Carros chineses brilham em salão de Munique e expõem as dificuldades da economia alemã


Peso-pesado no setor de veículos elétricos, país asiático apresentou cerca de sete marcas, enquanto as montadoras alemãs agora são um obstáculo à própria economia

Por Melissa Eddy
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - Durante décadas, a frase “fabricado na Alemanha” indicou tecnologia e design automotivos de ponta. Mas agora as montadoras alemãs estão ficando para trás na corrida global para produzir mais veículos elétricos, e alguns executivos estão usando uma nova expressão para descrever a rapidez com que precisam recuperar o tempo perdido: “velocidade chinesa”.

Ela reflete a rápida transformação da indústria automobilística chinesa numa potência movida a bateria. E essa velocidade ficou evidente no Salão Internacional do Automóvel da Alemanha, um evento enorme do setor, em Munique, no qual as novatas da China roubaram a cena.

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A BYD, montadora chinesa de carros elétricos que ultrapassou a Volkswagen e é a marca mais vendida da China este ano, lançou um sedã, novo e elegante, e um utilitário esportivo que ganharam os aplausos do público.

“Acho que os europeus estão basicamente petrificados com o desempenho dos chineses na Europa”, disse Matthias Schmidt, analista independente do mercado de carros elétricos que vive em Berlim.

Salão Internacional do Automóvel da Alemanha ocorreu num momento delicado para a indústria automobilística alemã, a maior da Europa, e para a economia alemã com um todo Foto: Felix Schmitt/The New York Times
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O evento ocorreu num momento delicado para a indústria automobilística alemã, a maior da Europa, e para a economia alemã com um todo. Outrora um motor fundamental da economia do país, as montadoras alemãs tornaram-se, em vez disso, um empecilho para ela. Em junho, a produção da indústria automobilística diminuiu 3,5% em comparação com o mês anterior, afetando a produção industrial geral do país, que diminuiu 1,5%.

A estagnação não se limita às montadoras. O Produto Interno Bruto (PIB) da Alemanha está estagnado, sobrecarregado pelo alto custo da energia e das matérias-primas, um efeito duradouro da invasão da Ucrânia pela Rússia no ano passado.

As empresas alemãs conhecidas, entre elas a Volkswagen e a gigante química BASF, adiaram os planos de expansão ou anunciaram que construirão suas instalações em regiões com incentivos interessantes, inclusive na China e na América do Norte. A inflação constantemente alta está devorando o poder de compra dos alemães e contribuindo para o pessimismo dos consumidores e das empresas.

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Depois que a economia alemã entrou em recessão no final do ano passado e no início deste ano, seu crescimento ficou estável de abril a junho. Recentemente, o banco central do país, o Bundesbank, disse que a expectativa é que o PIB “estagnasse mais ou menos de novo no terceiro trimestre de 2023″.

Entre as oito economias avançadas estudadas pelo Fundo Monetário Internacional, a da Alemanha foi a única com projeções de encolhimento este ano, levando alguns economistas a lembrar do fantasma do final da década de 1990, quando o país, prejudicado pelo desemprego recorde e pelo custo da reunificação da Alemanha Oriental e Ocidental, foi chamado pelos economistas de “o doente” da Europa.

Empresas alemãs conhecidas, como a Volkswagen, adiaram os planos de expansão ou anunciaram que construirão suas instalações em regiões com incentivos interessantes, inclusive na China Foto: Felix Schmitt/The New York Times
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Berlim está correndo para reagir à situação. Aprovou uma redução nos impostos sobre as empresas de € 32 bilhões ao longo de quatro anos para ajudar a reanimar a produção.

O governo também propôs diminuir as famosas pilhas de papel da burocracia alemã para as empresas, por exemplo, aceitando cópias digitais, não em papel, de documentos oficiais, na tentativa de levar o país para a era digital. Uma pesquisa recente com 500 empresas revelou que os aparelhos de fax continuam sendo utilizados como a forma de comunicação mais segura.

