Campos Neto: Nunca liguei para Guedes para dizer que ia mudar para A, B ou C; não farei isso agora


Segundo presidente do Banco Central, alterações no Copom precisam ser avisadas para todo mundo ao mesmo tempo: ‘Em nenhum momento passou pela minha cabeça ligar (antes) para um ministro’

Por Alvaro Gribel e Célia Froufe
Atualização:
Foto: Gabriela Biló/Estadão
Entrevista comRoberto Campos NetoPresidente do Banco Central

BRASÍLIA - Em sua primeira entrevista exclusiva depois da reunião do Copom que reduziu o ritmo de cortes de juros e causou divisão entre os diretores do Banco Central, o presidente do órgão, Roberto Campos Neto, defendeu a forma de o BC se comunicar e de mudar o chamado “guidance”, ou a orientação sobre a política monetária. Questionado sobre se poderia ter informado o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que mudaria essa orientação, antes de um evento para investidores em Nova York, Campos Neto afirmou que nunca fez isso, nem no governo anterior, e que não o fará agora.

“Já teve muitas mudanças de guidance - estou aqui há seis anos - e em nenhum momento passou pela minha cabeça ligar para o ministro Paulo Guedes para falar que eu achava que o guidance ia mudar para A, B ou C. É uma prerrogativa do Banco Central, que tem autonomia. Nunca fiz isso no governo anterior e com certeza não planejo fazer neste”, afirmou.

Segundo ele, os diretores do Banco Central chegaram a discutir internamente os efeitos da divisão do colegiado - que decidiu, por 5 a 4, cortar a Selic em 0,25 ponto porcentual (pp) - e que isso levaria a vários tipos de interpretação pelo mercado financeiro. Mas, ao fim, o entendimento foi de que era importante que cada um tivesse a sua opinião.

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“Chegamos à conclusão de que, do jeito que o voto se desenhou, poderia ter vários tipos de interpretação. A gente entendia que era importante cada um seguir com a sua opinião, e entendemos que aquela divisão teria tempo de explicar. Que a reunião foi baseada em aspectos técnicos”, afirmou.

Campos Neto também afirmou que vários diretores haviam expressado dúvidas sobre o ritmo de cortes da Selic, pela mudança no cenário internacional e também interno. E que não houve divergência em relação às “condicionantes” do cenário, mas se elas seriam suficientes para justificar um corte menor dos juros.

“Todo mundo nesta reunião achou que as condicionantes eram relevantes. A questão é: dado que a gente tinha um guidance, dado que havia uma conversa sobre diminuir o ritmo, de 0,5 pp para 0,25 pp, o que a gente achava que era relevante e que justificava isso? Aí sim teve divergência”, disse.

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Leia os principais trechos da entrevista:

A última reunião do Copom gerou bastante ruído, com a divisão de quatro diretores em relação à comunicação formal do Banco Central. Que balanço o sr. faz desse episódio?

Estamos trabalhando dentro do padrão. Temos poucas comunicações oficiais: ata, relatório de inflação, algumas reuniões. Quando o mercado muda, alguma coisa acontece, e você quer passar uma mensagem, a preocupação é que nunca seja em um ambiente fechado. A informação tem de chegar para todos ao mesmo tempo. Além disso, não existe entre nós nenhum tipo de regra ou arranjo que alguém precise consultar o outro. Cada um tem liberdade de expressão. Vários diretores falaram coisas durante os últimos cinco anos que mexeram com o mercado, e em nenhum momento eu falei: ‘Poxa, falou algo que tinha de ser combinado’. Não temos essa regra no Banco Central do Brasil, nem pretendemos ter. Como teve a notícia do fiscal no Brasil (de alteração da meta), e na mesma semana uma mudança no cenário dos EUA, uma fala mais dura (por parte do BC brasileiro), tentando qualificar mais, evitasse uma desancoragem maior da inflação. Foi uma conjunção de fatores.

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Mas os diretores ainda pretendem conversar sobre a comunicação?

A gente valoriza a comunicação. Mas acontece que há mudança de cenários em momentos em que não temos comunicação formal. E aí vale a regra que eu mencionei.

O ministro Fernando Haddad teria ficado incomodado de saber sobre a mudança pela imprensa. O sr. acha que era o caso de ter falado com ele antes?

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Já teve muitas mudanças de guidance – estou aqui há quase seis anos – e em nenhum momento passou pela minha cabeça ligar para o ministro Paulo Guedes para falar que eu achava que o guidance ia mudar para A, B ou C. É uma prerrogativa do Banco Central, que tem autonomia. Nunca fiz isso no governo anterior e com certeza não planejo fazer neste.

'Estou acostumado a críticas e não influenciam em nada minha decisão', disse Campos Neto Foto: Gabriela Biló/Estadão

No seminário do BC na última quarta-feira, o sr. falou além do roteiro previsto. Foi um desabafo, em razão do Copom?

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Não teve desabafo nem nada diferente disso, só queria fixar as mensagens que em parte já estavam no discurso. É uma estratégia já de muito tempo ressaltar pontos para ficarem três ou quatro mensagens fixadas.

Esse período entre o comunicado e a ata demorou a passar, pelo ruído causado. Vocês pensam em adotar um formato como o do Fed, com entrevista coletiva?

Esse é um questionamento constante, mas tenho de dizer que escutamos reclamação de todos os lados. O comunicado era algo de um parágrafo. E diziam que tinha que esperar até a ata. Fomos aumentando. A experiência do Fed não sei se é tão boa. Não existe forma perfeita de comunicação, a gente sempre busca a melhor forma possível. Agora, a forma de comunicação ideal não é a que vai se ajustar a todos episódios, mas a uma média. Vai ter um episódio ou outro que talvez a forma vá otimizar a média.

