Câmara começa a discutir regulamentação da reforma tributária com grupo de Lira e sala de ‘plantão’


Menos de 60 dias para votar, ausência de comissões e ‘plantão’ na sala de número 171 para atender deputados e empresas marcam a largada do projeto no Congresso

Por Daniel Weterman e Bianca Lima
Atualização:

BRASÍLIA - A Câmara começou a discutir o primeiro projeto que regulamenta a reforma tributária no País com um calendário apertado, uma relatoria dividida entre sete deputados e um movimento do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para se fortalecer na disputa pela sua sucessão.

O calendário estipulado por Lira prevê menos de 60 dias para a análise, a contar desta terça-feira, 28, pois ele quer votar a proposta antes do recesso parlamentar, que se inicia em 18 de julho. O objetivo é concluir a tramitação antes do segundo semestre, quando o foco dos parlamentares estará nas eleições municipais.

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Arthur Lira e integrantes do GT de regulamentação da reforma tributária: Claudio Cajado (PP-BA) Reginaldo Lopes (PT-MG), Hildo Rocha (MDB-MA) Joaquim Passarinho (PL-PA), Augusto Coutinho (Republicanos-PE), Moses Rodrigues (União-CE) e Luiz Gastão (PSD-CE) Foto: Divulgação/Claudio Cajado

A regulamentação da reforma foi dividida em dois projetos de lei complementar. O primeiro deles, enviado pelo governo, traz a espinha dorsal do novo sistema: o funcionamento do Imposto sobre Valor Agregado (o IVA, que unificará cinco tributos) e do Imposto Seletivo, o chamado “imposto do pecado”, que incidirá sobre bens e serviços considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente.

É nesse projeto que se define, por exemplo, quais itens vão compor a cesta básica nacional, com alíquota zero, e como será o funcionamento do cashback, o sistema de devolução de parte dos tributos à população mais pobre. O secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, foi o convidado da primeira audiência pública na Câmara, nesta terça.

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Lira impediu que o projeto fosse votado por comissões antes do plenário e nomeou sete deputados de sua confiança para dividir a relatoria. No plenário, ele terá o poder de pautar a proposta para votação. “Vai ser uma maneira mais democrática, nós vamos retalhar, nós vamos estratificar mais. Quando você concentra, é uma chance maior de errar”, disse o presidente da Câmara, em entrevista à GloboNews, no dia 25 de abril.

Tributaristas ouvidos pelo Estadão, no entanto, criticaram a não observância do regimento interno da Casa. Eles afirmam que esse modelo de tramitação retira a competência das comissões técnicas e fere a representação proporcional partidária, uma vez que a escolha dos deputados que compõem o GT é claramente política, e não observa a proporcionalidade da Câmara.

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De acordo com aliados, o movimento é uma busca de Lira para se fortalecer na disputa pela sucessão do comando da Casa, marcada para fevereiro de 2025, e também para centralizar no grupo liderado por ele as negociações com o governo e com os setores econômicos interessados na reforma.

Os partidos encaminharam uma lista de nomes para integrar o grupo, sendo que algumas bancadas mandaram mais de uma opção. Os nomes, porém, foram escolhidos diretamente pelo presidente da Câmara, ouvindo aliados mais próximos e presidentes dos partidos, que influenciam diretamente na sucessão. Lira contemplou as legendas maiores e aquelas que tem pré-candidatos ao cargo.

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A lista inclui o deputado Claudio Cajado (PP-BA), colega de partido de Lira e escolhido por ele como relator do arcabouço fiscal no ano passado, e parlamentares ligados ao setor de serviços, que se considerou prejudicado na reforma aprovada em 2023, como os deputados Luiz Gastão (PSD-CE) e Moses Rodrigues (União-CE).

Também estão Reginaldo Lopes (PT-MG), um dos petistas mais próximos a Lira na Casa, e Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), grupo ligado a empresas de comércio e serviços.

“O presidente Lira nos deu total autonomia. Ele só nos fez um pedido: não deixar aumentar a alíquota padrão do IVA (estimada atualmente pela Fazenda em 26,5%)”, afirmou Passarinho. “Todo mundo quer alguma condição especial. A nossa grande tarefa será não deixar isso acontecer para não pressionar a alíquota geral.”

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Nos bastidores, este é o principal temor dos tributaristas: de que a relatoria ultra fragmentada criada por Lira facilite mudanças no texto, sobretudo por parte dos grupos mais organizados, que têm fácil acesso aos parlamentares, e dos que têm pontes com o presidente da Câmara.

Uma das maiores pressões é pela inclusão das carnes na cesta básica nacional, com alíquota zero. Um pleito dos supermercados e da bancada do agronegócio, o qual é visto com preocupação pelo Ministério da Fazenda devido ao impacto na alíquota padrão do IVA. Hoje, essas proteínas estão na lista de alíquotas reduzidas, com desconto de 60% em relação à cobrança cheia.

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Além da ampliação da cesta, o setor supermercadista também defende a retirada de todos os alimentos da taxação integral do IVA, como ocorre com alguns itens classificados como artigos de luxo. Entre os peixes, por exemplo, pagarão 100% de imposto atum, bacalhau, salmão, trutas, lagosta e ovas (caviar). Entre as carnes, foies gras (fígado gordo). Cogumelos e trufas também estão nesse grupo.

“A ideia é a seguinte: ou estará na cesta (com alíquota zero) ou na lista com desconto de 60%. Isso para todos os alimentos”, afirma João Galassi, presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que já iniciou as conversas com os parlamentares.

Grupo fará ‘plantões’ para atender setores na sala 171

O grupo de trabalho é um colegiado formado para fazer discussões, reuniões e audiências públicas até elaborar o relatório, mas sem o poder de voto que uma comissão da Casa tem. É desse grupo que sairá o parecer para ser votado diretamente no plenário, controlado pelo deputado alagoano.