Agora compare isso com a HiPhi (pronuncia-se “rai-fai”), uma empresa de automóveis de luxo da China fundada em 2019. Ela está produzindo a terceira versão de seus veículos elétricos altamente tecnológicos, com portas que abrem deslizando depois de se apertar um botão e têm luzes na parte interna e externa, que podem piscar e mudar de cor. Os carros agora estão sendo vendidos na Alemanha e na Noruega, por a partir de € 105 mil, e estavam em exibição no salão do automóvel.

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A capacidade de produzir o carro tão depressa está associada a uma estratégia diferente no setor automobilístico, disse Mark Stanton, diretor de tecnologia da empresa.

“O medo do fracasso é enorme e essa mentalidade realmente se torna um obstáculo no dia a dia do seu trabalho”, disse Stanton. “Acabamos com isso completamente.”

Um dos principais fatores que preocupam as empresas na Alemanha é o preço sistematicamente alto da energia.

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Durante décadas, a Alemanha orgulhou-se de seu abastecimento estável de energia, que mantinha as fábricas produzindo aço e automóveis. Mas a fonte dessa energia era o gás natural canalizado da Rússia, e os alemães recusaram-se a considerar outros fornecedores.

Depois que Moscou interrompeu o fluxo de gás natural para a Alemanha há um ano, como consequência do apoio de Berlim à Ucrânia, o preço do gás mais do que quadruplicou, obrigando muitas empresas a reduzir a produção. Embora os preços tenham caído, continuam quase o dobro daqueles de 2021.

O baque custou às empresas que precisam de quantidades enormes de energia, como os fabricantes de produtos químicos, a sensação de segurança para o planejamento a longo prazo, revelou uma pesquisa anual. A consulta, realizada pela Confederação Alemã das Câmaras de Indústria e Comércio, constatou que a confiança na política energética do governo estava em seu nível mais baixo em mais de uma década.

“Após o choque dos preços da energia no final do ano passado e o inverno relativamente ameno, as empresas estão profundamente preocupadas com os desdobramentos futuros”, disse Achim Dercks, vice-gerente geral da organização.

Na China, incapacidade das montadoras alemãs de atender à demanda crescente por veículos movidos a bateria criou uma oportunidade Foto: Felix Schmitt/The New York Times

Esse temor está fazendo com que muitas empresas da indústria alemã reconsiderem os investimentos planejados anteriormente. No início deste ano, a Volkswagen decidiu abandonar os planos de construir uma segunda fábrica de baterias na Alemanha.

A empresa já está construindo uma fábrica de baterias em Salzgitter, perto da sua sede em Wolfsburg, e outra em Valência, na Espanha. No primeiro semestre, a Volkswagen anunciou que tinha escolhido Ontário como o local de sua primeira fábrica de baterias fora da Europa, atraída por incentivos lucrativos e pelos preços da energia para a indústria, mais baratos aproximadamente um terço em comparação com os da Alemanha.

A redução dos preços da energia em apenas um centavo de euro por quilowatt-hora pode se transformar numa diferença anual de custos de até € 100 milhões na produção de baterias para veículos elétricos, disse Oliver Blume, CEO da Volkswagen, em entrevista à emissora alemã ZDF.

“Se observarmos os preços que estão sendo oferecidos atualmente na América do Norte ou em outras regiões do mundo, a Alemanha está muito distante deles”, disse Blume.

A Volkswagen não é a única procurando por locais fora do país para expandir sua capacidade de produção de veículos elétricos. No início deste ano, a BMW, cuja sede fica em Munique, anunciou que iria investir € 800 milhões no México para produzir baterias de alta tensão e seus novos modelos totalmente elétricos. A expectativa é que esses carros comecem a ser produzidos em 2025, na fábrica da empresa na Hungria.

Na China, a incapacidade das montadoras alemãs de atender à demanda crescente por veículos movidos a bateria criou uma oportunidade, que as montadoras chinesas correram para aproveitar, produzindo carros elétricos acessíveis e atraentes que estão tomando conta do mercado doméstico.