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Tirando a divisão da comunicação, a ata mostrou convergência de diagnóstico sobre a inflação. Como o sr. vê a próxima reunião?

Todo mundo nesta reunião achou que as condicionantes eram relevantes. A questão é: dado que a gente tinha um guidance, dado que havia uma conversa sobre diminuir o ritmo, de 0,5 pp para 0,25 pp, o que a gente achava que era relevante e que justificava isso? Aí sim teve divergência. Mas era na gradação das condicionantes. A maioria entendeu que justificava (mudar os juros) dada a mudança nas condicionantes. Teve gente que dizia que quando se reconhece – e isso é bem relevante – que havia uma desancoragem parcial, e você passou a dizer que está desancorado, isso por si só justificaria a mudança. O que é importante é passar a mensagem que a reunião é técnica, o debate é técnico, e opiniões divergentes fazem parte.

Era claro que a divisão traria volatilidade. Vocês não tentaram arregimentar para um lado ou para o outro para tentar evitar isso?

Os debates são geralmente feitos de tal forma que cada diretor explica o seu voto, desenha o cenário, fala sobre os riscos, mas não existe no Copom um exercício de um tentar convencer o outro. Cada um dá sua opinião.

Mas não dá para sentir o clima, para onde vai?

Dá, mas nem sempre é o que se materializa no dia. E não podemos antecipar uma reunião do Copom. A gente discute, tenho reunião individual com cada um. Sinto o clima, mas nem sempre consigo extrair o voto. Desta vez, vários diretores disseram que estavam em dúvida. Mas o grosso do debate é no dia. A pergunta é se o fato em si, de ter a divisão, poderia afetar o mercado de forma diferenciada. Sim, isso foi discutido.

E como foi essa discussão?

Chegamos à conclusão de que do jeito que o voto se desenhou poderia ter vários tipos de interpretação. A gente entendia que era importante cada um seguir com a sua opinião, e a gente entendeu que aquela divisão teria tempo de explicar. Que a reunião foi baseada em aspectos técnicos.

O que é importante é passar a mensagem que a reunião é técnica, o debate é técnico, e opiniões divergentes fazem parte.

Roberto Campos Neto, presidente do BC

O sr. acha que deu certo?

Não cabe certo ou errado, cada um tem de avaliar o seu voto. Ter a sua coerência. Os diretores falam publicamente. Essa é a forma de o BC trabalhar. Independentemente da votação ou da forma, se a decisão é técnica, e se a gente consegue comunicar com qualidade ou transparência, o mercado entende.

Dá para dizer que o episódio foi superado?

Não é o caso de estar superado, porque vai parecer que houve um erro para superar. Como não acho que houve erro, não consigo ver essa palavra. Se isso não for suficiente, o tempo vai dizer que as reuniões são técnicas e ao longo do tempo isso vai ficar comprovado.

O sr. vê possibilidade de novos cortes da Selic?

Não posso adiantar novos cortes. Precisamos de tempo, serenidade e calma para saber como as variáveis vão se desenrolar.

A próxima reunião é daqui a um mês. O que vai ser mais decisivo no voto do sr.?

Não tenho como dizer se tem uma variável mais preocupante, todas são correlacionadas. Temos inflação corrente, expectativas de inflação, do Focus e inflação implícita, cenário externo, tema geopolítico que está balançando, o que isso significa para o preço do petróleo, a gente tem o tema do que vai significar a reconstrução do Rio Grande do Sul, sobre a inflação, o crescimento. Não tem uma coisa só.

Já tem dois ou três meses que fala-se de balanço de riscos piorado, mas não se muda. Alguns membros falaram da necessidade de mudar. Como é decidido?

Obviamente quando tem maioria a gente tem de mudar. Como eu disse inicialmente, a ata é descritiva. Todos os assuntos durante a reunião que foram relevantes a gente tem de mencionar na ata. Então, se dois ou três diretores mencionam que já é suficiente para mudar e houve debate, a gente se vê obrigado a relatar isso na ata.

E o sr. estava entre eles?

Não posso dizer. Se a gente determinasse nossa comunicação com votos e opinião de cada um, eu assim o faria. Mas como a gente não faz assim, não acho que seria o mais correto falar.

O sr. citou que seu voto foi decisivo no início dos cortes da Selic e agora também, para reduzir o ritmo de queda. É esse o peso da presidência?

Todas as opiniões dos diretores têm peso. Cada um vai explicar seus argumentos e pagar o preço de reputação pela opinião ao longo do tempo, o que é bom para o sistema. Se o voto é decisivo ou não, é matemática.

O sr. está pronto para críticas, principalmente do presidente Lula e do PT, caso o BC decida interromper os cortes?

Não acho que crítica seja ruim. Depois deste Copom, não vi tantas críticas, vi avaliações de que foi técnico. O mercado reagiu de forma ao que poderia ser uma coisa política e vi membros do governo dizendo que foi uma decisão técnica. Achei superpositivo, inclusive. Converge com o que eu penso e com o que aconteceu. A gente vai fazer o que achar que é certo e vamos explicar. A decisão é tomada com as informações que temos no dia. Estou acostumado a críticas e não influenciam em nada minha decisão.

Essa pressão começa a ser dividida com uma nova diretoria sendo indicada?

Cada pessoa sente a pressão de um jeito diferente. Continuo achando que estou trabalhando do mesmo jeito, tentando ser o mais transparente e comunicar da melhor forma possível, respeitando a opinião de todos na reunião. Nunca tentei convencer ninguém e nunca disse que uma declaração não poderia ser feita.