Lira reservou até uma sala de “plantão” para o núcleo dos sete deputados, no Anexo II da Câmara. Eles vão se revezar para atender parlamentares, representantes dos governos e lobistas que se interessam pelo projeto. E não são poucos. A proposta mexe nos tributos pagos por todas as empresas e consumidores do País.

O número da sala, porém, não agradou: 171. O mesmo do artigo do Código Penal que trata do crime de estelionato. “Vamos trocar esse número”, disse Passarinho, em meio a risadas, durante jantar realizado na sede da FPE na segunda-feira, 27. Na ocasião, seis dos sete deputados que compõem o GT receberam um relatório com sugestões de mudanças na proposta de regulamentação da reforma.

Sala 171, na Câmara dos Deputados, que foi reservada ao grupo de trabalho da reforma tributária para as conversas com empresários, tributaristas e representantes de entidades.  Foto: Wilton Júnior/Estadão

O texto foi elaborado por advogados e representantes de setores atingidos pelas alterações no sistema tributário. “Quem não foi atendido pelo governo está nos procurando bastante, como é o caso dos refrigerantes e bebidas açucaradas”, relata o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), um dos integrantes do grupo.

Ele presidiu a comissão especial da reforma tributária na legislatura passada, quando o projeto não foi aprovado, e é um dos que avalia ganhos para Lira com o formato definido desta vez. “É um grande legado que o Arthur Lira deixa, ao conseguir aprovar a reforma tributária fazendo a mudança constitucional e a regulamentação. É muito bom para ele”, diz.

Integrantes do chamado G-7 da reforma tributária disseram ao Estadão que Lira deu autonomia para o grupo fazer as discussões, sem definir quem será o relator oficial no plenário e nem dividir o texto por temas para cada um. O objetivo foi não concentrar protagonismo em nenhum deles no momento.

“Não vai ter relator, subrelator, coordenador. Todo mundo vai se envolver com tudo”, afirma Cajado, que considera essa relatoria mais desafiadora do que a do arcabouço, em 2023. A diferença, segundo ele, é o prazo exíguo. “Vamos ter de correr para votar. Não adianta ter feito a PEC sem regulamentar, então teremos de fazer um esforço grande”, diz ele, frisando que há consenso na Casa para a votação ocorrer até o recesso.

O presidente da Câmara deixou de fora do núcleo o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), seu colega de partido, que foi relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária e era o nome preferido do governo para relatar o texto.

“Estando no grupo, o deputado Aguinaldo poderia acabar inibindo a contribuição de outros pela sua própria natureza, mas será imprescindível a contribuição dele como um assessor permanente do grupo”, afirmou o deputado Luiz Gastão (PSD-CE), outro integrante do GT.

Gastão é presidente da Fecomércio do Ceará, instituição que representa as empresas de comércio, serviços e turismo. Para ele, o formato definido por Lira fará com que todos os setores sejam ouvidos, mas que as alterações sejam filtradas por um grupo maior para evitar distorções. “Nós vamos fazer um relatório a 14 mãos.”

O nome de Aguinaldo Ribeiro chegou a ser defendido publicamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a sua ausência, portanto, frustrou o governo e interlocutores da Fazenda, acostumados às negociações com o parlamentar. Mas lideranças governistas, ouvidas pela reportagem, afirmam que o modelo do G7 não é de todo ruim.

A avaliação é de que o formato de colegiado, com todos debatendo tudo, poderá blindar um pouco mais a reforma do que se o texto fosse fragmentado em várias mãos. Ai, sim, dizem, a influência de Lira seria ainda maior. No formato atual, o presidente da Câmara dividirá o poder com as lideranças dos sete maiores partidos da Casa.

BRASÍLIA - A Câmara começou a discutir o primeiro projeto que regulamenta a reforma tributária no País com um calendário apertado, uma relatoria dividida entre sete deputados e um movimento do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para se fortalecer na disputa pela sua sucessão.

O calendário estipulado por Lira prevê menos de 60 dias para a análise, a contar desta terça-feira, 28, pois ele quer votar a proposta antes do recesso parlamentar, que se inicia em 18 de julho. O objetivo é concluir a tramitação antes do segundo semestre, quando o foco dos parlamentares estará nas eleições municipais.

Arthur Lira e integrantes do GT de regulamentação da reforma tributária: Claudio Cajado (PP-BA) Reginaldo Lopes (PT-MG), Hildo Rocha (MDB-MA) Joaquim Passarinho (PL-PA), Augusto Coutinho (Republicanos-PE), Moses Rodrigues (União-CE) e Luiz Gastão (PSD-CE) Foto: Divulgação/Claudio Cajado

A regulamentação da reforma foi dividida em dois projetos de lei complementar. O primeiro deles, enviado pelo governo, traz a espinha dorsal do novo sistema: o funcionamento do Imposto sobre Valor Agregado (o IVA, que unificará cinco tributos) e do Imposto Seletivo, o chamado “imposto do pecado”, que incidirá sobre bens e serviços considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente.

É nesse projeto que se define, por exemplo, quais itens vão compor a cesta básica nacional, com alíquota zero, e como será o funcionamento do cashback, o sistema de devolução de parte dos tributos à população mais pobre. O secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, foi o convidado da primeira audiência pública na Câmara, nesta terça.

Lira impediu que o projeto fosse votado por comissões antes do plenário e nomeou sete deputados de sua confiança para dividir a relatoria. No plenário, ele terá o poder de pautar a proposta para votação. “Vai ser uma maneira mais democrática, nós vamos retalhar, nós vamos estratificar mais. Quando você concentra, é uma chance maior de errar”, disse o presidente da Câmara, em entrevista à GloboNews, no dia 25 de abril.