A Volkswagen está tomando atitudes para melhorar sua situação na China. No mês passado, ela anunciou que investiria US$ 700 milhões por uma participação de quase 5% na XPeng, uma startup chinesa que fabrica veículos elétricos, numa tentativa de ajudar a montadora a atender às demandas do mercado chinês.

Mas agora as montadoras chinesas estão de olho na Europa, onde os carros movidos a gasolina serão proibidos em 12 anos.

No salão do automóvel, as montadoras alemãs tradicionais apresentaram seus planos para expandir a produção de veículos totalmente elétricos nos próximos anos, porém as chinesas lançaram os novos modelos que estavam trazendo para o mercado europeu.

“A Europa é um mercado estratégico para a BYD”, disse Michael Shu, diretor da BYD Europa. Segundo ele, no mês passado, sua empresa se tornou a primeira montadora do mundo a distribuir cinco milhões de veículos totalmente elétricos ou híbridos.

Ferdinand Dudenhöffer, diretor do Centro de Pesquisa Automotiva de Duisburg, na Alemanha, descreveu o salão do automóvel deste ano como um “Zeitenwende”, ou momento decisivo – o mesmo termo utilizado pelo chanceler Olaf Scholz ao anunciar a transição da Alemanha na política externa após a Rússia invadir a Ucrânia.

“Um Zeitenwende no qual se vê a Europa transformando-se num mercado interessante para os veículos elétricos chineses”, disse ele. “A competição será mais difícil.”

THE NEW YORK TIMES - Durante décadas, a frase “fabricado na Alemanha” indicou tecnologia e design automotivos de ponta. Mas agora as montadoras alemãs estão ficando para trás na corrida global para produzir mais veículos elétricos, e alguns executivos estão usando uma nova expressão para descrever a rapidez com que precisam recuperar o tempo perdido: “velocidade chinesa”.

Ela reflete a rápida transformação da indústria automobilística chinesa numa potência movida a bateria. E essa velocidade ficou evidente no Salão Internacional do Automóvel da Alemanha, um evento enorme do setor, em Munique, no qual as novatas da China roubaram a cena.

A BYD, montadora chinesa de carros elétricos que ultrapassou a Volkswagen e é a marca mais vendida da China este ano, lançou um sedã, novo e elegante, e um utilitário esportivo que ganharam os aplausos do público.

“Acho que os europeus estão basicamente petrificados com o desempenho dos chineses na Europa”, disse Matthias Schmidt, analista independente do mercado de carros elétricos que vive em Berlim.

Salão Internacional do Automóvel da Alemanha ocorreu num momento delicado para a indústria automobilística alemã, a maior da Europa, e para a economia alemã com um todo Foto: Felix Schmitt/The New York Times

O evento ocorreu num momento delicado para a indústria automobilística alemã, a maior da Europa, e para a economia alemã com um todo. Outrora um motor fundamental da economia do país, as montadoras alemãs tornaram-se, em vez disso, um empecilho para ela. Em junho, a produção da indústria automobilística diminuiu 3,5% em comparação com o mês anterior, afetando a produção industrial geral do país, que diminuiu 1,5%.

A estagnação não se limita às montadoras. O Produto Interno Bruto (PIB) da Alemanha está estagnado, sobrecarregado pelo alto custo da energia e das matérias-primas, um efeito duradouro da invasão da Ucrânia pela Rússia no ano passado.

As empresas alemãs conhecidas, entre elas a Volkswagen e a gigante química BASF, adiaram os planos de expansão ou anunciaram que construirão suas instalações em regiões com incentivos interessantes, inclusive na China e na América do Norte. A inflação constantemente alta está devorando o poder de compra dos alemães e contribuindo para o pessimismo dos consumidores e das empresas.

Depois que a economia alemã entrou em recessão no final do ano passado e no início deste ano, seu crescimento ficou estável de abril a junho. Recentemente, o banco central do país, o Bundesbank, disse que a expectativa é que o PIB “estagnasse mais ou menos de novo no terceiro trimestre de 2023″.