O sr. acredita que a autonomia orçamentária do BC será aprovada ainda durante seu mandato?

De onde estou, não tenho capacidade de contar voto e ver probabilidades. O BC precisa desesperadamente de uma modernização administrativa e financeira porque assumimos um papel de continuar o movimento de inovação e precisamos de modernização. Não é um projeto meu, é do País. Todos os diretores apoiam o projeto. O projeto é do Legislativo e provavelmente vão fazer modificações. O relator (senador Plínio Valério, PSDB-AM) apresentando o projeto e colocando na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para votar se inicia um processo.

Sobre o fiscal, consegue enxergar a estabilização da dívida?

Mais importante do que o que eu acho da curva é o que o mercado entende o que é essa curva. Dado que perdeu um pouco de credibilidade com o fiscal, é preciso ver qual a implicação para a política monetária. Tem gente que não tem expectativa de convergência tão breve e tem uns que nem têm expectativa de convergência. Tem um pedaço (da precificação) do mercado que é o exterior e outro que não é. Se o externo se recuperar, o que não é (o externo) vai ficar mais aparente. Dado que tem uma percepção de que a credibilidade fiscal está sendo questionada, se houver descasamento das políticas fiscal e monetária, o custo de desinflação é mais alto e isso pode significar juro mais alto por mais tempo.

O episódio da Petrobras vai influenciar de alguma forma decisão de política monetária?

Diretamente, não. A questão é: o que o evento Petrobras causa nas variáveis que são importantes para a gente, como inflação implícita, câmbio, expectativa de inflação, prêmios longos? Será que vai se transformar numa expectativa de que o preço do combustível vai ser artificialmente baixo e terá uma conta na frente, se transformando num problema fiscal? Isso a gente precisa ver. Ontem (quarta-feira) foi um dia em que os mercados internacionais melhoraram muito e o Brasil, nada, em função dessa notícia. Qualquer notícia que cause incerteza no mercado em relação a variáveis macroeconômicas que são importantes para a nossa tomada de decisão tem efeito, mas não sei se vai ser o caso.

O sr. já falou do Rio Grande do Sul. Como esses eventos climáticos vão entrar na análise dos BCs?

Espero que sirvam de alarme. Temos de fazer alguma coisa sobre o assunto. Fator climático tem influência na nossa missão, que é estabilidade de preços e do sistema financeiro. Temos bancos que dependem muito daquela região e do que acontece com os preços: a questão do arroz, será que a logística será muito afetada? Esse assunto precisa estar no centro da agenda. Venho falando disso há muito tempo. Na opinião do BC, este é um tema que precisa de uma atenção maior.

Quando o sr. acha que o Fed vai começar a cortar os juros?

O mercado trabalha com extremos. Estava muito entusiasmado, prevendo cortes em março. Eu achava que não era compatível com a clareza que tinha dos fatores de desinflação. Em algum momento se precificou alta de juros e eu via desinflação lenta, com alguma pressão na parte de trabalho, mas também não vejo que a inflação voltasse a subir. Não estava num extremo num momento e agora também não estou nesse outro. A gente já vê que os países mais pobres estão com um pouco mais de dificuldade de acessar a liquidez global. Hoje, o mercado vê duas quedas (de juros). Se é uma ou se são duas, não consigo dizer. Como presidente do BC, não posso fazer projeção para juro americano (risos).

O sr. tem expectativa de terminar o mandato com as projeções de inflação do Brasil na meta?

Tenho o objetivo de fazer o máximo possível para que isso aconteça. Agora, garantir resultados é difícil. É importante perseguir a meta. Fala-se de centro, banda… a melhor forma de contribuir para o crescimento sustentável, sem gerar desigualdade é com inflação baixa. Isso já está comprovado.

BRASÍLIA - Em sua primeira entrevista exclusiva depois da reunião do Copom que reduziu o ritmo de cortes de juros e causou divisão entre os diretores do Banco Central, o presidente do órgão, Roberto Campos Neto, defendeu a forma de o BC se comunicar e de mudar o chamado “guidance”, ou a orientação sobre a política monetária. Questionado sobre se poderia ter informado o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que mudaria essa orientação, antes de um evento para investidores em Nova York, Campos Neto afirmou que nunca fez isso, nem no governo anterior, e que não o fará agora.

“Já teve muitas mudanças de guidance - estou aqui há seis anos - e em nenhum momento passou pela minha cabeça ligar para o ministro Paulo Guedes para falar que eu achava que o guidance ia mudar para A, B ou C. É uma prerrogativa do Banco Central, que tem autonomia. Nunca fiz isso no governo anterior e com certeza não planejo fazer neste”, afirmou.

Segundo ele, os diretores do Banco Central chegaram a discutir internamente os efeitos da divisão do colegiado - que decidiu, por 5 a 4, cortar a Selic em 0,25 ponto porcentual (pp) - e que isso levaria a vários tipos de interpretação pelo mercado financeiro. Mas, ao fim, o entendimento foi de que era importante que cada um tivesse a sua opinião.

“Chegamos à conclusão de que, do jeito que o voto se desenhou, poderia ter vários tipos de interpretação. A gente entendia que era importante cada um seguir com a sua opinião, e entendemos que aquela divisão teria tempo de explicar. Que a reunião foi baseada em aspectos técnicos”, afirmou.

Campos Neto também afirmou que vários diretores haviam expressado dúvidas sobre o ritmo de cortes da Selic, pela mudança no cenário internacional e também interno. E que não houve divergência em relação às “condicionantes” do cenário, mas se elas seriam suficientes para justificar um corte menor dos juros.

