O governo Lula lançou nesta segunda-feira, 22, um plano de estímulo à indústria brasileira, o Nova Indústria Brasil, que prevê R$ 300 bilhões em financiamentos e subsídios ao setor até 2026. A iniciativa ainda inclui uma política de obras e a exigência de compras públicas de fornecedores brasileiros. Para economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, o pacote retoma cacoetes de modelos que fracassaram, mas traz também algumas inovações.
O economista Marcos Lisboa, crítico das políticas que privilegiam conteúdo local, avalia que a política lançada nesta segunda parece “reeditar velhos instrumentos que distribuem recursos públicos a acionistas do setor privado”. A avaliação dele é a de que as medidas que vêm sendo anunciadas para a indústria têm, em geral, baixo impacto sobre a produtividade e o crescimento.
Para Lisboa, a história do agronegócio mostra que a política pública pode ser eficaz se direcionada ao investimento em pesquisa e desenvolvimento. Esta é justamente uma das frentes do financiamento de R$ 300 bilhões.
Porém, ao mesmo tempo, o plano contempla benefícios tributários a setores específicos, como indústria automotiva e setor químico — bancados, em parte, por taxação de importações —, assim como prevê exigências de produtos nacionais não apenas nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas também na mecanização da agricultura familiar. Ao dificultar a concorrência, pontua Lisboa, a política protege empresas pouco eficientes.
“Pelos textos divulgados até agora, insistimos nos subsídios e regras de conteúdo nacional que fracassaram no começo da década passada”, lamenta o economista, que também foi presidente do Insper. “Políticas de desenvolvimento setorial bem-sucedidas usualmente envolvem o desafio de as empresas se tornarem competitivas no mercado global”, acrescenta.
Foco sem sentido
A nova política do governo lista setores e segmentos que não têm sentido em serem foco da iniciativa, avalia a sócia e economista da consultoria Tendências, Alessandra Ribeiro. O desenvolvimento de máquinas agrícolas é um dos exemplos enumerados por ela. “Será que temos que entrar nesse incentivo? Por quê, se há grandes players mundiais que oferecem máquinas com altíssima qualidade e custo competitivo?”, questiona.
O trecho sobre semicondutores também chama a atenção da economista, que lembra que o mercado tem grandes players, como Taiwan, e coloca em questão se teríamos alguma vantagem comparativa ou uma expectativa de ganho tão grande que justificasse a política.
Ribeiro destaca ainda o trecho sobre aumentar a produção nacional de equipamentos médicos. “Não há um detalhamento, mas não faz sentido incentivar o crédito subsidiado para a produção de equipamentos médicos para competir com GE, Philips e Siemens. Faz sentido comprar porque são máquinas de ponta com custo competitivo.”
Apesar das críticas, ela pondera que a ideia de uma nova política industrial está alinhada a um contexto internacional no qual há uma importante volta para esse tema nas principais economias — principalmente os Estados Unidos e países europeus, e até a própria China —, e avalia que houve uma tentativa do governo em focar em segmentos alinhados a essa estratégia global, como a questão climática, a economia verde e a transição energética.
O grande perigo em torno da iniciativa, ressalta, é que diferentemente dos EUA ou de países europeus, o Brasil não tem um bom histórico de avaliação de políticas públicas, para analisar se ainda fazem ou não sentido. “O maior problema é o risco, como tivemos no passado, de execução. Seja quando olhamos para a burocracia quanto na própria avaliação da política.”
Em contexto de restrição fiscal muito grande, emenda, não é surpresa a reação negativa do mercado. “O que mudou que nos faz acreditar que será uma execução positiva? Não consigo ver nada. Não tivemos nenhum grande avanço na execução de políticas para nos deixar tranquilos em relação à implementação desse plano”, diz a economista. “E uma vez feita, muitas vezes, é difícil acabar com a política”, complementa.
Medidas interessantes, mas com cacoetes
Sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro, Carlos Kawall avalia que a nova política industrial para o País acerta ao trazer inovações interessantes, especialmente na linha de transição energética, mas reitera “cacoetes” caros ao pensamento desenvolvimentista, como o uso do protecionismo e das compras governamentais.
“É um mero cacoete repetir aquilo que você sempre defendeu, mesmo que não haja evidências de que já deu certo no passado ou que vai dar agora. É quase uma obrigação, um dever de ofício”, afirma.
Os planos de ação relacionados à descarbonização e à transição energética, reitera o economista, são os pontos positivos da proposta, em um momento em que o assunto também é pauta global. Ele destaca a importância e o desafio de avançar na regulação relacionada a esses temas.
“Essa agenda de mudança de matriz energética e da questão ambiental é onde temos mais a ganhar nesse momento.” A menção à agenda de mercado de capitais, acrescenta, também é um dos destaques positivos do plano. “Nós já tivemos o novo marco de garantias e agora temos a iniciativa da nova lei de falências”.
Kawall ressalta, porém, que “o novo convive com o velho” no plano e chama atenção para os objetivos de adensamento da cadeia produtiva do setor automotivo e a ideia de reviver a produção nacional de semicondutores. O economista destaca o uso de ferramentas anacrônicas, como o protecionismo, a reserva de mercado e as compras do governo. “Acho que não é o caminho mais adequado.”
O ex-secretário pondera, no entanto, que as iniciativas apresentadas pelo documento, em geral, não são totalmente novidades, e que o plano do governo, em boa medida, é um empacotamento de um conjunto de medidas que já foram divulgadas.
O mau humor do mercado em resposta à apresentação, avalia, reflete uma preocupação com um eventual impacto nas contas públicas do uso de estímulos parafiscais, que ele analisa, por ora, como exagerada.
“Na década passada, sobretudo a partir de 2008, vimos que essa política notadamente de uso dos bancos públicos acabou gerando uma enorme expansão parafiscal que bateu no crescimento da dívida pública”, relembra. “Será que estamos indo naquele caminho? Será que é uma reedição da expansão do balanço de bancos públicos?”, questiona.
Por enquanto, o economista avalia que não. Ele analisa que o valor anunciado para o BNDES está de certa forma dentro de uma “expansão normal do seu orçamento” e dependerá da disponibilidade de funding que ele venha a ter. “Acredito que não virá do Tesouro Nacional porque teria um impacto orçamentário.”
A solução para resolver o mau humor do mercado, para o economista, seria um pronunciamento do governo, seja pelo Ministério da Fazenda ou pela Secretaria do Tesouro Nacional, esclarecendo o impacto fiscal por trás das medidas e se ele será feito com aumentos consideráveis de subsídios ou não./Eduardo Laguna e Marianna Gualter