Entre as oito economias avançadas estudadas pelo Fundo Monetário Internacional, a da Alemanha foi a única com projeções de encolhimento este ano, levando alguns economistas a lembrar do fantasma do final da década de 1990, quando o país, prejudicado pelo desemprego recorde e pelo custo da reunificação da Alemanha Oriental e Ocidental, foi chamado pelos economistas de “o doente” da Europa.

Empresas alemãs conhecidas, como a Volkswagen, adiaram os planos de expansão ou anunciaram que construirão suas instalações em regiões com incentivos interessantes, inclusive na China Foto: Felix Schmitt/The New York Times

Berlim está correndo para reagir à situação. Aprovou uma redução nos impostos sobre as empresas de € 32 bilhões ao longo de quatro anos para ajudar a reanimar a produção.

O governo também propôs diminuir as famosas pilhas de papel da burocracia alemã para as empresas, por exemplo, aceitando cópias digitais, não em papel, de documentos oficiais, na tentativa de levar o país para a era digital. Uma pesquisa recente com 500 empresas revelou que os aparelhos de fax continuam sendo utilizados como a forma de comunicação mais segura.

Agora compare isso com a HiPhi (pronuncia-se “rai-fai”), uma empresa de automóveis de luxo da China fundada em 2019. Ela está produzindo a terceira versão de seus veículos elétricos altamente tecnológicos, com portas que abrem deslizando depois de se apertar um botão e têm luzes na parte interna e externa, que podem piscar e mudar de cor. Os carros agora estão sendo vendidos na Alemanha e na Noruega, por a partir de € 105 mil, e estavam em exibição no salão do automóvel.

A capacidade de produzir o carro tão depressa está associada a uma estratégia diferente no setor automobilístico, disse Mark Stanton, diretor de tecnologia da empresa.

“O medo do fracasso é enorme e essa mentalidade realmente se torna um obstáculo no dia a dia do seu trabalho”, disse Stanton. “Acabamos com isso completamente.”

Um dos principais fatores que preocupam as empresas na Alemanha é o preço sistematicamente alto da energia.

Durante décadas, a Alemanha orgulhou-se de seu abastecimento estável de energia, que mantinha as fábricas produzindo aço e automóveis. Mas a fonte dessa energia era o gás natural canalizado da Rússia, e os alemães recusaram-se a considerar outros fornecedores.

Depois que Moscou interrompeu o fluxo de gás natural para a Alemanha há um ano, como consequência do apoio de Berlim à Ucrânia, o preço do gás mais do que quadruplicou, obrigando muitas empresas a reduzir a produção. Embora os preços tenham caído, continuam quase o dobro daqueles de 2021.

O baque custou às empresas que precisam de quantidades enormes de energia, como os fabricantes de produtos químicos, a sensação de segurança para o planejamento a longo prazo, revelou uma pesquisa anual. A consulta, realizada pela Confederação Alemã das Câmaras de Indústria e Comércio, constatou que a confiança na política energética do governo estava em seu nível mais baixo em mais de uma década.

“Após o choque dos preços da energia no final do ano passado e o inverno relativamente ameno, as empresas estão profundamente preocupadas com os desdobramentos futuros”, disse Achim Dercks, vice-gerente geral da organização.

Na China, incapacidade das montadoras alemãs de atender à demanda crescente por veículos movidos a bateria criou uma oportunidade Foto: Felix Schmitt/The New York Times

Esse temor está fazendo com que muitas empresas da indústria alemã reconsiderem os investimentos planejados anteriormente. No início deste ano, a Volkswagen decidiu abandonar os planos de construir uma segunda fábrica de baterias na Alemanha.

A empresa já está construindo uma fábrica de baterias em Salzgitter, perto da sua sede em Wolfsburg, e outra em Valência, na Espanha. No primeiro semestre, a Volkswagen anunciou que tinha escolhido Ontário como o local de sua primeira fábrica de baterias fora da Europa, atraída por incentivos lucrativos e pelos preços da energia para a indústria, mais baratos aproximadamente um terço em comparação com os da Alemanha.