“Todo mundo nesta reunião achou que as condicionantes eram relevantes. A questão é: dado que a gente tinha um guidance, dado que havia uma conversa sobre diminuir o ritmo, de 0,5 pp para 0,25 pp, o que a gente achava que era relevante e que justificava isso? Aí sim teve divergência”, disse.

Leia os principais trechos da entrevista:

A última reunião do Copom gerou bastante ruído, com a divisão de quatro diretores em relação à comunicação formal do Banco Central. Que balanço o sr. faz desse episódio?

Estamos trabalhando dentro do padrão. Temos poucas comunicações oficiais: ata, relatório de inflação, algumas reuniões. Quando o mercado muda, alguma coisa acontece, e você quer passar uma mensagem, a preocupação é que nunca seja em um ambiente fechado. A informação tem de chegar para todos ao mesmo tempo. Além disso, não existe entre nós nenhum tipo de regra ou arranjo que alguém precise consultar o outro. Cada um tem liberdade de expressão. Vários diretores falaram coisas durante os últimos cinco anos que mexeram com o mercado, e em nenhum momento eu falei: ‘Poxa, falou algo que tinha de ser combinado’. Não temos essa regra no Banco Central do Brasil, nem pretendemos ter. Como teve a notícia do fiscal no Brasil (de alteração da meta), e na mesma semana uma mudança no cenário dos EUA, uma fala mais dura (por parte do BC brasileiro), tentando qualificar mais, evitasse uma desancoragem maior da inflação. Foi uma conjunção de fatores.

Mas os diretores ainda pretendem conversar sobre a comunicação?

A gente valoriza a comunicação. Mas acontece que há mudança de cenários em momentos em que não temos comunicação formal. E aí vale a regra que eu mencionei.

O ministro Fernando Haddad teria ficado incomodado de saber sobre a mudança pela imprensa. O sr. acha que era o caso de ter falado com ele antes?

Já teve muitas mudanças de guidance – estou aqui há quase seis anos – e em nenhum momento passou pela minha cabeça ligar para o ministro Paulo Guedes para falar que eu achava que o guidance ia mudar para A, B ou C. É uma prerrogativa do Banco Central, que tem autonomia. Nunca fiz isso no governo anterior e com certeza não planejo fazer neste.

'Estou acostumado a críticas e não influenciam em nada minha decisão', disse Campos Neto Foto: Gabriela Biló/Estadão

No seminário do BC na última quarta-feira, o sr. falou além do roteiro previsto. Foi um desabafo, em razão do Copom?

Não teve desabafo nem nada diferente disso, só queria fixar as mensagens que em parte já estavam no discurso. É uma estratégia já de muito tempo ressaltar pontos para ficarem três ou quatro mensagens fixadas.

Esse período entre o comunicado e a ata demorou a passar, pelo ruído causado. Vocês pensam em adotar um formato como o do Fed, com entrevista coletiva?

Esse é um questionamento constante, mas tenho de dizer que escutamos reclamação de todos os lados. O comunicado era algo de um parágrafo. E diziam que tinha que esperar até a ata. Fomos aumentando. A experiência do Fed não sei se é tão boa. Não existe forma perfeita de comunicação, a gente sempre busca a melhor forma possível. Agora, a forma de comunicação ideal não é a que vai se ajustar a todos episódios, mas a uma média. Vai ter um episódio ou outro que talvez a forma vá otimizar a média.

Tirando a divisão da comunicação, a ata mostrou convergência de diagnóstico sobre a inflação. Como o sr. vê a próxima reunião?

Todo mundo nesta reunião achou que as condicionantes eram relevantes. A questão é: dado que a gente tinha um guidance, dado que havia uma conversa sobre diminuir o ritmo, de 0,5 pp para 0,25 pp, o que a gente achava que era relevante e que justificava isso? Aí sim teve divergência. Mas era na gradação das condicionantes. A maioria entendeu que justificava (mudar os juros) dada a mudança nas condicionantes. Teve gente que dizia que quando se reconhece – e isso é bem relevante – que havia uma desancoragem parcial, e você passou a dizer que está desancorado, isso por si só justificaria a mudança. O que é importante é passar a mensagem que a reunião é técnica, o debate é técnico, e opiniões divergentes fazem parte.

Era claro que a divisão traria volatilidade. Vocês não tentaram arregimentar para um lado ou para o outro para tentar evitar isso?

Os debates são geralmente feitos de tal forma que cada diretor explica o seu voto, desenha o cenário, fala sobre os riscos, mas não existe no Copom um exercício de um tentar convencer o outro. Cada um dá sua opinião.

Mas não dá para sentir o clima, para onde vai?

Dá, mas nem sempre é o que se materializa no dia. E não podemos antecipar uma reunião do Copom. A gente discute, tenho reunião individual com cada um. Sinto o clima, mas nem sempre consigo extrair o voto. Desta vez, vários diretores disseram que estavam em dúvida. Mas o grosso do debate é no dia. A pergunta é se o fato em si, de ter a divisão, poderia afetar o mercado de forma diferenciada. Sim, isso foi discutido.

E como foi essa discussão?

Chegamos à conclusão de que do jeito que o voto se desenhou poderia ter vários tipos de interpretação. A gente entendia que era importante cada um seguir com a sua opinião, e a gente entendeu que aquela divisão teria tempo de explicar. Que a reunião foi baseada em aspectos técnicos.

O que é importante é passar a mensagem que a reunião é técnica, o debate é técnico, e opiniões divergentes fazem parte.