Tributaristas ouvidos pelo Estadão, no entanto, criticaram a não observância do regimento interno da Casa. Eles afirmam que esse modelo de tramitação retira a competência das comissões técnicas e fere a representação proporcional partidária, uma vez que a escolha dos deputados que compõem o GT é claramente política, e não observa a proporcionalidade da Câmara.

De acordo com aliados, o movimento é uma busca de Lira para se fortalecer na disputa pela sucessão do comando da Casa, marcada para fevereiro de 2025, e também para centralizar no grupo liderado por ele as negociações com o governo e com os setores econômicos interessados na reforma.

Os partidos encaminharam uma lista de nomes para integrar o grupo, sendo que algumas bancadas mandaram mais de uma opção. Os nomes, porém, foram escolhidos diretamente pelo presidente da Câmara, ouvindo aliados mais próximos e presidentes dos partidos, que influenciam diretamente na sucessão. Lira contemplou as legendas maiores e aquelas que tem pré-candidatos ao cargo.

A lista inclui o deputado Claudio Cajado (PP-BA), colega de partido de Lira e escolhido por ele como relator do arcabouço fiscal no ano passado, e parlamentares ligados ao setor de serviços, que se considerou prejudicado na reforma aprovada em 2023, como os deputados Luiz Gastão (PSD-CE) e Moses Rodrigues (União-CE).

Também estão Reginaldo Lopes (PT-MG), um dos petistas mais próximos a Lira na Casa, e Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), grupo ligado a empresas de comércio e serviços.

“O presidente Lira nos deu total autonomia. Ele só nos fez um pedido: não deixar aumentar a alíquota padrão do IVA (estimada atualmente pela Fazenda em 26,5%)”, afirmou Passarinho. “Todo mundo quer alguma condição especial. A nossa grande tarefa será não deixar isso acontecer para não pressionar a alíquota geral.”

Nos bastidores, este é o principal temor dos tributaristas: de que a relatoria ultra fragmentada criada por Lira facilite mudanças no texto, sobretudo por parte dos grupos mais organizados, que têm fácil acesso aos parlamentares, e dos que têm pontes com o presidente da Câmara.

Uma das maiores pressões é pela inclusão das carnes na cesta básica nacional, com alíquota zero. Um pleito dos supermercados e da bancada do agronegócio, o qual é visto com preocupação pelo Ministério da Fazenda devido ao impacto na alíquota padrão do IVA. Hoje, essas proteínas estão na lista de alíquotas reduzidas, com desconto de 60% em relação à cobrança cheia.

Além da ampliação da cesta, o setor supermercadista também defende a retirada de todos os alimentos da taxação integral do IVA, como ocorre com alguns itens classificados como artigos de luxo. Entre os peixes, por exemplo, pagarão 100% de imposto atum, bacalhau, salmão, trutas, lagosta e ovas (caviar). Entre as carnes, foies gras (fígado gordo). Cogumelos e trufas também estão nesse grupo.

“A ideia é a seguinte: ou estará na cesta (com alíquota zero) ou na lista com desconto de 60%. Isso para todos os alimentos”, afirma João Galassi, presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que já iniciou as conversas com os parlamentares.

Grupo fará ‘plantões’ para atender setores na sala 171

O grupo de trabalho é um colegiado formado para fazer discussões, reuniões e audiências públicas até elaborar o relatório, mas sem o poder de voto que uma comissão da Casa tem. É desse grupo que sairá o parecer para ser votado diretamente no plenário, controlado pelo deputado alagoano.

Lira reservou até uma sala de “plantão” para o núcleo dos sete deputados, no Anexo II da Câmara. Eles vão se revezar para atender parlamentares, representantes dos governos e lobistas que se interessam pelo projeto. E não são poucos. A proposta mexe nos tributos pagos por todas as empresas e consumidores do País.

O número da sala, porém, não agradou: 171. O mesmo do artigo do Código Penal que trata do crime de estelionato. “Vamos trocar esse número”, disse Passarinho, em meio a risadas, durante jantar realizado na sede da FPE na segunda-feira, 27. Na ocasião, seis dos sete deputados que compõem o GT receberam um relatório com sugestões de mudanças na proposta de regulamentação da reforma.

Sala 171, na Câmara dos Deputados, que foi reservada ao grupo de trabalho da reforma tributária para as conversas com empresários, tributaristas e representantes de entidades.  Foto: Wilton Júnior/Estadão

O texto foi elaborado por advogados e representantes de setores atingidos pelas alterações no sistema tributário. “Quem não foi atendido pelo governo está nos procurando bastante, como é o caso dos refrigerantes e bebidas açucaradas”, relata o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), um dos integrantes do grupo.

Ele presidiu a comissão especial da reforma tributária na legislatura passada, quando o projeto não foi aprovado, e é um dos que avalia ganhos para Lira com o formato definido desta vez. “É um grande legado que o Arthur Lira deixa, ao conseguir aprovar a reforma tributária fazendo a mudança constitucional e a regulamentação. É muito bom para ele”, diz.

Integrantes do chamado G-7 da reforma tributária disseram ao Estadão que Lira deu autonomia para o grupo fazer as discussões, sem definir quem será o relator oficial no plenário e nem dividir o texto por temas para cada um. O objetivo foi não concentrar protagonismo em nenhum deles no momento.

“Não vai ter relator, subrelator, coordenador. Todo mundo vai se envolver com tudo”, afirma Cajado, que considera essa relatoria mais desafiadora do que a do arcabouço, em 2023. A diferença, segundo ele, é o prazo exíguo. “Vamos ter de correr para votar. Não adianta ter feito a PEC sem regulamentar, então teremos de fazer um esforço grande”, diz ele, frisando que há consenso na Casa para a votação ocorrer até o recesso.

