Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Escravidão: durante e depois


Série 'Escravidão', de Laurentino Gomes, ajuda a entender o Brasil como ele é hoje

Por Celso Ming

A escravidão carregou tanta desgraça País adentro que a comparação com o que acontece agora, por pior que pareça, não deixa de concluir que o Brasil melhorou em pouco mais de 130 anos.

O terceiro e último volume da série de livros de Laurentino Gomes, Escravidão: Da Independência do Brasil à Lei Áurea (2022, Ed. Globo Livros), é uma profusão imperdível de informações, de análises e de bom texto para quem quer entender o Brasil como ele é hoje.

Fato conhecido e muito bem desenvolvido é o de que a brutal revolução da população negra escravizada ocorrida no Haiti a partir de 1791, dois anos depois da Queda da Bastilha, sacudiu também o Brasil e determinou o jogo político local. O pavor predominante de um “Haiti aqui” ajudou a confluir as classes dirigentes em torno do imperador e contribuiu para a manutenção da unidade geográfica e administrativa, num subcontinente latino-americano esfacelado em subcentros de poder.

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Outra consequência do grande medo de uma revolta negra foi o apressamento da imigração. Foi fator de branqueamento genético e cultural da população, que deveria não apenas substituir a mão de obra de pessoas negras, mas, também, neutralizar o risco da revolta.

Terceiro e último volume da série 'Escravidão', de Laurentino Gomes, expõe como a elite brasileira se articulou para evitar revoltas da população negra escravizada no País. Foto: Alex Silva/Estadão - 19/08/2019 Foto:

Fato menos divulgado pelos livros didáticos foi o de que a ameaça de revolução da população negra não ficou restringida aos escravos. Intensificou-se com o aumento do número de libertos a partir da Lei do Ventre Livre (1871) e com a Guerra do Paraguai. Além de categoria situada num vácuo jurídico, os libertos eram vistos como novo perigo para a ordem vigente.

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O livro poderia ter deixado mais clara a motivação econômica da Inglaterra na sua feroz repressão ao fluxo negreiro, especialmente depois da Lei Eusébio de Queirós que, em 1850, aboliu o tráfico. A atuação contundente da Inglaterra chegou a desmoralizar a autoridade imperial. Mas não foi motivada pela defesa dos direitos humanos, como tantas vezes alegado, mas principalmente por interesse comercial. Como a Abertura dos Portos, em 1808, já mostrara, o principal objetivo da Inglaterra, em plena Revolução Industrial, era a expansão dos mercados para seus produtos, que uma população predominantemente escrava não poderia atender.

Capa do livro 'Escravidão Volume III - Da Independência do Brasil à Lei Áurea', de Laurentino Gomes. Obra cobre período entreo 1º leilão de cativos africanos em Portugal, em 1444, até a assinatura da Lei Áurea no Brasil, em 1888. Foto: Globo Livros Foto:

Apesar da crescente campanha abolicionista, transparece no livro o grave defeito da administração pública que vai se perpetuando no Brasil: o da improvisação. Nada se prepara, as coisas vão acontecendo, por mais sérias consequências que acarretem. A Lei Áurea caiu da árvore como fruta apodrecida. Nem o imperador nem as elites dominantes se prepararam para o que veio depois.

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Uma das hipóteses mencionadas pelo autor para explicar a destruição dos arquivos da escravidão determinada por Ruy Barbosa, primeiro ministro da Fazenda do regime republicano, foi a queima das provas que pudessem servir de argumento jurídico para a reivindicação de indenizações a serem pagas pelo Tesouro pela expropriação da propriedade de escravos.

E tem muito mais nesse texto que, além de conhecimento, desperta emoções.  

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA

A escravidão carregou tanta desgraça País adentro que a comparação com o que acontece agora, por pior que pareça, não deixa de concluir que o Brasil melhorou em pouco mais de 130 anos.

O terceiro e último volume da série de livros de Laurentino Gomes, Escravidão: Da Independência do Brasil à Lei Áurea (2022, Ed. Globo Livros), é uma profusão imperdível de informações, de análises e de bom texto para quem quer entender o Brasil como ele é hoje.

Fato conhecido e muito bem desenvolvido é o de que a brutal revolução da população negra escravizada ocorrida no Haiti a partir de 1791, dois anos depois da Queda da Bastilha, sacudiu também o Brasil e determinou o jogo político local. O pavor predominante de um “Haiti aqui” ajudou a confluir as classes dirigentes em torno do imperador e contribuiu para a manutenção da unidade geográfica e administrativa, num subcontinente latino-americano esfacelado em subcentros de poder.

Outra consequência do grande medo de uma revolta negra foi o apressamento da imigração. Foi fator de branqueamento genético e cultural da população, que deveria não apenas substituir a mão de obra de pessoas negras, mas, também, neutralizar o risco da revolta.

Terceiro e último volume da série 'Escravidão', de Laurentino Gomes, expõe como a elite brasileira se articulou para evitar revoltas da população negra escravizada no País. Foto: Alex Silva/Estadão - 19/08/2019 Foto:

Fato menos divulgado pelos livros didáticos foi o de que a ameaça de revolução da população negra não ficou restringida aos escravos. Intensificou-se com o aumento do número de libertos a partir da Lei do Ventre Livre (1871) e com a Guerra do Paraguai. Além de categoria situada num vácuo jurídico, os libertos eram vistos como novo perigo para a ordem vigente.