Roberto Campos Neto, presidente do BC

O sr. acha que deu certo?

Não cabe certo ou errado, cada um tem de avaliar o seu voto. Ter a sua coerência. Os diretores falam publicamente. Essa é a forma de o BC trabalhar. Independentemente da votação ou da forma, se a decisão é técnica, e se a gente consegue comunicar com qualidade ou transparência, o mercado entende.

Dá para dizer que o episódio foi superado?

Não é o caso de estar superado, porque vai parecer que houve um erro para superar. Como não acho que houve erro, não consigo ver essa palavra. Se isso não for suficiente, o tempo vai dizer que as reuniões são técnicas e ao longo do tempo isso vai ficar comprovado.

O sr. vê possibilidade de novos cortes da Selic?

Não posso adiantar novos cortes. Precisamos de tempo, serenidade e calma para saber como as variáveis vão se desenrolar.

A próxima reunião é daqui a um mês. O que vai ser mais decisivo no voto do sr.?

Não tenho como dizer se tem uma variável mais preocupante, todas são correlacionadas. Temos inflação corrente, expectativas de inflação, do Focus e inflação implícita, cenário externo, tema geopolítico que está balançando, o que isso significa para o preço do petróleo, a gente tem o tema do que vai significar a reconstrução do Rio Grande do Sul, sobre a inflação, o crescimento. Não tem uma coisa só.

Já tem dois ou três meses que fala-se de balanço de riscos piorado, mas não se muda. Alguns membros falaram da necessidade de mudar. Como é decidido?

Obviamente quando tem maioria a gente tem de mudar. Como eu disse inicialmente, a ata é descritiva. Todos os assuntos durante a reunião que foram relevantes a gente tem de mencionar na ata. Então, se dois ou três diretores mencionam que já é suficiente para mudar e houve debate, a gente se vê obrigado a relatar isso na ata.

E o sr. estava entre eles?

Não posso dizer. Se a gente determinasse nossa comunicação com votos e opinião de cada um, eu assim o faria. Mas como a gente não faz assim, não acho que seria o mais correto falar.

O sr. citou que seu voto foi decisivo no início dos cortes da Selic e agora também, para reduzir o ritmo de queda. É esse o peso da presidência?

Todas as opiniões dos diretores têm peso. Cada um vai explicar seus argumentos e pagar o preço de reputação pela opinião ao longo do tempo, o que é bom para o sistema. Se o voto é decisivo ou não, é matemática.

O sr. está pronto para críticas, principalmente do presidente Lula e do PT, caso o BC decida interromper os cortes?

Não acho que crítica seja ruim. Depois deste Copom, não vi tantas críticas, vi avaliações de que foi técnico. O mercado reagiu de forma ao que poderia ser uma coisa política e vi membros do governo dizendo que foi uma decisão técnica. Achei superpositivo, inclusive. Converge com o que eu penso e com o que aconteceu. A gente vai fazer o que achar que é certo e vamos explicar. A decisão é tomada com as informações que temos no dia. Estou acostumado a críticas e não influenciam em nada minha decisão.

Essa pressão começa a ser dividida com uma nova diretoria sendo indicada?

Cada pessoa sente a pressão de um jeito diferente. Continuo achando que estou trabalhando do mesmo jeito, tentando ser o mais transparente e comunicar da melhor forma possível, respeitando a opinião de todos na reunião. Nunca tentei convencer ninguém e nunca disse que uma declaração não poderia ser feita.

O sr. acredita que a autonomia orçamentária do BC será aprovada ainda durante seu mandato?

De onde estou, não tenho capacidade de contar voto e ver probabilidades. O BC precisa desesperadamente de uma modernização administrativa e financeira porque assumimos um papel de continuar o movimento de inovação e precisamos de modernização. Não é um projeto meu, é do País. Todos os diretores apoiam o projeto. O projeto é do Legislativo e provavelmente vão fazer modificações. O relator (senador Plínio Valério, PSDB-AM) apresentando o projeto e colocando na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para votar se inicia um processo.

Sobre o fiscal, consegue enxergar a estabilização da dívida?

Mais importante do que o que eu acho da curva é o que o mercado entende o que é essa curva. Dado que perdeu um pouco de credibilidade com o fiscal, é preciso ver qual a implicação para a política monetária. Tem gente que não tem expectativa de convergência tão breve e tem uns que nem têm expectativa de convergência. Tem um pedaço (da precificação) do mercado que é o exterior e outro que não é. Se o externo se recuperar, o que não é (o externo) vai ficar mais aparente. Dado que tem uma percepção de que a credibilidade fiscal está sendo questionada, se houver descasamento das políticas fiscal e monetária, o custo de desinflação é mais alto e isso pode significar juro mais alto por mais tempo.

O episódio da Petrobras vai influenciar de alguma forma decisão de política monetária?

Diretamente, não. A questão é: o que o evento Petrobras causa nas variáveis que são importantes para a gente, como inflação implícita, câmbio, expectativa de inflação, prêmios longos? Será que vai se transformar numa expectativa de que o preço do combustível vai ser artificialmente baixo e terá uma conta na frente, se transformando num problema fiscal? Isso a gente precisa ver. Ontem (quarta-feira) foi um dia em que os mercados internacionais melhoraram muito e o Brasil, nada, em função dessa notícia. Qualquer notícia que cause incerteza no mercado em relação a variáveis macroeconômicas que são importantes para a nossa tomada de decisão tem efeito, mas não sei se vai ser o caso.

O sr. já falou do Rio Grande do Sul. Como esses eventos climáticos vão entrar na análise dos BCs?