A redução dos preços da energia em apenas um centavo de euro por quilowatt-hora pode se transformar numa diferença anual de custos de até € 100 milhões na produção de baterias para veículos elétricos, disse Oliver Blume, CEO da Volkswagen, em entrevista à emissora alemã ZDF.

“Se observarmos os preços que estão sendo oferecidos atualmente na América do Norte ou em outras regiões do mundo, a Alemanha está muito distante deles”, disse Blume.

A Volkswagen não é a única procurando por locais fora do país para expandir sua capacidade de produção de veículos elétricos. No início deste ano, a BMW, cuja sede fica em Munique, anunciou que iria investir € 800 milhões no México para produzir baterias de alta tensão e seus novos modelos totalmente elétricos. A expectativa é que esses carros comecem a ser produzidos em 2025, na fábrica da empresa na Hungria.

Na China, a incapacidade das montadoras alemãs de atender à demanda crescente por veículos movidos a bateria criou uma oportunidade, que as montadoras chinesas correram para aproveitar, produzindo carros elétricos acessíveis e atraentes que estão tomando conta do mercado doméstico.

A Volkswagen está tomando atitudes para melhorar sua situação na China. No mês passado, ela anunciou que investiria US$ 700 milhões por uma participação de quase 5% na XPeng, uma startup chinesa que fabrica veículos elétricos, numa tentativa de ajudar a montadora a atender às demandas do mercado chinês.

Mas agora as montadoras chinesas estão de olho na Europa, onde os carros movidos a gasolina serão proibidos em 12 anos.

No salão do automóvel, as montadoras alemãs tradicionais apresentaram seus planos para expandir a produção de veículos totalmente elétricos nos próximos anos, porém as chinesas lançaram os novos modelos que estavam trazendo para o mercado europeu.

“A Europa é um mercado estratégico para a BYD”, disse Michael Shu, diretor da BYD Europa. Segundo ele, no mês passado, sua empresa se tornou a primeira montadora do mundo a distribuir cinco milhões de veículos totalmente elétricos ou híbridos.

Ferdinand Dudenhöffer, diretor do Centro de Pesquisa Automotiva de Duisburg, na Alemanha, descreveu o salão do automóvel deste ano como um “Zeitenwende”, ou momento decisivo – o mesmo termo utilizado pelo chanceler Olaf Scholz ao anunciar a transição da Alemanha na política externa após a Rússia invadir a Ucrânia.

“Um Zeitenwende no qual se vê a Europa transformando-se num mercado interessante para os veículos elétricos chineses”, disse ele. “A competição será mais difícil.”

THE NEW YORK TIMES - Durante décadas, a frase “fabricado na Alemanha” indicou tecnologia e design automotivos de ponta. Mas agora as montadoras alemãs estão ficando para trás na corrida global para produzir mais veículos elétricos, e alguns executivos estão usando uma nova expressão para descrever a rapidez com que precisam recuperar o tempo perdido: “velocidade chinesa”.

Ela reflete a rápida transformação da indústria automobilística chinesa numa potência movida a bateria. E essa velocidade ficou evidente no Salão Internacional do Automóvel da Alemanha, um evento enorme do setor, em Munique, no qual as novatas da China roubaram a cena.

A BYD, montadora chinesa de carros elétricos que ultrapassou a Volkswagen e é a marca mais vendida da China este ano, lançou um sedã, novo e elegante, e um utilitário esportivo que ganharam os aplausos do público.

“Acho que os europeus estão basicamente petrificados com o desempenho dos chineses na Europa”, disse Matthias Schmidt, analista independente do mercado de carros elétricos que vive em Berlim.

