas para o resultado primário (receitas menos despesas, sem contar os juros da dívida) ao longo dos anos. Só que, ao mesmo tempo, vem ocorrendo um aumento muito grande do gasto público, que dificulta o cumprimento das metas.
Só em 2023, segundo os dados oficiais, foram R$ 230,5 bilhões de déficit do governo central (Tesouro Nacional, Previdência e Banco Central), o pior resultado da série histórica, excluído o déficit registrado em 2020, no auge da pandemia.
É verdade, mas nós temos de levar em conta que esse valor incluiu o pagamento de precatórios pendentes, que representou uma parte relevante desse déficit. De qualquer forma, foi um déficit grande, para o qual nós temos de ficar atentos. O ponto principal é que, embora seja bom ter uma regra que traga previsibilidade para as contas públicas, embora seja bom ter metas que indiquem claramente que a gente está indo na direção de controlar o crescimento da dívida, caso elas sejam cumpridas, o fato é que o cumprimento do arcabouço fiscal e das metas de superávit primário caiu muito nas costas do aumento da arrecadação – e é mais difícil conseguir cumprir as metas simplesmente aumentando de maneira significativa a arrecadação.
Ainda mais se a gente levar em conta que a nossa carga tributária já é muito alta, na faixa de 33% do PIB.
Quando a gente compara o Brasil com países mais ricos, não é bem assim. Há países que têm carga tributária bem maior do que a nossa. Mas, quando a gente compara com países com um nível de renda parecido com o nosso, aí, sim, podemos dizer que o País já tem uma carga tributária elevada. Então, é difícil, bastante desafiador, você cumprir metas fiscais só em cima do aumento de arrecadação.
Recentemente, apenas quatro meses depois de o novo arcabouço entrar em vigor, o governo já anunciou a alteração das metas fiscais de 2025 e 2026. Qual a credibilidade que as metas podem ter se em tão pouco tempo o governo já quer alterá-las?
A gente está vendo o governo fazendo esforços para arrecadar mais, tapar buraco, propondo novas medidas. Ainda assim, restam dúvidas se isso vai ser suficiente para cobrir o déficit. De fato, a mudança das metas de 2025 em diante deixa o mercado com a pulga atrás da orelha. O ideal, quando você não cumprir a meta, seria disparar alguns gatilhos de contingenciamento de gastos que ajudariam a alcançar os objetivos traçados nos anos seguintes. Isso está previsto no próprio arcabouço. Então, quando você muda a meta de 2025 e 2026 em diante, isso gera algum arranhão na credibilidade. Se você tem uma meta, tem de tentar cumpri-la, tem de fazer o máximo que puder para cumpri-la.
Qual o efeito que o anúncio de mudança nas metas feito pelo governo teve no mercado?
Ficou claro que existem custos de mudar as metas, de fazer isso de novo. O dólar subiu, os juros subiram. Na pesquisa Focus (do Banco Central), os economistas também aumentaram as previsões para a evolução da dívida pública. Isso gera algum grau de incerteza, principalmente no Brasil, que é um país que, historicamente, já tem problemas fiscais. Não é uma coisa que começou hoje, nem ontem.
Isso não significa que o arcabouço não serve para nada, que a gente tem de zerar tudo. Não é isso. De novo, eu acredito que as regras do arcabouço fiscal, as metas de resultado primário são boas, têm de ser mantidas, mas idealmente, se estiver difícil de cumpri-las, a gente deveria disparar os gatilhos, o contingenciamento, o corte de gasto. Só que eles estão tentando cobrir esse buraco de novo só via arrecadação. Seria melhor tentar fazer também algum controle de gastos.
Saindo do mundo das ideias para o mundo real, qual a possibilidade concreta de isso acontecer no atual governo, considerando que o próprio presidente Lula tem criticado o controle de gastos e a preocupação com o equilíbrio fiscal e o crescimento da dívida pública?
Como eu disse, acredito que, do ponto de vista de arrecadação, tem havido um esforço enorme para controlar o déficit fiscal. O esforço via arrecadação está sendo muito grande. Se isso não for suficiente, o ideal seria que houvesse também um esforço de controle de gastos. Mais uma vez, se isso não ocorrer, muito provavelmente novas medidas terão de ser implementadas mais para a frente. Mas esse não é um fenômeno que só está acontecendo no Brasil. Outros países apresentam problemas similares. Nos Estados Unidos, também há uma preocupação muito grande com a questão fiscal e com o aumento da dívida.
Muitos analistas dizem que a realização do ajuste fiscal via aumento de impostos tem um limite, do qual a gente está próximo ou já passou dele faz tempo. Há uma percepção também de que as medidas arrecadatórias implementadas na atual gestão podem não ter o impacto que se esperava e ainda desestimular os investimentos privados, ao drenar recursos para o governo. O sr. concorda com eles?
Acho que são duas discussões diferentes. Uma delas tem relação com o tamanho do Estado. Nós, sociedade brasileira, queremos um Estado pequeno, médio ou grande? Pelo que a gente tem visto, estamos indo na direção de um Estado um pouco maior, com expansão de gastos e da própria arrecadação, cuja consequência lógica é o encolhimento do setor privado. Esta é uma discussão. Outra discussão é como é que a gente financia esse Estado. Pode ser com aumento de arrecadação, que é o que está sendo tentado pelo governo. Ou com aumento de dívida. Só que a dívida pública não pode crescer para sempre. A gente tem de escolher o que quer: mais governo e menos setor privado ou mais setor privado e menos governo. Infelizmente, não dá para ter tudo. Em economia, a gente sempre tem de fazer escolhas.
E o sr. concorda ou não com a ideia de que existe um limite máximo de arrecadação para o governo drenar do setor privado, sem afetar a atividade econômica e a própria arrecadação?
Existe um limite máximo de arrecadação, mas é difícil de conseguir estimar qual é. É difícil saber. Mas se torna de fato cada vez mais difícil aumentar a arrecadação. Se a carga tributária é pequena e você quer aumentá-la, é relativamente fácil. Se ela é média, já não é mais tão fácil. E, se ela já é elevada, começa a ficar mais difícil aumentar impostos.
Em sua visão, até que ponto esse desequilíbrio fiscal pode afetar o financiamento da dívida do País?
Essa é a dúvida que está havendo. Será que esse aumento de arrecadação que eles estão promovendo é suficiente para equilibrar as contas públicas e conter o crescimento da dívida? Com essa incerteza, os efeitos começam a aparecer hoje e não lá na frente. O dólar, por exemplo, fica um pouco mais alto. Isso tem impacto na inflação, nas importações. Os juros, principalmente os juros longos, também sobem. Então, o financiamento de longo prazo, de cinco anos ou mais, fica mais difícil. Qualquer tipo de incerteza tem impacto na economia.
Pelo que acompanhei, as estimativas de arrecadação que o próprio ministro Fernando Haddad tinha feito não estão se confirmando até agora, o que acaba agravando o cenário fiscal imaginado pelo governo.
Realmente, (as estimativas de arrecadação) não estão se confirmando. Mesmo com a mudança das metas, é muito provável que eles tenham de tomar medidas adicionais de aumento de arrecadação ou de corte de gastos. Talvez haja uma demora para as medidas adotadas surtirem o efeito previsto. A gente ainda não sabe. Mas, como eu falei, é muito provável que novas medidas tenham de vir pela frente.
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O governo aposta num suposto crescimento futuro da economia, para diluir o peso relativo da dívida no PIB. Isso não é muito arriscado, principalmente se levarmos em conta o cenário global que o sr. traçou no início da nossa conversa?
Sem dúvida, numa economia que cresce, que tem um crescimento potencial elevado, que consegue manter um ritmo bom durante vários anos, os problemas fiscais diminuem rapidamente. Então, se você mantiver o gasto mais ou menos parado ou crescendo menos do que o PIB, a relação entre os dois indicadores muda ao longo do tempo. Mas, no curto prazo, acho difícil a gente se beneficiar dessa dinâmica.
A questão prática que se coloca é: será que o Brasil tem condições de ter o ritmo de crescimento necessário para isso acontecer? Para responder a esta pergunta, é preciso olhar para três fatores principais. O primeiro é a demografia. E aqui a gente se depara com uma situação em que o bônus demográfico já não é mais tão favorável quanto foi no passado. A população em idade ativa, na idade de trabalhar, ainda está crescendo, mas cada vez menos.
Além da demografia, que outros fatores, em sua visão, podem afetar o crescimento do País?