Espero que sirvam de alarme. Temos de fazer alguma coisa sobre o assunto. Fator climático tem influência na nossa missão, que é estabilidade de preços e do sistema financeiro. Temos bancos que dependem muito daquela região e do que acontece com os preços: a questão do arroz, será que a logística será muito afetada? Esse assunto precisa estar no centro da agenda. Venho falando disso há muito tempo. Na opinião do BC, este é um tema que precisa de uma atenção maior.

Quando o sr. acha que o Fed vai começar a cortar os juros?

O mercado trabalha com extremos. Estava muito entusiasmado, prevendo cortes em março. Eu achava que não era compatível com a clareza que tinha dos fatores de desinflação. Em algum momento se precificou alta de juros e eu via desinflação lenta, com alguma pressão na parte de trabalho, mas também não vejo que a inflação voltasse a subir. Não estava num extremo num momento e agora também não estou nesse outro. A gente já vê que os países mais pobres estão com um pouco mais de dificuldade de acessar a liquidez global. Hoje, o mercado vê duas quedas (de juros). Se é uma ou se são duas, não consigo dizer. Como presidente do BC, não posso fazer projeção para juro americano (risos).

O sr. tem expectativa de terminar o mandato com as projeções de inflação do Brasil na meta?

Tenho o objetivo de fazer o máximo possível para que isso aconteça. Agora, garantir resultados é difícil. É importante perseguir a meta. Fala-se de centro, banda… a melhor forma de contribuir para o crescimento sustentável, sem gerar desigualdade é com inflação baixa. Isso já está comprovado.

BRASÍLIA - Em sua primeira entrevista exclusiva depois da reunião do Copom que reduziu o ritmo de cortes de juros e causou divisão entre os diretores do Banco Central, o presidente do órgão, Roberto Campos Neto, defendeu a forma de o BC se comunicar e de mudar o chamado “guidance”, ou a orientação sobre a política monetária. Questionado sobre se poderia ter informado o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que mudaria essa orientação, antes de um evento para investidores em Nova York, Campos Neto afirmou que nunca fez isso, nem no governo anterior, e que não o fará agora.

“Já teve muitas mudanças de guidance - estou aqui há seis anos - e em nenhum momento passou pela minha cabeça ligar para o ministro Paulo Guedes para falar que eu achava que o guidance ia mudar para A, B ou C. É uma prerrogativa do Banco Central, que tem autonomia. Nunca fiz isso no governo anterior e com certeza não planejo fazer neste”, afirmou.

Segundo ele, os diretores do Banco Central chegaram a discutir internamente os efeitos da divisão do colegiado - que decidiu, por 5 a 4, cortar a Selic em 0,25 ponto porcentual (pp) - e que isso levaria a vários tipos de interpretação pelo mercado financeiro. Mas, ao fim, o entendimento foi de que era importante que cada um tivesse a sua opinião.

“Chegamos à conclusão de que, do jeito que o voto se desenhou, poderia ter vários tipos de interpretação. A gente entendia que era importante cada um seguir com a sua opinião, e entendemos que aquela divisão teria tempo de explicar. Que a reunião foi baseada em aspectos técnicos”, afirmou.

Campos Neto também afirmou que vários diretores haviam expressado dúvidas sobre o ritmo de cortes da Selic, pela mudança no cenário internacional e também interno. E que não houve divergência em relação às “condicionantes” do cenário, mas se elas seriam suficientes para justificar um corte menor dos juros.

“Todo mundo nesta reunião achou que as condicionantes eram relevantes. A questão é: dado que a gente tinha um guidance, dado que havia uma conversa sobre diminuir o ritmo, de 0,5 pp para 0,25 pp, o que a gente achava que era relevante e que justificava isso? Aí sim teve divergência”, disse.

Leia os principais trechos da entrevista:

A última reunião do Copom gerou bastante ruído, com a divisão de quatro diretores em relação à comunicação formal do Banco Central. Que balanço o sr. faz desse episódio?

Estamos trabalhando dentro do padrão. Temos poucas comunicações oficiais: ata, relatório de inflação, algumas reuniões. Quando o mercado muda, alguma coisa acontece, e você quer passar uma mensagem, a preocupação é que nunca seja em um ambiente fechado. A informação tem de chegar para todos ao mesmo tempo. Além disso, não existe entre nós nenhum tipo de regra ou arranjo que alguém precise consultar o outro. Cada um tem liberdade de expressão. Vários diretores falaram coisas durante os últimos cinco anos que mexeram com o mercado, e em nenhum momento eu falei: ‘Poxa, falou algo que tinha de ser combinado’. Não temos essa regra no Banco Central do Brasil, nem pretendemos ter. Como teve a notícia do fiscal no Brasil (de alteração da meta), e na mesma semana uma mudança no cenário dos EUA, uma fala mais dura (por parte do BC brasileiro), tentando qualificar mais, evitasse uma desancoragem maior da inflação. Foi uma conjunção de fatores.

Mas os diretores ainda pretendem conversar sobre a comunicação?

A gente valoriza a comunicação. Mas acontece que há mudança de cenários em momentos em que não temos comunicação formal. E aí vale a regra que eu mencionei.

O ministro Fernando Haddad teria ficado incomodado de saber sobre a mudança pela imprensa. O sr. acha que era o caso de ter falado com ele antes?

Já teve muitas mudanças de guidance – estou aqui há quase seis anos – e em nenhum momento passou pela minha cabeça ligar para o ministro Paulo Guedes para falar que eu achava que o guidance ia mudar para A, B ou C. É uma prerrogativa do Banco Central, que tem autonomia. Nunca fiz isso no governo anterior e com certeza não planejo fazer neste.

