Como relata matéria do Estadão do domingo 17 de janeiro, nada menos que 36,6 mil fábricas foram fechadas no Brasil desde 2014. São 17 por dia. (Veja os gráficos.) Os números foram levantados pela Confederação Nacional do Comércio (CNC).
É um ritmo avassalador. A desidratação da indústria de transformação é fenômeno global, consequência de múltiplos fatores, como o processo de globalização e a revolução tecnológica. Mas, no Brasil, vem acontecendo mais rapidamente do que no resto do mundo.
Desde que começou no Brasil a política de substituição das importações, que se caracteriza pelo esforço de produção no mercado interno dos industrializados que antes se importavam, vem-se discutindo a fragilidade do capital e a falta de competitividade do setor fabril. Por isso, a chamada política industrial tem-se pautado tanto pelo fortalecimento da participação do poder público nas empresas (estatização) quanto pela atração de capitais estrangeiros no setor produtivo.
A ideia era que, por um período relativamente curto, a indústria devesse ser protegida com benefícios fiscais e tarifas alfandegárias elevadas, barrando a entrada de importados, de maneira que pudesse adquirir musculatura e, assim, garantir o desenvolvimento do País. No entanto, os mecanismos de proteção não só se perpetuaram, mas se reforçaram indefinidamente. E isso trouxe consequências.
Longe de fortalecer a indústria, a superproteção produziu efeito contrário. Com as exceções de praxe, a indústria brasileira continua descapitalizada e pouco competitiva. Em fóruns e conferências, repete-se que, apesar de tudo, o Brasil é um mercado enorme e que os capitais de porte não podem ficar de fora. No entanto, até mesmo as multinacionais sofrem dessa anemia. Não conseguem exportar nem para países vizinhos. A saída da Ford é eloquente demonstração disso.
O que se pode acrescentar ao que tem sido dito é que o empresário, por atuação pessoal e por meio de seus organismos de classe, deve ser responsabilizado por grande parte do processo de desindustrialização no Brasil.
Em nome da criação de empregos e do desenvolvimento, ele não faz outra coisa senão passar o pires para favores do governo. São subsídios, créditos a juros favorecidos (como até recentemente os do BNDES), presentes em terrenos, obras de infraestrutura e facilidades burocráticas. Os regimes especiais, como Sudene, Sudam e Zona Franca de Manaus, se multiplicaram nos últimos 70 anos. O empresário quer reservas de mercado, tarifas alfandegárias altíssimas e proteção cambial. Virou folclore na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) a máxima de que, seja qual for a cotação do dólar, o câmbio está sempre “defasado em pelo menos 30%”.
O empresário quer vista grossa no atraso no recolhimento de impostos e sempre pressiona por anistias tributárias. Um Refis (redução e facilidade para pagamentos de impostos devidos) sempre emenda no anterior. É como o viciado em tabaco, que acende o cigarro seguinte na brasa do anterior. Essa relação simbiótica mantém a empresa refém do setor público e dissemina o raquitismo – até que a situação exasperante das finanças públicas não consiga mais garantir a dosagem anterior de vitaminas e estimulantes.
A indústria tem jeito? É claro que tem. Está equivocado o presidente do Ipea, Carlos von Doellinger, que chegou a sugerir que o Brasil desista da indústria e foque no desenvolvimento da agropecuária e da mineração de commodities, esses, sim, setores competitivos. Mas, para que passe a ter jeito, a indústria tem de se livrar das tetas do governo e assumir sua maioridade.
*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA