A aflição produzida pela pandemia deixa despercebida pela opinião pública outra ameaça à economia: os baixos níveis dos reservatórios de água das hidrelétricas do subsistema Sudeste/Centro-Oeste, que não foram recompostos nesta temporada de chuvas, que já está em seu final.
Desta vez, está afastada a ameaça maior, a de que sobrevenha um apagão de energia elétrica, como o que houve em 2001. Desde então, o Brasil conseguiu desenvolver um sistema de compensação entre as várias fontes de energia elétrica, de maneira a suprir crises de oferta e dar mais segurança ao fornecimento. Como as usinas termoelétricas são acionadas a gás ou a derivados de petróleo, cujas cotações em escalada já sobem mais de 20% somente neste ano, serão inevitáveis novos aumentos das tarifas de energia elétrica, fator que deverá pressionar os preços no atacado e, também, o custo de vida (inflação).
Desde setembro de 2020, os reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste, responsável pela geração de cerca de 70% da energia consumida no País, operam com armazenamento médio próximo ou abaixo dos 30% de sua capacidade. Apenas para comparar, em 12 meses, o nível dos reservatórios da região caiu cerca de 25,20% (veja o gráfico). E ainda há o risco de que a quarta maior hidrelétrica do País, a usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Porto Velho (RO), seja paralisada por 57 dias.
O ex-presidente da Eletrobrás e professor de planejamento energético da Coppe/UFRJ, Luiz Pinguelli Rosa, explica: “A maior geração de energia pelas termoelétricas aciona as bandeiras amarela ou vermelha, que transferem o aumento de custos para o consumidor, principalmente via aumento da tarifa de distribuição”.
A partir deste ano, o consumidor também passará a pagar os custos da Conta-Covid. É que, ao longo desta pandemia, o governo fez empréstimos de R$ 16 bilhões para as distribuidoras com o objetivo de evitar reajustes maiores nas tarifas de energia elétrica durante o ano de 2020. Ao longo dos cinco anos seguintes, esse aumento de custos também terá de ser repassado ao consumidor final.
Mas há outros fatores que vêm pressionando os custos. O Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), que acumulou alta de 23,14% no ano passado, continua sendo o principal indexador nos contratos de transmissão e distribuição de energia elétrica.
Um estudo da TR Soluções, empresa de tecnologia aplicada ao setor elétrico, calcula que, em 2021, a conta de luz deverá ter um aumento médio de 14,5%. As altas devem ocorrer em torno de 21,2% na Região Centro-Oeste; 19,4% no Norte; 17,6% no Nordeste; 13,1% no Sudeste; e 12,2% na Região Sul.
A indústria, especialmente os setores que mais dependem de energia elétrica, já enfrenta o impacto desses custos, num momento em que tem de aumentar os esforços por mais produtividade.
Como informa Fillipe Soares, diretor técnico da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), em janeiro, os consumidores industriais que dependem do fornecimento do segmento livre tiveram de pagar R$ 39 por MWh em Encargos de Serviços do Sistema (ESS) por conta do acionamento das térmicas. A média desses encargos paga nos últimos quatro anos ficou em torno dos R$ 3 por MWh. Isso implica aumento de custos de produção nos setores de materiais de construção, de alimentos congelados, veículos e gases industriais.
No início desta semana, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) reduziu o limite do despacho das térmicas para até 15 mil MW médios, abaixo dos 16,5 mil MW médios que vigoravam até então. Mas, para reequilibrar o mercado, o Operador Nacional do Sistema (ONS) deve antecipar a entrada de grandes termoelétricas no Sistema Interligado Nacional (SIN) neste ano em relação ao ano passado, para garantir a recuperação dos reservatórios./ COM PABLO SANTANA*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA