Fio a fio, a cabeleireira Anna Telles, de 33 anos, moldou na própria cabeça uma forma de transformar a dor pessoal em resgate da autoestima para si e para outras mulheres negras. Foi na adolescência, na periferia de Salvador (BA), que ela observou por mais de um ano a vizinha “trancista” trabalhando com apliques, e, sem recursos para pagar pelo procedimento, recolheu para si durante esse tempo os fios que sobravam para, um dia, poder utilizá-los. Era o início de uma trajetória profissional que buscava vencer uma infância marcada pelo preconceito sofrido por seu cabelo crespo.
Até implantar em si o aplique, ela conta que teve os fios alisados quimicamente pela mãe, na tentativa de mascarar a textura crespa e se adequar a um padrão idealizado por colegas de escola e familiares preconceituosos. Depois, o bullying se intensificou após a queda capilar causada pelos produtos de alisamento. “Naquela época, eu achava que meu cabelo era um problema, porque eu ouvia muito isso da minha mãe e de outras pessoas. Diziam que eu era até bonitinha, mas meu cabelo era horrível”, lembra.
Com o tempo, os dias se tornaram ainda mais difíceis, e a habilidade de fazer as próprias tranças lhe ajudou no momento em que precisou lutar pela sobrevivência. Depois de passar por um episódio de violência doméstica aos 15 anos, Anna acabou indo morar nas ruas do Pelourinho, ponto turístico na capital baiana. Ali, para se sustentar, trocava os serviços como cabeleireira autodidata por itens básicos de sobrevivência, como roupas, sapatos, itens de higiene e até comida.
Foi quando Anna conheceu o marido, Fernando Bispo, com quem foi morar. Ela lembra que partiu dele o incentivo para que ela passasse a precificar os seus serviços e fizesse daquele ofício um negócio. Assim, o primeiro salão de beleza de Anna foi montado em um dos cômodos da residência do casal.
Salto
Como o uso das redes sociais, o salto da condição de cabeleireira iniciante para o de uma empresária do ramo de beleza foi ascendente e rápido. A técnica de aplique elaborada ao longo da adolescência, nomeada como “enrolado 3D”, começou a ganhar maior alcance por conferir mais naturalidade ao acabamento.
A empresária, então, passou a oferecer também pela internet produtos específicos para cabelos crespos e cacheados, com o objetivo de que mais mulheres pudessem ter a opção de usar o cabelo natural. Anna Telles virou também a marca de uma linha de produtos, revendidos por todo o Brasil.
Agora, a atuação de Anna ganhou eco fora do salão. Além do empreendimento físico em Salvador, ela também ministra cursos em outras localidades. “Vejo minha trajetória como um aprendizado. Acredito que eu fui marcada pela vida, mas hoje sou uma marca que transforma outras vidas”, diz Anna.