Salão Internacional do Automóvel da Alemanha ocorreu num momento delicado para a indústria automobilística alemã, a maior da Europa, e para a economia alemã com um todo Foto: Felix Schmitt/The New York Times

O evento ocorreu num momento delicado para a indústria automobilística alemã, a maior da Europa, e para a economia alemã com um todo. Outrora um motor fundamental da economia do país, as montadoras alemãs tornaram-se, em vez disso, um empecilho para ela. Em junho, a produção da indústria automobilística diminuiu 3,5% em comparação com o mês anterior, afetando a produção industrial geral do país, que diminuiu 1,5%.

A estagnação não se limita às montadoras. O Produto Interno Bruto (PIB) da Alemanha está estagnado, sobrecarregado pelo alto custo da energia e das matérias-primas, um efeito duradouro da invasão da Ucrânia pela Rússia no ano passado.

As empresas alemãs conhecidas, entre elas a Volkswagen e a gigante química BASF, adiaram os planos de expansão ou anunciaram que construirão suas instalações em regiões com incentivos interessantes, inclusive na China e na América do Norte. A inflação constantemente alta está devorando o poder de compra dos alemães e contribuindo para o pessimismo dos consumidores e das empresas.

Depois que a economia alemã entrou em recessão no final do ano passado e no início deste ano, seu crescimento ficou estável de abril a junho. Recentemente, o banco central do país, o Bundesbank, disse que a expectativa é que o PIB “estagnasse mais ou menos de novo no terceiro trimestre de 2023″.

Entre as oito economias avançadas estudadas pelo Fundo Monetário Internacional, a da Alemanha foi a única com projeções de encolhimento este ano, levando alguns economistas a lembrar do fantasma do final da década de 1990, quando o país, prejudicado pelo desemprego recorde e pelo custo da reunificação da Alemanha Oriental e Ocidental, foi chamado pelos economistas de “o doente” da Europa.

Empresas alemãs conhecidas, como a Volkswagen, adiaram os planos de expansão ou anunciaram que construirão suas instalações em regiões com incentivos interessantes, inclusive na China Foto: Felix Schmitt/The New York Times

Berlim está correndo para reagir à situação. Aprovou uma redução nos impostos sobre as empresas de € 32 bilhões ao longo de quatro anos para ajudar a reanimar a produção.

O governo também propôs diminuir as famosas pilhas de papel da burocracia alemã para as empresas, por exemplo, aceitando cópias digitais, não em papel, de documentos oficiais, na tentativa de levar o país para a era digital. Uma pesquisa recente com 500 empresas revelou que os aparelhos de fax continuam sendo utilizados como a forma de comunicação mais segura.

Agora compare isso com a HiPhi (pronuncia-se “rai-fai”), uma empresa de automóveis de luxo da China fundada em 2019. Ela está produzindo a terceira versão de seus veículos elétricos altamente tecnológicos, com portas que abrem deslizando depois de se apertar um botão e têm luzes na parte interna e externa, que podem piscar e mudar de cor. Os carros agora estão sendo vendidos na Alemanha e na Noruega, por a partir de € 105 mil, e estavam em exibição no salão do automóvel.

A capacidade de produzir o carro tão depressa está associada a uma estratégia diferente no setor automobilístico, disse Mark Stanton, diretor de tecnologia da empresa.

“O medo do fracasso é enorme e essa mentalidade realmente se torna um obstáculo no dia a dia do seu trabalho”, disse Stanton. “Acabamos com isso completamente.”

Um dos principais fatores que preocupam as empresas na Alemanha é o preço sistematicamente alto da energia.

Durante décadas, a Alemanha orgulhou-se de seu abastecimento estável de energia, que mantinha as fábricas produzindo aço e automóveis. Mas a fonte dessa energia era o gás natural canalizado da Rússia, e os alemães recusaram-se a considerar outros fornecedores.

Depois que Moscou interrompeu o fluxo de gás natural para a Alemanha há um ano, como consequência do apoio de Berlim à Ucrânia, o preço do gás mais do que quadruplicou, obrigando muitas empresas a reduzir a produção. Embora os preços tenham caído, continuam quase o dobro daqueles de 2021.