Outro fator relevante é o investimento, que foi um dos fatores que puxaram o crescimento da China. O problema é que o Brasil tem um nível de poupança baixo. A taxa de investimento com proporção do PIB também é baixa. Então, o crescimento dificilmente deverá vir por esse caminho. O terceiro fator é o aumento de produtividade. Para aumentar a produtividade, a gente tem de fazer várias reformas. Neste sentido, a gente teve uma excelente notícia recentemente, que foi a reforma tributária. A reforma tributária não foi desenhada para aumentar a arrecadação, não é a função dela. Foi feita para simplificar um sistema que é extremamente complexo. Mas, para ela dar frutos, ainda vai demorar um tempo. Ela não vai dar frutos imediatos, porque até fazer toda a transição do atual sistema para o novo vai levar alguns anos.
Eu destacaria também mais dois pontos que acho muito importantes para alavancar o crescimento: a educação, que é uma área na qual a gente não está tendo um bom desempenho, pelos resultados obtidos nos testes do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), e a abertura da economia. Não conheço uma sociedade que tenha se desenvolvido de forma inteiramente autônoma. Normalmente, o desenvolvimento vem com comércio, com trocas, não só de bens, mas de tudo.
Recentemente, a Moody’s, uma das principais agências internacionais de avaliação de risco, mudou a perspectiva de crédito do Brasil de estável para positiva. Muitos analistas criticaram a decisão da Moody’s, por tudo o que sr. está falando. Como o sr. analisa esta questão?
Eu acredito que cada agência tem sua metodologia, olha para um conjunto de dados. Quer dizer, cada agência tem sua opinião sobre o que enxerga na economia brasileira e transmite essa opinião através de mudanças na classificação de risco, seja no viés, seja no próprio rating. Quando a gente olha para a economia brasileira, tem coisas que preocupam, mas tem também boas notícias, como afirmei há pouco. O que nos preocupa? Como sempre, é o fiscal. Esta é a grande preocupação da economia brasileira. Mas a gente enxerga também coisas boas.
Nos últimos três anos, o Brasil retomou um ritmo de crescimento bom. Isso eles já levam em conta. A inflação, que havia subido muito, agora já está em um patamar mais controlado. Ainda não está na meta, mas já está abaixo do teto. As agências olham tudo isso. Em relação às reformas, a gente aprovou a reforma tributária e sua regulamentação já está em análise no Congresso. Então, há boas notícias, apesar das preocupações. Cada agência toma sua decisão de acordo com o que julga apropriado.
Agora, o que o sr. mesmo pensa sobre isso?
Como já comentei, acredito que a gente teve boas notícias com relação à inflação e ao crescimento, embora eu quisesse ter mais evidências de que a produtividade está aumentando. A gente ainda tem pouca evidência de que isso esteja ocorrendo, o que gera alguma dúvida se será possível manter o atual ritmo de crescimento do País. Com o tempo, o próprio comportamento da produtividade vai responder isso. Mas realmente a incerteza fiscal é elevada. A incerteza fiscal é o calcanhar de Aquiles da economia brasileira – e não é de hoje, como eu falei.
Há alguns dias, a ministra Simone Tebet, do Planejamento, andou defendendo a desvinculação do salário mínimo das aposentadorias e de outros benefícios, como uma forma de controlar os gastos. Mas o ministro Fernando Haddad já disse que essa solução não será implementada pelo governo. Como o sr. vê esta questão?
A gente tem de decidir não só o tamanho do Estado que quer, mas também onde o Estado gasta, com o que devemos gastar. Esta é uma discussão que a gente também precisa ter. É uma discussão natural que a sociedade tem de ter, não só aqui, mas em qualquer país. Levando em conta que a gente tem tanto para gastar, será que gastar dessa forma é bom ou ruim? Todo mundo quer um salário mais alto, uma aposentadoria mais alta, mas ao mesmo tempo, se a gente decidir gastar nisso, tem de diminuir os gastos em outras áreas. Este trade-off a gente tem de fazer.
Parece haver uma dificuldade de o governo entender que os recursos são limitados e que, na verdade, é um jogo de “rouba monte”. Não adianta imaginar que é possível atender a todas as demandas sem tirar nada de ninguém, que dá para deixar todo mundo feliz e vai ficar tudo bem. É isso?
Exatamente. Um dos princípios que norteou o teto de gastos (que limitava as despesas de um ano ao nível do ano anterior corrigido pela inflação) e até, em certa medida, o novo arcabouço fiscal é justamente esse. A partir do momento que você coloca um limite no crescimento de gastos – no caso do novo arcabouço, embora haja uma previsão de crescimento das despesas, existe um limite – isso ajuda a criar o hábito na sociedade de que os recursos são finitos e de que nós precisamos fazer escolhas, de que, se você resolver investir mais numa área, necessariamente vai ter de diminuir o gasto em outra.