O presidente da Câmara deixou de fora do núcleo o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), seu colega de partido, que foi relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária e era o nome preferido do governo para relatar o texto.

“Estando no grupo, o deputado Aguinaldo poderia acabar inibindo a contribuição de outros pela sua própria natureza, mas será imprescindível a contribuição dele como um assessor permanente do grupo”, afirmou o deputado Luiz Gastão (PSD-CE), outro integrante do GT.

Gastão é presidente da Fecomércio do Ceará, instituição que representa as empresas de comércio, serviços e turismo. Para ele, o formato definido por Lira fará com que todos os setores sejam ouvidos, mas que as alterações sejam filtradas por um grupo maior para evitar distorções. “Nós vamos fazer um relatório a 14 mãos.”

O nome de Aguinaldo Ribeiro chegou a ser defendido publicamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a sua ausência, portanto, frustrou o governo e interlocutores da Fazenda, acostumados às negociações com o parlamentar. Mas lideranças governistas, ouvidas pela reportagem, afirmam que o modelo do G7 não é de todo ruim.

A avaliação é de que o formato de colegiado, com todos debatendo tudo, poderá blindar um pouco mais a reforma do que se o texto fosse fragmentado em várias mãos. Ai, sim, dizem, a influência de Lira seria ainda maior. No formato atual, o presidente da Câmara dividirá o poder com as lideranças dos sete maiores partidos da Casa.

BRASÍLIA - A Câmara começou a discutir o primeiro projeto que regulamenta a reforma tributária no País com um calendário apertado, uma relatoria dividida entre sete deputados e um movimento do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para se fortalecer na disputa pela sua sucessão.

O calendário estipulado por Lira prevê menos de 60 dias para a análise, a contar desta terça-feira, 28, pois ele quer votar a proposta antes do recesso parlamentar, que se inicia em 18 de julho. O objetivo é concluir a tramitação antes do segundo semestre, quando o foco dos parlamentares estará nas eleições municipais.

Arthur Lira e integrantes do GT de regulamentação da reforma tributária: Claudio Cajado (PP-BA) Reginaldo Lopes (PT-MG), Hildo Rocha (MDB-MA) Joaquim Passarinho (PL-PA), Augusto Coutinho (Republicanos-PE), Moses Rodrigues (União-CE) e Luiz Gastão (PSD-CE) Foto: Divulgação/Claudio Cajado

A regulamentação da reforma foi dividida em dois projetos de lei complementar. O primeiro deles, enviado pelo governo, traz a espinha dorsal do novo sistema: o funcionamento do Imposto sobre Valor Agregado (o IVA, que unificará cinco tributos) e do Imposto Seletivo, o chamado “imposto do pecado”, que incidirá sobre bens e serviços considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente.

É nesse projeto que se define, por exemplo, quais itens vão compor a cesta básica nacional, com alíquota zero, e como será o funcionamento do cashback, o sistema de devolução de parte dos tributos à população mais pobre. O secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, foi o convidado da primeira audiência pública na Câmara, nesta terça.

Lira impediu que o projeto fosse votado por comissões antes do plenário e nomeou sete deputados de sua confiança para dividir a relatoria. No plenário, ele terá o poder de pautar a proposta para votação. “Vai ser uma maneira mais democrática, nós vamos retalhar, nós vamos estratificar mais. Quando você concentra, é uma chance maior de errar”, disse o presidente da Câmara, em entrevista à GloboNews, no dia 25 de abril.

Tributaristas ouvidos pelo Estadão, no entanto, criticaram a não observância do regimento interno da Casa. Eles afirmam que esse modelo de tramitação retira a competência das comissões técnicas e fere a representação proporcional partidária, uma vez que a escolha dos deputados que compõem o GT é claramente política, e não observa a proporcionalidade da Câmara.

De acordo com aliados, o movimento é uma busca de Lira para se fortalecer na disputa pela sucessão do comando da Casa, marcada para fevereiro de 2025, e também para centralizar no grupo liderado por ele as negociações com o governo e com os setores econômicos interessados na reforma.

Os partidos encaminharam uma lista de nomes para integrar o grupo, sendo que algumas bancadas mandaram mais de uma opção. Os nomes, porém, foram escolhidos diretamente pelo presidente da Câmara, ouvindo aliados mais próximos e presidentes dos partidos, que influenciam diretamente na sucessão. Lira contemplou as legendas maiores e aquelas que tem pré-candidatos ao cargo.

A lista inclui o deputado Claudio Cajado (PP-BA), colega de partido de Lira e escolhido por ele como relator do arcabouço fiscal no ano passado, e parlamentares ligados ao setor de serviços, que se considerou prejudicado na reforma aprovada em 2023, como os deputados Luiz Gastão (PSD-CE) e Moses Rodrigues (União-CE).

Também estão Reginaldo Lopes (PT-MG), um dos petistas mais próximos a Lira na Casa, e Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), grupo ligado a empresas de comércio e serviços.

“O presidente Lira nos deu total autonomia. Ele só nos fez um pedido: não deixar aumentar a alíquota padrão do IVA (estimada atualmente pela Fazenda em 26,5%)”, afirmou Passarinho. “Todo mundo quer alguma condição especial. A nossa grande tarefa será não deixar isso acontecer para não pressionar a alíquota geral.”

Nos bastidores, este é o principal temor dos tributaristas: de que a relatoria ultra fragmentada criada por Lira facilite mudanças no texto, sobretudo por parte dos grupos mais organizados, que têm fácil acesso aos parlamentares, e dos que têm pontes com o presidente da Câmara.

Uma das maiores pressões é pela inclusão das carnes na cesta básica nacional, com alíquota zero. Um pleito dos supermercados e da bancada do agronegócio, o qual é visto com preocupação pelo Ministério da Fazenda devido ao impacto na alíquota padrão do IVA. Hoje, essas proteínas estão na lista de alíquotas reduzidas, com desconto de 60% em relação à cobrança cheia.