O livro poderia ter deixado mais clara a motivação econômica da Inglaterra na sua feroz repressão ao fluxo negreiro, especialmente depois da Lei Eusébio de Queirós que, em 1850, aboliu o tráfico. A atuação contundente da Inglaterra chegou a desmoralizar a autoridade imperial. Mas não foi motivada pela defesa dos direitos humanos, como tantas vezes alegado, mas principalmente por interesse comercial. Como a Abertura dos Portos, em 1808, já mostrara, o principal objetivo da Inglaterra, em plena Revolução Industrial, era a expansão dos mercados para seus produtos, que uma população predominantemente escrava não poderia atender.

Capa do livro 'Escravidão Volume III - Da Independência do Brasil à Lei Áurea', de Laurentino Gomes. Obra cobre período entreo 1º leilão de cativos africanos em Portugal, em 1444, até a assinatura da Lei Áurea no Brasil, em 1888. Foto: Globo Livros Foto:

Apesar da crescente campanha abolicionista, transparece no livro o grave defeito da administração pública que vai se perpetuando no Brasil: o da improvisação. Nada se prepara, as coisas vão acontecendo, por mais sérias consequências que acarretem. A Lei Áurea caiu da árvore como fruta apodrecida. Nem o imperador nem as elites dominantes se prepararam para o que veio depois.

Uma das hipóteses mencionadas pelo autor para explicar a destruição dos arquivos da escravidão determinada por Ruy Barbosa, primeiro ministro da Fazenda do regime republicano, foi a queima das provas que pudessem servir de argumento jurídico para a reivindicação de indenizações a serem pagas pelo Tesouro pela expropriação da propriedade de escravos.

E tem muito mais nesse texto que, além de conhecimento, desperta emoções.  

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA

A escravidão carregou tanta desgraça País adentro que a comparação com o que acontece agora, por pior que pareça, não deixa de concluir que o Brasil melhorou em pouco mais de 130 anos.

O terceiro e último volume da série de livros de Laurentino Gomes, Escravidão: Da Independência do Brasil à Lei Áurea (2022, Ed. Globo Livros), é uma profusão imperdível de informações, de análises e de bom texto para quem quer entender o Brasil como ele é hoje.

Fato conhecido e muito bem desenvolvido é o de que a brutal revolução da população negra escravizada ocorrida no Haiti a partir de 1791, dois anos depois da Queda da Bastilha, sacudiu também o Brasil e determinou o jogo político local. O pavor predominante de um “Haiti aqui” ajudou a confluir as classes dirigentes em torno do imperador e contribuiu para a manutenção da unidade geográfica e administrativa, num subcontinente latino-americano esfacelado em subcentros de poder.

Outra consequência do grande medo de uma revolta negra foi o apressamento da imigração. Foi fator de branqueamento genético e cultural da população, que deveria não apenas substituir a mão de obra de pessoas negras, mas, também, neutralizar o risco da revolta.

Terceiro e último volume da série 'Escravidão', de Laurentino Gomes, expõe como a elite brasileira se articulou para evitar revoltas da população negra escravizada no País. Foto: Alex Silva/Estadão - 19/08/2019 Foto:

Fato menos divulgado pelos livros didáticos foi o de que a ameaça de revolução da população negra não ficou restringida aos escravos. Intensificou-se com o aumento do número de libertos a partir da Lei do Ventre Livre (1871) e com a Guerra do Paraguai. Além de categoria situada num vácuo jurídico, os libertos eram vistos como novo perigo para a ordem vigente.

O livro poderia ter deixado mais clara a motivação econômica da Inglaterra na sua feroz repressão ao fluxo negreiro, especialmente depois da Lei Eusébio de Queirós que, em 1850, aboliu o tráfico. A atuação contundente da Inglaterra chegou a desmoralizar a autoridade imperial. Mas não foi motivada pela defesa dos direitos humanos, como tantas vezes alegado, mas principalmente por interesse comercial. Como a Abertura dos Portos, em 1808, já mostrara, o principal objetivo da Inglaterra, em plena Revolução Industrial, era a expansão dos mercados para seus produtos, que uma população predominantemente escrava não poderia atender.

Capa do livro 'Escravidão Volume III - Da Independência do Brasil à Lei Áurea', de Laurentino Gomes. Obra cobre período entreo 1º leilão de cativos africanos em Portugal, em 1444, até a assinatura da Lei Áurea no Brasil, em 1888. Foto: Globo Livros Foto:

Apesar da crescente campanha abolicionista, transparece no livro o grave defeito da administração pública que vai se perpetuando no Brasil: o da improvisação. Nada se prepara, as coisas vão acontecendo, por mais sérias consequências que acarretem. A Lei Áurea caiu da árvore como fruta apodrecida. Nem o imperador nem as elites dominantes se prepararam para o que veio depois.

Uma das hipóteses mencionadas pelo autor para explicar a destruição dos arquivos da escravidão determinada por Ruy Barbosa, primeiro ministro da Fazenda do regime republicano, foi a queima das provas que pudessem servir de argumento jurídico para a reivindicação de indenizações a serem pagas pelo Tesouro pela expropriação da propriedade de escravos.

E tem muito mais nesse texto que, além de conhecimento, desperta emoções.  

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA

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