'Estou acostumado a críticas e não influenciam em nada minha decisão', disse Campos Neto Foto: Gabriela Biló/Estadão

No seminário do BC na última quarta-feira, o sr. falou além do roteiro previsto. Foi um desabafo, em razão do Copom?

Não teve desabafo nem nada diferente disso, só queria fixar as mensagens que em parte já estavam no discurso. É uma estratégia já de muito tempo ressaltar pontos para ficarem três ou quatro mensagens fixadas.

Esse período entre o comunicado e a ata demorou a passar, pelo ruído causado. Vocês pensam em adotar um formato como o do Fed, com entrevista coletiva?

Esse é um questionamento constante, mas tenho de dizer que escutamos reclamação de todos os lados. O comunicado era algo de um parágrafo. E diziam que tinha que esperar até a ata. Fomos aumentando. A experiência do Fed não sei se é tão boa. Não existe forma perfeita de comunicação, a gente sempre busca a melhor forma possível. Agora, a forma de comunicação ideal não é a que vai se ajustar a todos episódios, mas a uma média. Vai ter um episódio ou outro que talvez a forma vá otimizar a média.

Tirando a divisão da comunicação, a ata mostrou convergência de diagnóstico sobre a inflação. Como o sr. vê a próxima reunião?

Todo mundo nesta reunião achou que as condicionantes eram relevantes. A questão é: dado que a gente tinha um guidance, dado que havia uma conversa sobre diminuir o ritmo, de 0,5 pp para 0,25 pp, o que a gente achava que era relevante e que justificava isso? Aí sim teve divergência. Mas era na gradação das condicionantes. A maioria entendeu que justificava (mudar os juros) dada a mudança nas condicionantes. Teve gente que dizia que quando se reconhece – e isso é bem relevante – que havia uma desancoragem parcial, e você passou a dizer que está desancorado, isso por si só justificaria a mudança. O que é importante é passar a mensagem que a reunião é técnica, o debate é técnico, e opiniões divergentes fazem parte.

Era claro que a divisão traria volatilidade. Vocês não tentaram arregimentar para um lado ou para o outro para tentar evitar isso?

Os debates são geralmente feitos de tal forma que cada diretor explica o seu voto, desenha o cenário, fala sobre os riscos, mas não existe no Copom um exercício de um tentar convencer o outro. Cada um dá sua opinião.

Mas não dá para sentir o clima, para onde vai?

Dá, mas nem sempre é o que se materializa no dia. E não podemos antecipar uma reunião do Copom. A gente discute, tenho reunião individual com cada um. Sinto o clima, mas nem sempre consigo extrair o voto. Desta vez, vários diretores disseram que estavam em dúvida. Mas o grosso do debate é no dia. A pergunta é se o fato em si, de ter a divisão, poderia afetar o mercado de forma diferenciada. Sim, isso foi discutido.

E como foi essa discussão?

Chegamos à conclusão de que do jeito que o voto se desenhou poderia ter vários tipos de interpretação. A gente entendia que era importante cada um seguir com a sua opinião, e a gente entendeu que aquela divisão teria tempo de explicar. Que a reunião foi baseada em aspectos técnicos.

O que é importante é passar a mensagem que a reunião é técnica, o debate é técnico, e opiniões divergentes fazem parte.

Roberto Campos Neto, presidente do BC

O sr. acha que deu certo?

Não cabe certo ou errado, cada um tem de avaliar o seu voto. Ter a sua coerência. Os diretores falam publicamente. Essa é a forma de o BC trabalhar. Independentemente da votação ou da forma, se a decisão é técnica, e se a gente consegue comunicar com qualidade ou transparência, o mercado entende.

Dá para dizer que o episódio foi superado?

Não é o caso de estar superado, porque vai parecer que houve um erro para superar. Como não acho que houve erro, não consigo ver essa palavra. Se isso não for suficiente, o tempo vai dizer que as reuniões são técnicas e ao longo do tempo isso vai ficar comprovado.

O sr. vê possibilidade de novos cortes da Selic?

Não posso adiantar novos cortes. Precisamos de tempo, serenidade e calma para saber como as variáveis vão se desenrolar.

A próxima reunião é daqui a um mês. O que vai ser mais decisivo no voto do sr.?

Não tenho como dizer se tem uma variável mais preocupante, todas são correlacionadas. Temos inflação corrente, expectativas de inflação, do Focus e inflação implícita, cenário externo, tema geopolítico que está balançando, o que isso significa para o preço do petróleo, a gente tem o tema do que vai significar a reconstrução do Rio Grande do Sul, sobre a inflação, o crescimento. Não tem uma coisa só.

Já tem dois ou três meses que fala-se de balanço de riscos piorado, mas não se muda. Alguns membros falaram da necessidade de mudar. Como é decidido?

Obviamente quando tem maioria a gente tem de mudar. Como eu disse inicialmente, a ata é descritiva. Todos os assuntos durante a reunião que foram relevantes a gente tem de mencionar na ata. Então, se dois ou três diretores mencionam que já é suficiente para mudar e houve debate, a gente se vê obrigado a relatar isso na ata.

E o sr. estava entre eles?

Não posso dizer. Se a gente determinasse nossa comunicação com votos e opinião de cada um, eu assim o faria. Mas como a gente não faz assim, não acho que seria o mais correto falar.

O sr. citou que seu voto foi decisivo no início dos cortes da Selic e agora também, para reduzir o ritmo de queda. É esse o peso da presidência?