Além da ampliação da cesta, o setor supermercadista também defende a retirada de todos os alimentos da taxação integral do IVA, como ocorre com alguns itens classificados como artigos de luxo. Entre os peixes, por exemplo, pagarão 100% de imposto atum, bacalhau, salmão, trutas, lagosta e ovas (caviar). Entre as carnes, foies gras (fígado gordo). Cogumelos e trufas também estão nesse grupo.

“A ideia é a seguinte: ou estará na cesta (com alíquota zero) ou na lista com desconto de 60%. Isso para todos os alimentos”, afirma João Galassi, presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que já iniciou as conversas com os parlamentares.

Grupo fará ‘plantões’ para atender setores na sala 171

O grupo de trabalho é um colegiado formado para fazer discussões, reuniões e audiências públicas até elaborar o relatório, mas sem o poder de voto que uma comissão da Casa tem. É desse grupo que sairá o parecer para ser votado diretamente no plenário, controlado pelo deputado alagoano.

Lira reservou até uma sala de “plantão” para o núcleo dos sete deputados, no Anexo II da Câmara. Eles vão se revezar para atender parlamentares, representantes dos governos e lobistas que se interessam pelo projeto. E não são poucos. A proposta mexe nos tributos pagos por todas as empresas e consumidores do País.

O número da sala, porém, não agradou: 171. O mesmo do artigo do Código Penal que trata do crime de estelionato. “Vamos trocar esse número”, disse Passarinho, em meio a risadas, durante jantar realizado na sede da FPE na segunda-feira, 27. Na ocasião, seis dos sete deputados que compõem o GT receberam um relatório com sugestões de mudanças na proposta de regulamentação da reforma.

Sala 171, na Câmara dos Deputados, que foi reservada ao grupo de trabalho da reforma tributária para as conversas com empresários, tributaristas e representantes de entidades.  Foto: Wilton Júnior/Estadão

O texto foi elaborado por advogados e representantes de setores atingidos pelas alterações no sistema tributário. “Quem não foi atendido pelo governo está nos procurando bastante, como é o caso dos refrigerantes e bebidas açucaradas”, relata o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), um dos integrantes do grupo.

Ele presidiu a comissão especial da reforma tributária na legislatura passada, quando o projeto não foi aprovado, e é um dos que avalia ganhos para Lira com o formato definido desta vez. “É um grande legado que o Arthur Lira deixa, ao conseguir aprovar a reforma tributária fazendo a mudança constitucional e a regulamentação. É muito bom para ele”, diz.

Integrantes do chamado G-7 da reforma tributária disseram ao Estadão que Lira deu autonomia para o grupo fazer as discussões, sem definir quem será o relator oficial no plenário e nem dividir o texto por temas para cada um. O objetivo foi não concentrar protagonismo em nenhum deles no momento.

“Não vai ter relator, subrelator, coordenador. Todo mundo vai se envolver com tudo”, afirma Cajado, que considera essa relatoria mais desafiadora do que a do arcabouço, em 2023. A diferença, segundo ele, é o prazo exíguo. “Vamos ter de correr para votar. Não adianta ter feito a PEC sem regulamentar, então teremos de fazer um esforço grande”, diz ele, frisando que há consenso na Casa para a votação ocorrer até o recesso.

O presidente da Câmara deixou de fora do núcleo o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), seu colega de partido, que foi relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária e era o nome preferido do governo para relatar o texto.

“Estando no grupo, o deputado Aguinaldo poderia acabar inibindo a contribuição de outros pela sua própria natureza, mas será imprescindível a contribuição dele como um assessor permanente do grupo”, afirmou o deputado Luiz Gastão (PSD-CE), outro integrante do GT.

Gastão é presidente da Fecomércio do Ceará, instituição que representa as empresas de comércio, serviços e turismo. Para ele, o formato definido por Lira fará com que todos os setores sejam ouvidos, mas que as alterações sejam filtradas por um grupo maior para evitar distorções. “Nós vamos fazer um relatório a 14 mãos.”

O nome de Aguinaldo Ribeiro chegou a ser defendido publicamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a sua ausência, portanto, frustrou o governo e interlocutores da Fazenda, acostumados às negociações com o parlamentar. Mas lideranças governistas, ouvidas pela reportagem, afirmam que o modelo do G7 não é de todo ruim.

A avaliação é de que o formato de colegiado, com todos debatendo tudo, poderá blindar um pouco mais a reforma do que se o texto fosse fragmentado em várias mãos. Ai, sim, dizem, a influência de Lira seria ainda maior. No formato atual, o presidente da Câmara dividirá o poder com as lideranças dos sete maiores partidos da Casa.

BRASÍLIA - A Câmara começou a discutir o primeiro projeto que regulamenta a reforma tributária no País com um calendário apertado, uma relatoria dividida entre sete deputados e um movimento do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para se fortalecer na disputa pela sua sucessão.

O calendário estipulado por Lira prevê menos de 60 dias para a análise, a contar desta terça-feira, 28, pois ele quer votar a proposta antes do recesso parlamentar, que se inicia em 18 de julho. O objetivo é concluir a tramitação antes do segundo semestre, quando o foco dos parlamentares estará nas eleições municipais.

Arthur Lira e integrantes do GT de regulamentação da reforma tributária: Claudio Cajado (PP-BA) Reginaldo Lopes (PT-MG), Hildo Rocha (MDB-MA) Joaquim Passarinho (PL-PA), Augusto Coutinho (Republicanos-PE), Moses Rodrigues (União-CE) e Luiz Gastão (PSD-CE) Foto: Divulgação/Claudio Cajado

A regulamentação da reforma foi dividida em dois projetos de lei complementar. O primeiro deles, enviado pelo governo, traz a espinha dorsal do novo sistema: o funcionamento do Imposto sobre Valor Agregado (o IVA, que unificará cinco tributos) e do Imposto Seletivo, o chamado “imposto do pecado”, que incidirá sobre bens e serviços considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente.

