A Associação Brasileira dos Operadores de Turismo (Braztoa) divulgou nesta semana uma carta aberta ao mercado, na qual critica a venda de pacotes de viagens com datas flexíveis. A associação destaca que a função de operadoras e agências de turismo é intermediar ao consumidor serviços e produtos - na modalidade em questão, no entanto, a venda pode ocorrer quando o serviço ainda nem foi precificado pelo prestador final. “Nesses casos, na prática o consumidor pode ter adquirido apenas uma expectativa de viagem, e não a viagem em si, o que poderá se revelar em prejuízos futuros”, afirma.
A carta não cita nenhuma empresa, mas menciona as “recentes notícias em torno das vendas de pacotes turísticos com datas em aberto”. A 123milhas é destaque no noticiário após ter anunciado, na semana passada, a suspensão dos pacotes com datas flexíveis, que faziam parte da linha PROMO e tinham previsão de embarque entre setembro e dezembro. Segundo a empresa, a medida foi tomada “devido à persistência de circunstâncias de mercado adversas”.
Além da 123milhas, outra agência de viagens, a Hurb, teve problemas com pacotes flexíveis neste ano. A empresa foi alvo de processo administrativo sancionador da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), por cancelamentos inesperados de pacotes flexíveis, levando o governo a suspender a venda desses pacotes pela empresa. A lógica por trás dessa modalidade é que, como o cliente não escolhe uma data fixa para a viagem, a agência vendedora consegue buscar preços mais baixos para marcar a data de embarque e, assim, cobra menos do consumidor.
Na carta, publicada em seu perfil do LinkedIn, a Braztoa critica os pacotes com datas flexíveis, afirmando que o modelo de negócio “aparentemente se revela insustentável, pois baseia-se em projeções e não na real disponibilidade de serviços, prestados por um terceiro”. A modalidade ainda traria “riscos que podem ensejar o não cumprimento” dos serviços contratados, prejudicando a imagem do setor, segundo a associação.
A Braztoa defende no documento que autoridades e consumidores precisam estar atentos às empresas adeptas da modalidade. “O risco deste tipo de negócio não é devidamente comunicado ao consumidor e não possui regulamentação legal, tornando-se, frisa-se, incerto o seu cumprimento”, diz.
O texto ainda aponta que é “impraticável” a venda de pacotes com valores muito abaixo do praticado pelo mercado, ou ainda, dos que serão precificados muito futuramente (quando são vendidos com muita antecedência). “Reforça-se que em nenhum ramo de negócio existe milagre, ou seja, o consumidor deve desconfiar de empresas ou produtos turísticos com valores muito abaixo aos praticados pela média de preços do mercado, pois o que pode em princípio parecer uma vantagem, ao final, poderá ensejar prejuízo e frustração”, diz.
A Braztoa afirma que seus associados não estão envolvidos na situação atualmente em destaque na imprensa e não pactuam ou praticam este tipo de venda. “Pelo contrário, efetuam todas as reservas para a viagem do cliente antes ou no momento do recebimento, de forma a garantir a disponibilidade de hotel na categoria desejada, bem como o valor e lugar do bilhete aéreo. O consumidor sabe, no momento da compra, exatamente o que está adquirindo”, diz a carta.
Caso 123milhas
A 123milhas anunciou na semana passada a suspensão de pedidos com data flexível e realiza reembolso aos clientes exclusivamente em “vouchers acrescidos de correção monetária de 150% do CDI”, para uso na própria empresa, o que não segue o que é estabelecido no Código de Defesa do Consumidor. Clientes também reclamam que o valor total de reembolso é dividido em vários vouchers e que a empresa impede o uso de mais de um desses cupons em uma única compra.
O Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito civil para apurar suposta “prática abusiva” da 123milhas. O Procon-SP instaurou um procedimento de investigação da agência de viagens, assim como a Senacon, do Ministério da Justiça, que, juntamente com o Ministério do Turismo, investiga o modelo de negócios. A empresa também é alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras, que aprovou a quebra de sigilo fiscal e bancário da 123milhas e de seus sócios, além da convocação dos sócios-administradores para prestar esclarecimentos.