Signatário da Carta em Defesa da Democracia, o economista e ex-diretor do Banco Central (BC) Alexandre Schwartsman afirmou ao Estadão/Broadcast que o documento visa bloquear possíveis reações autoritárias ao resultado das eleições deste ano, e descartou qualquer viés partidário. Criado na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), o manifesto já conta com mais de três mil assinaturas, entre empresários, juristas, profissionais do mercado financeiro, políticos, professores e personalidades.
De acordo com Schwartsman, o objetivo de quem contesta o processo eleitoral do País é tentar uma “solução de força”, semelhante ao ataque ao Capitólio realizado por apoiadores do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump em 2021, na certificação da vitória de Joe Biden.
O economista reconhece um risco real à democracia no Brasil, e exalta o significado da carta em um ambiente como esse.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista
Qual é a importância da Carta em Defesa da Democracia no atual contexto do País, com assinaturas das principais lideranças empresariais, do mercado financeiro, artístico e jurídico?
Ela é de um simbolismo importante porque engloba grupos muito distintos dentro do espectro político nacional. Temos pessoas ligadas a diferentes partidos, e todas elas se manifestam a favor do regime democrático. Como simbolismo, é extremamente importante. Fico feliz que a sociedade civil se manifeste a esse respeito e que ainda tenha essa gente preparada para defender a democracia. Se seguíssemos em silêncio, eu realmente ficaria muito preocupado.
O receio de que o documento tivesse um viés partidário causou alguma discordância entre os signatários?
Eu não estive próximo da formulação da carta, mas minha impressão é que não houve maiores preocupações com a questão de ser visto como apoio a X ou Y. Tem um objetivo que transcende essa discussão, no qual esses grupos concordam, que a democracia é um valor em si e que precisamos preservá-la. Foi difícil de conseguir e é difícil de manter. Não é uma manifestação do PT porque o Lula está bem nas pesquisas, do PSDB ou do MDB. É algo que perpassa partidos políticos, interesses, visões de mundo e visões econômicas. É uma frente unida na defesa da democracia, dizendo que queremos jogar dentro do marco do regime democrático.
Existe o temor de uma reação semelhante ao ataque ao Capitólio dos Estados Unidos após o resultado das eleições?
A falta de originalidade do roteiro que está sendo feito é extraordinária. Vemos exatamente qual é o ponto final em que os inimigos da democracia querem chegar, e parece algo nessa linha, de lançar dúvida sobre o processo eleitoral e tentar uma solução de força caso o presidente perca a eleição, como parece provável neste momento. Nesse sentido, é importante mostrarmos: “aqui não”. Esse manifesto é para bloquear isso. Até no campo que não vê a menor graça no Lula, e me incluo nele. Mas não é questão de eleger ou não o Lula. É questão de manter o regime democrático.
Caso ocorra essa tentativa de uma ‘solução de força’, o senhor acha que nossas instituições reagiriam da mesma forma que as dos EUA, para conter esse avanço?
Espero que sim, mas, se eu falasse que tenho certeza, obviamente estaria mentindo. Se me fizesse essa pergunta há três anos, eu falaria “claro que sim”. Hoje, tenho minhas dúvidas. O mais provável é uma transição pacífica, sem as Forças Armadas embarcarem em uma aventura autoritária, mas há uma probabilidade não desprezível de alguma coisa acontecer. Quanto? Não faço ideia. Mas o fato de eu e várias pessoas hesitarmos em dizer que “em hipótese alguma as Forças Armadas participarão de uma aventura” já é um termômetro de um receio quanto à estabilidade institucional do País.
Existe, então, um risco real à democracia no Brasil?
Algum risco existe. Se não existisse, a gente não precisaria ter feito essa manifestação. Ela também é um sintoma desse tipo de percepção.