É nesse projeto que se define, por exemplo, quais itens vão compor a cesta básica nacional, com alíquota zero, e como será o funcionamento do cashback, o sistema de devolução de parte dos tributos à população mais pobre. O secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, foi o convidado da primeira audiência pública na Câmara, nesta terça.

Lira impediu que o projeto fosse votado por comissões antes do plenário e nomeou sete deputados de sua confiança para dividir a relatoria. No plenário, ele terá o poder de pautar a proposta para votação. “Vai ser uma maneira mais democrática, nós vamos retalhar, nós vamos estratificar mais. Quando você concentra, é uma chance maior de errar”, disse o presidente da Câmara, em entrevista à GloboNews, no dia 25 de abril.

Tributaristas ouvidos pelo Estadão, no entanto, criticaram a não observância do regimento interno da Casa. Eles afirmam que esse modelo de tramitação retira a competência das comissões técnicas e fere a representação proporcional partidária, uma vez que a escolha dos deputados que compõem o GT é claramente política, e não observa a proporcionalidade da Câmara.

De acordo com aliados, o movimento é uma busca de Lira para se fortalecer na disputa pela sucessão do comando da Casa, marcada para fevereiro de 2025, e também para centralizar no grupo liderado por ele as negociações com o governo e com os setores econômicos interessados na reforma.

Os partidos encaminharam uma lista de nomes para integrar o grupo, sendo que algumas bancadas mandaram mais de uma opção. Os nomes, porém, foram escolhidos diretamente pelo presidente da Câmara, ouvindo aliados mais próximos e presidentes dos partidos, que influenciam diretamente na sucessão. Lira contemplou as legendas maiores e aquelas que tem pré-candidatos ao cargo.

A lista inclui o deputado Claudio Cajado (PP-BA), colega de partido de Lira e escolhido por ele como relator do arcabouço fiscal no ano passado, e parlamentares ligados ao setor de serviços, que se considerou prejudicado na reforma aprovada em 2023, como os deputados Luiz Gastão (PSD-CE) e Moses Rodrigues (União-CE).

Também estão Reginaldo Lopes (PT-MG), um dos petistas mais próximos a Lira na Casa, e Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), grupo ligado a empresas de comércio e serviços.

“O presidente Lira nos deu total autonomia. Ele só nos fez um pedido: não deixar aumentar a alíquota padrão do IVA (estimada atualmente pela Fazenda em 26,5%)”, afirmou Passarinho. “Todo mundo quer alguma condição especial. A nossa grande tarefa será não deixar isso acontecer para não pressionar a alíquota geral.”

Nos bastidores, este é o principal temor dos tributaristas: de que a relatoria ultra fragmentada criada por Lira facilite mudanças no texto, sobretudo por parte dos grupos mais organizados, que têm fácil acesso aos parlamentares, e dos que têm pontes com o presidente da Câmara.

Uma das maiores pressões é pela inclusão das carnes na cesta básica nacional, com alíquota zero. Um pleito dos supermercados e da bancada do agronegócio, o qual é visto com preocupação pelo Ministério da Fazenda devido ao impacto na alíquota padrão do IVA. Hoje, essas proteínas estão na lista de alíquotas reduzidas, com desconto de 60% em relação à cobrança cheia.

Além da ampliação da cesta, o setor supermercadista também defende a retirada de todos os alimentos da taxação integral do IVA, como ocorre com alguns itens classificados como artigos de luxo. Entre os peixes, por exemplo, pagarão 100% de imposto atum, bacalhau, salmão, trutas, lagosta e ovas (caviar). Entre as carnes, foies gras (fígado gordo). Cogumelos e trufas também estão nesse grupo.

“A ideia é a seguinte: ou estará na cesta (com alíquota zero) ou na lista com desconto de 60%. Isso para todos os alimentos”, afirma João Galassi, presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que já iniciou as conversas com os parlamentares.

Grupo fará ‘plantões’ para atender setores na sala 171

O grupo de trabalho é um colegiado formado para fazer discussões, reuniões e audiências públicas até elaborar o relatório, mas sem o poder de voto que uma comissão da Casa tem. É desse grupo que sairá o parecer para ser votado diretamente no plenário, controlado pelo deputado alagoano.

Lira reservou até uma sala de “plantão” para o núcleo dos sete deputados, no Anexo II da Câmara. Eles vão se revezar para atender parlamentares, representantes dos governos e lobistas que se interessam pelo projeto. E não são poucos. A proposta mexe nos tributos pagos por todas as empresas e consumidores do País.

O número da sala, porém, não agradou: 171. O mesmo do artigo do Código Penal que trata do crime de estelionato. “Vamos trocar esse número”, disse Passarinho, em meio a risadas, durante jantar realizado na sede da FPE na segunda-feira, 27. Na ocasião, seis dos sete deputados que compõem o GT receberam um relatório com sugestões de mudanças na proposta de regulamentação da reforma.

Sala 171, na Câmara dos Deputados, que foi reservada ao grupo de trabalho da reforma tributária para as conversas com empresários, tributaristas e representantes de entidades.  Foto: Wilton Júnior/Estadão

O texto foi elaborado por advogados e representantes de setores atingidos pelas alterações no sistema tributário. “Quem não foi atendido pelo governo está nos procurando bastante, como é o caso dos refrigerantes e bebidas açucaradas”, relata o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), um dos integrantes do grupo.