O baque custou às empresas que precisam de quantidades enormes de energia, como os fabricantes de produtos químicos, a sensação de segurança para o planejamento a longo prazo, revelou uma pesquisa anual. A consulta, realizada pela Confederação Alemã das Câmaras de Indústria e Comércio, constatou que a confiança na política energética do governo estava em seu nível mais baixo em mais de uma década.

“Após o choque dos preços da energia no final do ano passado e o inverno relativamente ameno, as empresas estão profundamente preocupadas com os desdobramentos futuros”, disse Achim Dercks, vice-gerente geral da organização.

Na China, incapacidade das montadoras alemãs de atender à demanda crescente por veículos movidos a bateria criou uma oportunidade Foto: Felix Schmitt/The New York Times

Esse temor está fazendo com que muitas empresas da indústria alemã reconsiderem os investimentos planejados anteriormente. No início deste ano, a Volkswagen decidiu abandonar os planos de construir uma segunda fábrica de baterias na Alemanha.

A empresa já está construindo uma fábrica de baterias em Salzgitter, perto da sua sede em Wolfsburg, e outra em Valência, na Espanha. No primeiro semestre, a Volkswagen anunciou que tinha escolhido Ontário como o local de sua primeira fábrica de baterias fora da Europa, atraída por incentivos lucrativos e pelos preços da energia para a indústria, mais baratos aproximadamente um terço em comparação com os da Alemanha.

A redução dos preços da energia em apenas um centavo de euro por quilowatt-hora pode se transformar numa diferença anual de custos de até € 100 milhões na produção de baterias para veículos elétricos, disse Oliver Blume, CEO da Volkswagen, em entrevista à emissora alemã ZDF.

“Se observarmos os preços que estão sendo oferecidos atualmente na América do Norte ou em outras regiões do mundo, a Alemanha está muito distante deles”, disse Blume.

A Volkswagen não é a única procurando por locais fora do país para expandir sua capacidade de produção de veículos elétricos. No início deste ano, a BMW, cuja sede fica em Munique, anunciou que iria investir € 800 milhões no México para produzir baterias de alta tensão e seus novos modelos totalmente elétricos. A expectativa é que esses carros comecem a ser produzidos em 2025, na fábrica da empresa na Hungria.

Na China, a incapacidade das montadoras alemãs de atender à demanda crescente por veículos movidos a bateria criou uma oportunidade, que as montadoras chinesas correram para aproveitar, produzindo carros elétricos acessíveis e atraentes que estão tomando conta do mercado doméstico.

A Volkswagen está tomando atitudes para melhorar sua situação na China. No mês passado, ela anunciou que investiria US$ 700 milhões por uma participação de quase 5% na XPeng, uma startup chinesa que fabrica veículos elétricos, numa tentativa de ajudar a montadora a atender às demandas do mercado chinês.

Mas agora as montadoras chinesas estão de olho na Europa, onde os carros movidos a gasolina serão proibidos em 12 anos.

No salão do automóvel, as montadoras alemãs tradicionais apresentaram seus planos para expandir a produção de veículos totalmente elétricos nos próximos anos, porém as chinesas lançaram os novos modelos que estavam trazendo para o mercado europeu.

“A Europa é um mercado estratégico para a BYD”, disse Michael Shu, diretor da BYD Europa. Segundo ele, no mês passado, sua empresa se tornou a primeira montadora do mundo a distribuir cinco milhões de veículos totalmente elétricos ou híbridos.

Ferdinand Dudenhöffer, diretor do Centro de Pesquisa Automotiva de Duisburg, na Alemanha, descreveu o salão do automóvel deste ano como um “Zeitenwende”, ou momento decisivo – o mesmo termo utilizado pelo chanceler Olaf Scholz ao anunciar a transição da Alemanha na política externa após a Rússia invadir a Ucrânia.

“Um Zeitenwende no qual se vê a Europa transformando-se num mercado interessante para os veículos elétricos chineses”, disse ele. “A competição será mais difícil.”

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