BRASÍLIA - Frentes parlamentares articulam aprovar na Câmara, no início do próximo ano, um projeto de lei para micro e pequenas empresas renegociarem dívidas de até R$ 150 mil com instituições financeiras.
Segundo o deputado Jorge Goetten (PL-SC), autor da proposta, a ideia é que o desconto no pagamento de juros seja de pelo menos 50%. O texto foi inspirado no Desenrola, programa do governo Lula para pessoas físicas inadimplentes.
Goetten considera “difícil” que a proposta evolua para um “Refis”, com a inclusão de débitos tributários na renegociação, porque isso significaria uma renúncia fiscal no momento em que o Ministério da Fazenda tenta reduzir o rombo das contas públicas. No entanto, a intenção é de fato ampliar o escopo do programa se houver apoio político, segundo o deputado.
O projeto cria o “Programa Emergencial de Renegociação de Dívidas de Micro e Pequenas Empresas – Desenrola MPEs”. Por enquanto, o foco é na renegociação de dívidas financeiras de até R$ 150 mil de negócios que foram beneficiadas no Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), criado em 2020 na pandemia de covid-19, durante o governo Bolsonaro, para facilitar a tomada de crédito por essas companhias.
O deputado do PL ressaltou que muitas empresas que aderiram ao Pronampe estão inadimplentes hoje porque fizeram empréstimos que em parte tinha como base a Selic, à época em 2% ao ano, e não conseguiram continuar honrando os pagamentos quando a taxa básica de juros começou a subir e chegou a 13,75% ao ano, nível considerado “estratosférico” pelo parlamentar — o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central iniciou em agosto o ciclo de corte nos juros, mas a Selic ainda está em 12,25% ao ano.
“Esse pessoal está inadimplente não porque queiram, mas porque não conseguiram pagar esse juro absurdo. E foi muito rápido esse crescimento (da taxa Selic)”, disse Goetten ao Estadão/Broadcast. A renegociação seria feita, segundo o texto do projeto, com lastro do Fundo de Garantia de Operações (FGO), que usa recursos do Tesouro Nacional para avalizar empréstimos do Pronampe.
“Na verdade, o capital já foi pago há tempo. Agora, as parcelas são mais para pagar o juro das prestações. Então, dá uma condição de renegociar, uma suspensão, uma carência para voltar a pagar num prazo determinado, em seis meses, e com um bom desconto que seja atrativo, para ele dar um fôlego e continuar operando seu negócio”, emendou o deputado, que é vice-presidente da Frente Parlamentar Mista das Micro e Pequenas Empresas.
O texto apresentado na Câmara pelo parlamentar não define de quanto seria o desconto para as micro e pequenas empresas que aderissem ao “Desenrola MPEs”. Essas regras devem ser negociadas durante a tramitação do projeto, mas Goetten afirma que as condições precisam ser atrativas.
“Tem que ser um desconto de, no mínimo, 50%. Uma prestação de R$ 1 mil ficaria R$ 500, uma prestação de R$ 5 mil ficaria R$ 2,5 mil, e já dá o fôlego necessário”, afirmou, ao frisar que os inadimplentes ficam sem possibilidade de tomar mais crédito para fazer girar seu negócio.
“Eu penso que na Câmara a gente não vai ter dificuldade. Estamos montando várias frentes que se conectam com a micro e pequena empresa, desde a Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), a do Brasil Competitivo, a de Serviços e a própria Frente da Micro e Pequena Empresa. A gente está unificando essas pautas para fazer uma agenda legislativa”, afirmou o deputado, que já discutiu o assunto em almoço da FPE.
Goetten disse que já conversou sobre o assunto com o ministro do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, Márcio França, que ficaria responsável pela operação do programa, e com o vice-presidente Geraldo Alckmin. Ele também já mencionou o tema ao secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, e ao secretário de Reformas Econômicas da Fazenda, Marcos Pinto. Segundo o deputado, todos foram “muito solícitos”.
“Eu penso que é uma pauta do governo também, que fez o Desenrola do estudante, do produtor rural, da pessoa física”, afirmou, em referência aos descontos oferecidos pelo governo para a renegociação de dívidas do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e a um programa estudado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário para renegociar dívidas de pequenos agricultores.
A ideia de Goetten é marcar uma reunião para tratar do assunto na Fazenda assim que o presidente da Frente Parlamentar das Micro e Pequenas Empresas, Helder Salomão (PT-ES), retornar de uma viagem à Espanha. Ao ser questionado sobre uma eventual transformação do “Desenrola MPEs” em um amplo Refis para micro e pequenas empresas, o deputado do PL considerou a possibilidade “difícil”, mas disse que avançaria nessa ideia se houvesse apoio.
“Fala-se bastante agora, e é importante, em déficit zero. Qualquer pauta que chegue como renúncia fiscal é muito difícil. A gente está tentando há muitos anos aumentar o teto da micro e pequena empresa e do MEI, e a gente não consegue porque o governo não vê condições de fazer essa renúncia”, afirmou. “A gente tem que ver o que é possível. Mas se pudermos avançar também na renegociação dos tributos seria ótimo”, emendou.
O sucesso do programa Desenrola, originalmente concebido para a renegociação de dívidas de pessoas físicas, tem multiplicado as iniciativas para adaptá-lo para outras frentes, como o caso das pequenas empresas e até para o agronegócio. Na Fazenda, técnicos comentam que, neste momento, não há estrutura para absorver outras frentes. O Desenrola permite a adesão de pessoas físicas até 31 de dezembro.
A formatação de um programa para pequenas empresas pode ser discutida com os técnicos, mas uma eventual evolução para um programa de Refis não seria interessante à Fazenda. No pacote de medidas para ampliar as receitas em 2024, a Fazenda incluiu novas regras transacionais para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e Receita Federal, com expectativa de arrecadar até R$ 43 bilhões em 2024, como mostrou o Estadão/Broadcast.
Essas mudanças para a transação tributária foram feitas no âmbito do projeto de lei que retomou o voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). No caso da PGFN, a lei do Carf ampliou o leque de possibilidades de acordos para esse escopo tecnicamente chamado de teses de relevante e disseminada controvérsia. Já para a Receita, a permissão de fazer transações tributárias foi considerada um trunfo do pacote de medidas.