Ele presidiu a comissão especial da reforma tributária na legislatura passada, quando o projeto não foi aprovado, e é um dos que avalia ganhos para Lira com o formato definido desta vez. “É um grande legado que o Arthur Lira deixa, ao conseguir aprovar a reforma tributária fazendo a mudança constitucional e a regulamentação. É muito bom para ele”, diz.

Integrantes do chamado G-7 da reforma tributária disseram ao Estadão que Lira deu autonomia para o grupo fazer as discussões, sem definir quem será o relator oficial no plenário e nem dividir o texto por temas para cada um. O objetivo foi não concentrar protagonismo em nenhum deles no momento.

“Não vai ter relator, subrelator, coordenador. Todo mundo vai se envolver com tudo”, afirma Cajado, que considera essa relatoria mais desafiadora do que a do arcabouço, em 2023. A diferença, segundo ele, é o prazo exíguo. “Vamos ter de correr para votar. Não adianta ter feito a PEC sem regulamentar, então teremos de fazer um esforço grande”, diz ele, frisando que há consenso na Casa para a votação ocorrer até o recesso.

O presidente da Câmara deixou de fora do núcleo o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), seu colega de partido, que foi relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária e era o nome preferido do governo para relatar o texto.

“Estando no grupo, o deputado Aguinaldo poderia acabar inibindo a contribuição de outros pela sua própria natureza, mas será imprescindível a contribuição dele como um assessor permanente do grupo”, afirmou o deputado Luiz Gastão (PSD-CE), outro integrante do GT.

Gastão é presidente da Fecomércio do Ceará, instituição que representa as empresas de comércio, serviços e turismo. Para ele, o formato definido por Lira fará com que todos os setores sejam ouvidos, mas que as alterações sejam filtradas por um grupo maior para evitar distorções. “Nós vamos fazer um relatório a 14 mãos.”

O nome de Aguinaldo Ribeiro chegou a ser defendido publicamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a sua ausência, portanto, frustrou o governo e interlocutores da Fazenda, acostumados às negociações com o parlamentar. Mas lideranças governistas, ouvidas pela reportagem, afirmam que o modelo do G7 não é de todo ruim.

A avaliação é de que o formato de colegiado, com todos debatendo tudo, poderá blindar um pouco mais a reforma do que se o texto fosse fragmentado em várias mãos. Ai, sim, dizem, a influência de Lira seria ainda maior. No formato atual, o presidente da Câmara dividirá o poder com as lideranças dos sete maiores partidos da Casa.

BRASÍLIA - A Câmara começou a discutir o primeiro projeto que regulamenta a reforma tributária no País com um calendário apertado, uma relatoria dividida entre sete deputados e um movimento do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para se fortalecer na disputa pela sua sucessão.

O calendário estipulado por Lira prevê menos de 60 dias para a análise, a contar desta terça-feira, 28, pois ele quer votar a proposta antes do recesso parlamentar, que se inicia em 18 de julho. O objetivo é concluir a tramitação antes do segundo semestre, quando o foco dos parlamentares estará nas eleições municipais.

Arthur Lira e integrantes do GT de regulamentação da reforma tributária: Claudio Cajado (PP-BA) Reginaldo Lopes (PT-MG), Hildo Rocha (MDB-MA) Joaquim Passarinho (PL-PA), Augusto Coutinho (Republicanos-PE), Moses Rodrigues (União-CE) e Luiz Gastão (PSD-CE) Foto: Divulgação/Claudio Cajado

A regulamentação da reforma foi dividida em dois projetos de lei complementar. O primeiro deles, enviado pelo governo, traz a espinha dorsal do novo sistema: o funcionamento do Imposto sobre Valor Agregado (o IVA, que unificará cinco tributos) e do Imposto Seletivo, o chamado “imposto do pecado”, que incidirá sobre bens e serviços considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente.

É nesse projeto que se define, por exemplo, quais itens vão compor a cesta básica nacional, com alíquota zero, e como será o funcionamento do cashback, o sistema de devolução de parte dos tributos à população mais pobre. O secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, foi o convidado da primeira audiência pública na Câmara, nesta terça.

Lira impediu que o projeto fosse votado por comissões antes do plenário e nomeou sete deputados de sua confiança para dividir a relatoria. No plenário, ele terá o poder de pautar a proposta para votação. “Vai ser uma maneira mais democrática, nós vamos retalhar, nós vamos estratificar mais. Quando você concentra, é uma chance maior de errar”, disse o presidente da Câmara, em entrevista à GloboNews, no dia 25 de abril.

Tributaristas ouvidos pelo Estadão, no entanto, criticaram a não observância do regimento interno da Casa. Eles afirmam que esse modelo de tramitação retira a competência das comissões técnicas e fere a representação proporcional partidária, uma vez que a escolha dos deputados que compõem o GT é claramente política, e não observa a proporcionalidade da Câmara.

De acordo com aliados, o movimento é uma busca de Lira para se fortalecer na disputa pela sucessão do comando da Casa, marcada para fevereiro de 2025, e também para centralizar no grupo liderado por ele as negociações com o governo e com os setores econômicos interessados na reforma.

Os partidos encaminharam uma lista de nomes para integrar o grupo, sendo que algumas bancadas mandaram mais de uma opção. Os nomes, porém, foram escolhidos diretamente pelo presidente da Câmara, ouvindo aliados mais próximos e presidentes dos partidos, que influenciam diretamente na sucessão. Lira contemplou as legendas maiores e aquelas que tem pré-candidatos ao cargo.

A lista inclui o deputado Claudio Cajado (PP-BA), colega de partido de Lira e escolhido por ele como relator do arcabouço fiscal no ano passado, e parlamentares ligados ao setor de serviços, que se considerou prejudicado na reforma aprovada em 2023, como os deputados Luiz Gastão (PSD-CE) e Moses Rodrigues (União-CE).