Todas as opiniões dos diretores têm peso. Cada um vai explicar seus argumentos e pagar o preço de reputação pela opinião ao longo do tempo, o que é bom para o sistema. Se o voto é decisivo ou não, é matemática.

O sr. está pronto para críticas, principalmente do presidente Lula e do PT, caso o BC decida interromper os cortes?

Não acho que crítica seja ruim. Depois deste Copom, não vi tantas críticas, vi avaliações de que foi técnico. O mercado reagiu de forma ao que poderia ser uma coisa política e vi membros do governo dizendo que foi uma decisão técnica. Achei superpositivo, inclusive. Converge com o que eu penso e com o que aconteceu. A gente vai fazer o que achar que é certo e vamos explicar. A decisão é tomada com as informações que temos no dia. Estou acostumado a críticas e não influenciam em nada minha decisão.

Essa pressão começa a ser dividida com uma nova diretoria sendo indicada?

Cada pessoa sente a pressão de um jeito diferente. Continuo achando que estou trabalhando do mesmo jeito, tentando ser o mais transparente e comunicar da melhor forma possível, respeitando a opinião de todos na reunião. Nunca tentei convencer ninguém e nunca disse que uma declaração não poderia ser feita.

O sr. acredita que a autonomia orçamentária do BC será aprovada ainda durante seu mandato?

De onde estou, não tenho capacidade de contar voto e ver probabilidades. O BC precisa desesperadamente de uma modernização administrativa e financeira porque assumimos um papel de continuar o movimento de inovação e precisamos de modernização. Não é um projeto meu, é do País. Todos os diretores apoiam o projeto. O projeto é do Legislativo e provavelmente vão fazer modificações. O relator (senador Plínio Valério, PSDB-AM) apresentando o projeto e colocando na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para votar se inicia um processo.

Sobre o fiscal, consegue enxergar a estabilização da dívida?

Mais importante do que o que eu acho da curva é o que o mercado entende o que é essa curva. Dado que perdeu um pouco de credibilidade com o fiscal, é preciso ver qual a implicação para a política monetária. Tem gente que não tem expectativa de convergência tão breve e tem uns que nem têm expectativa de convergência. Tem um pedaço (da precificação) do mercado que é o exterior e outro que não é. Se o externo se recuperar, o que não é (o externo) vai ficar mais aparente. Dado que tem uma percepção de que a credibilidade fiscal está sendo questionada, se houver descasamento das políticas fiscal e monetária, o custo de desinflação é mais alto e isso pode significar juro mais alto por mais tempo.

O episódio da Petrobras vai influenciar de alguma forma decisão de política monetária?

Diretamente, não. A questão é: o que o evento Petrobras causa nas variáveis que são importantes para a gente, como inflação implícita, câmbio, expectativa de inflação, prêmios longos? Será que vai se transformar numa expectativa de que o preço do combustível vai ser artificialmente baixo e terá uma conta na frente, se transformando num problema fiscal? Isso a gente precisa ver. Ontem (quarta-feira) foi um dia em que os mercados internacionais melhoraram muito e o Brasil, nada, em função dessa notícia. Qualquer notícia que cause incerteza no mercado em relação a variáveis macroeconômicas que são importantes para a nossa tomada de decisão tem efeito, mas não sei se vai ser o caso.

O sr. já falou do Rio Grande do Sul. Como esses eventos climáticos vão entrar na análise dos BCs?

Espero que sirvam de alarme. Temos de fazer alguma coisa sobre o assunto. Fator climático tem influência na nossa missão, que é estabilidade de preços e do sistema financeiro. Temos bancos que dependem muito daquela região e do que acontece com os preços: a questão do arroz, será que a logística será muito afetada? Esse assunto precisa estar no centro da agenda. Venho falando disso há muito tempo. Na opinião do BC, este é um tema que precisa de uma atenção maior.

Quando o sr. acha que o Fed vai começar a cortar os juros?

O mercado trabalha com extremos. Estava muito entusiasmado, prevendo cortes em março. Eu achava que não era compatível com a clareza que tinha dos fatores de desinflação. Em algum momento se precificou alta de juros e eu via desinflação lenta, com alguma pressão na parte de trabalho, mas também não vejo que a inflação voltasse a subir. Não estava num extremo num momento e agora também não estou nesse outro. A gente já vê que os países mais pobres estão com um pouco mais de dificuldade de acessar a liquidez global. Hoje, o mercado vê duas quedas (de juros). Se é uma ou se são duas, não consigo dizer. Como presidente do BC, não posso fazer projeção para juro americano (risos).

O sr. tem expectativa de terminar o mandato com as projeções de inflação do Brasil na meta?

Tenho o objetivo de fazer o máximo possível para que isso aconteça. Agora, garantir resultados é difícil. É importante perseguir a meta. Fala-se de centro, banda… a melhor forma de contribuir para o crescimento sustentável, sem gerar desigualdade é com inflação baixa. Isso já está comprovado.

Entrevista por Alvaro Gribel

Repórter especial e colunista do Estadão em Brasília. Há mais de 15 anos acompanha os principais assuntos macroeconômicos no Brasil e no mundo. Foi colunista e coordenador de economia no Globo.

Célia Froufe

Repórter do Broadcast -serviço de tempo real do Grupo Estado- desde 2000, se especializou na cobertura de mercado financeiro (MBA da FIA-B3) em SP. Setorista do BC, em Brasília, e correspondente em Londres, cobriu G20, Fórum Econômico Mundial, BID, BRICS e Otan na África, Ásia, Europa e EUA. Hoje é repórter especial de Economia na capital federal.

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