Também estão Reginaldo Lopes (PT-MG), um dos petistas mais próximos a Lira na Casa, e Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), grupo ligado a empresas de comércio e serviços.

“O presidente Lira nos deu total autonomia. Ele só nos fez um pedido: não deixar aumentar a alíquota padrão do IVA (estimada atualmente pela Fazenda em 26,5%)”, afirmou Passarinho. “Todo mundo quer alguma condição especial. A nossa grande tarefa será não deixar isso acontecer para não pressionar a alíquota geral.”

Nos bastidores, este é o principal temor dos tributaristas: de que a relatoria ultra fragmentada criada por Lira facilite mudanças no texto, sobretudo por parte dos grupos mais organizados, que têm fácil acesso aos parlamentares, e dos que têm pontes com o presidente da Câmara.

Uma das maiores pressões é pela inclusão das carnes na cesta básica nacional, com alíquota zero. Um pleito dos supermercados e da bancada do agronegócio, o qual é visto com preocupação pelo Ministério da Fazenda devido ao impacto na alíquota padrão do IVA. Hoje, essas proteínas estão na lista de alíquotas reduzidas, com desconto de 60% em relação à cobrança cheia.

Além da ampliação da cesta, o setor supermercadista também defende a retirada de todos os alimentos da taxação integral do IVA, como ocorre com alguns itens classificados como artigos de luxo. Entre os peixes, por exemplo, pagarão 100% de imposto atum, bacalhau, salmão, trutas, lagosta e ovas (caviar). Entre as carnes, foies gras (fígado gordo). Cogumelos e trufas também estão nesse grupo.

“A ideia é a seguinte: ou estará na cesta (com alíquota zero) ou na lista com desconto de 60%. Isso para todos os alimentos”, afirma João Galassi, presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que já iniciou as conversas com os parlamentares.

Grupo fará ‘plantões’ para atender setores na sala 171

O grupo de trabalho é um colegiado formado para fazer discussões, reuniões e audiências públicas até elaborar o relatório, mas sem o poder de voto que uma comissão da Casa tem. É desse grupo que sairá o parecer para ser votado diretamente no plenário, controlado pelo deputado alagoano.

Lira reservou até uma sala de “plantão” para o núcleo dos sete deputados, no Anexo II da Câmara. Eles vão se revezar para atender parlamentares, representantes dos governos e lobistas que se interessam pelo projeto. E não são poucos. A proposta mexe nos tributos pagos por todas as empresas e consumidores do País.

O número da sala, porém, não agradou: 171. O mesmo do artigo do Código Penal que trata do crime de estelionato. “Vamos trocar esse número”, disse Passarinho, em meio a risadas, durante jantar realizado na sede da FPE na segunda-feira, 27. Na ocasião, seis dos sete deputados que compõem o GT receberam um relatório com sugestões de mudanças na proposta de regulamentação da reforma.

Sala 171, na Câmara dos Deputados, que foi reservada ao grupo de trabalho da reforma tributária para as conversas com empresários, tributaristas e representantes de entidades.  Foto: Wilton Júnior/Estadão

O texto foi elaborado por advogados e representantes de setores atingidos pelas alterações no sistema tributário. “Quem não foi atendido pelo governo está nos procurando bastante, como é o caso dos refrigerantes e bebidas açucaradas”, relata o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), um dos integrantes do grupo.

Ele presidiu a comissão especial da reforma tributária na legislatura passada, quando o projeto não foi aprovado, e é um dos que avalia ganhos para Lira com o formato definido desta vez. “É um grande legado que o Arthur Lira deixa, ao conseguir aprovar a reforma tributária fazendo a mudança constitucional e a regulamentação. É muito bom para ele”, diz.

Integrantes do chamado G-7 da reforma tributária disseram ao Estadão que Lira deu autonomia para o grupo fazer as discussões, sem definir quem será o relator oficial no plenário e nem dividir o texto por temas para cada um. O objetivo foi não concentrar protagonismo em nenhum deles no momento.

“Não vai ter relator, subrelator, coordenador. Todo mundo vai se envolver com tudo”, afirma Cajado, que considera essa relatoria mais desafiadora do que a do arcabouço, em 2023. A diferença, segundo ele, é o prazo exíguo. “Vamos ter de correr para votar. Não adianta ter feito a PEC sem regulamentar, então teremos de fazer um esforço grande”, diz ele, frisando que há consenso na Casa para a votação ocorrer até o recesso.

O presidente da Câmara deixou de fora do núcleo o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), seu colega de partido, que foi relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária e era o nome preferido do governo para relatar o texto.

“Estando no grupo, o deputado Aguinaldo poderia acabar inibindo a contribuição de outros pela sua própria natureza, mas será imprescindível a contribuição dele como um assessor permanente do grupo”, afirmou o deputado Luiz Gastão (PSD-CE), outro integrante do GT.

Gastão é presidente da Fecomércio do Ceará, instituição que representa as empresas de comércio, serviços e turismo. Para ele, o formato definido por Lira fará com que todos os setores sejam ouvidos, mas que as alterações sejam filtradas por um grupo maior para evitar distorções. “Nós vamos fazer um relatório a 14 mãos.”

O nome de Aguinaldo Ribeiro chegou a ser defendido publicamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a sua ausência, portanto, frustrou o governo e interlocutores da Fazenda, acostumados às negociações com o parlamentar. Mas lideranças governistas, ouvidas pela reportagem, afirmam que o modelo do G7 não é de todo ruim.

A avaliação é de que o formato de colegiado, com todos debatendo tudo, poderá blindar um pouco mais a reforma do que se o texto fosse fragmentado em várias mãos. Ai, sim, dizem, a influência de Lira seria ainda maior. No formato atual, o presidente da Câmara dividirá o poder com as lideranças dos sete maiores partidos da Casa.

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