Jornalista e comentarista de economia

Opinião|O medo


O medo tem tomado o espaço da confiança na política e na economia e promovido sérios riscos aos regimentos democráticos em todo o mundo

Por Celso Ming

Por toda a parte, arranjos totalitários vêm colocando em risco a democracia. Isso acontece, como dito na Coluna do dia 18, porque o medo toma o espaço da confiança na política e na economia.

O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) baseou sua teoria política na emoção primária que muito bem conhecia: “Minha mãe pariu gêmeos, eu e o medo”, disse. Pois Hobbes ensinou que o medo e a insegurança primordial levam as pessoas e a sociedade a escolherem um chefe ao qual delegam o poder de exercer o comando do grupo, da tribo, do país. A consequência é a criação do Estado, a que ele deu o nome de um monstro marinho, o Leviatã. Muito antes de Hobbes, o poeta romano Petrônio (séc. I d.C.), escreveu: “O medo primitivo produziu os deuses na terra (primus in orbe, deos fecit timor)”. O medo modela as instituições, inclusive a religião.

Desde cedo, o ser humano é manipulado em seus medos. Histórias infantis e canções de ninar falam de lobo mau, bruxas, boi da cara preta, cuca, homem do saco e do papa-figo.

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Mas, durante milênios, o medo foi reprimido na cultura ocidental. Quem manifestasse medo se expunha a ser visto como covarde e molengão. Bom era “o cavaleiro sem medo e sem mancha (le chevalier sans peur e sans reproche)”. Virtude equivalia a coragem.

Depois de milênios de História e de evolução cultural, o ser humano ainda lida mal com o medo. Ilustração: Marcos Müller/Estadão Foto:

Os espartanos eram valentes na luta, não temiam inimigos externos. Esparta era uma das raras cidades sem muralhas. Um dos seus reis, Argesilau (séc. IV a.C.), apontava para seus guerreiros e dizia: “Eis as muralhas de Esparta”. E a quem perguntasse onde ficavam os limites da cidade, respondia brandindo a espada: “Até onde isto chegue”. Mas os espartanos tinham um medo que chegava ao paroxismo: viviam sob permanente temor de revolta dos hilotas, seus escravos. Para dar conta desse medo, militarizaram à exaustão cidadãos e instituições e viviam sob um regime de grande austeridade, espartanamente.

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Em toda a parte, o medo podia transformar-se em pânico: quando grassava a peste, quando os bárbaros chegavam às portas da cidade ou quando os combatentes se julgavam perdidos. Era o deus Pã, que os tomava, daí o pânico. Situações de pânico se estenderam ao medo da heresia (à inquisição) às guerras religiosas, ao tombo repentino dos mercados.

Foi Freud e os psicanalistas que vieram depois dele que resgataram o medo das profundezas obscuras da alma.

O historiador francês, Jean Delumeau, em sua obra História do Medo no Ocidente (Cia. das Letras), produziu notável inventário dos medos que sacudiram a civilização ocidental: medo do mar, da escuridão, da peste, da morte, do inferno. Medo do fim do mundo, do diabo. Medo da mulher e vice-versa, medo do estupro, das bruxas, dos diferentes, do vizinho, dos de outra religião, como muçulmanos e judeus...

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Depois de milênios de História e de evolução cultural, o ser humano ainda lida mal com o medo. E torna tudo ainda mais difícil quando a sociedade segue negando sua existência e seu jogo. Medo de tudo e medo de nada. Pior ainda, quando a vítima é a democracia. 

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA

Por toda a parte, arranjos totalitários vêm colocando em risco a democracia. Isso acontece, como dito na Coluna do dia 18, porque o medo toma o espaço da confiança na política e na economia.

O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) baseou sua teoria política na emoção primária que muito bem conhecia: “Minha mãe pariu gêmeos, eu e o medo”, disse. Pois Hobbes ensinou que o medo e a insegurança primordial levam as pessoas e a sociedade a escolherem um chefe ao qual delegam o poder de exercer o comando do grupo, da tribo, do país. A consequência é a criação do Estado, a que ele deu o nome de um monstro marinho, o Leviatã. Muito antes de Hobbes, o poeta romano Petrônio (séc. I d.C.), escreveu: “O medo primitivo produziu os deuses na terra (primus in orbe, deos fecit timor)”. O medo modela as instituições, inclusive a religião.

Desde cedo, o ser humano é manipulado em seus medos. Histórias infantis e canções de ninar falam de lobo mau, bruxas, boi da cara preta, cuca, homem do saco e do papa-figo.

Mas, durante milênios, o medo foi reprimido na cultura ocidental. Quem manifestasse medo se expunha a ser visto como covarde e molengão. Bom era “o cavaleiro sem medo e sem mancha (le chevalier sans peur e sans reproche)”. Virtude equivalia a coragem.

Depois de milênios de História e de evolução cultural, o ser humano ainda lida mal com o medo. Ilustração: Marcos Müller/Estadão Foto:

Os espartanos eram valentes na luta, não temiam inimigos externos. Esparta era uma das raras cidades sem muralhas. Um dos seus reis, Argesilau (séc. IV a.C.), apontava para seus guerreiros e dizia: “Eis as muralhas de Esparta”. E a quem perguntasse onde ficavam os limites da cidade, respondia brandindo a espada: “Até onde isto chegue”. Mas os espartanos tinham um medo que chegava ao paroxismo: viviam sob permanente temor de revolta dos hilotas, seus escravos. Para dar conta desse medo, militarizaram à exaustão cidadãos e instituições e viviam sob um regime de grande austeridade, espartanamente.

Em toda a parte, o medo podia transformar-se em pânico: quando grassava a peste, quando os bárbaros chegavam às portas da cidade ou quando os combatentes se julgavam perdidos. Era o deus Pã, que os tomava, daí o pânico. Situações de pânico se estenderam ao medo da heresia (à inquisição) às guerras religiosas, ao tombo repentino dos mercados.

Foi Freud e os psicanalistas que vieram depois dele que resgataram o medo das profundezas obscuras da alma.

O historiador francês, Jean Delumeau, em sua obra História do Medo no Ocidente (Cia. das Letras), produziu notável inventário dos medos que sacudiram a civilização ocidental: medo do mar, da escuridão, da peste, da morte, do inferno. Medo do fim do mundo, do diabo. Medo da mulher e vice-versa, medo do estupro, das bruxas, dos diferentes, do vizinho, dos de outra religião, como muçulmanos e judeus...

Depois de milênios de História e de evolução cultural, o ser humano ainda lida mal com o medo. E torna tudo ainda mais difícil quando a sociedade segue negando sua existência e seu jogo. Medo de tudo e medo de nada. Pior ainda, quando a vítima é a democracia. 

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA

Por toda a parte, arranjos totalitários vêm colocando em risco a democracia. Isso acontece, como dito na Coluna do dia 18, porque o medo toma o espaço da confiança na política e na economia.

O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) baseou sua teoria política na emoção primária que muito bem conhecia: “Minha mãe pariu gêmeos, eu e o medo”, disse. Pois Hobbes ensinou que o medo e a insegurança primordial levam as pessoas e a sociedade a escolherem um chefe ao qual delegam o poder de exercer o comando do grupo, da tribo, do país. A consequência é a criação do Estado, a que ele deu o nome de um monstro marinho, o Leviatã. Muito antes de Hobbes, o poeta romano Petrônio (séc. I d.C.), escreveu: “O medo primitivo produziu os deuses na terra (primus in orbe, deos fecit timor)”. O medo modela as instituições, inclusive a religião.

Desde cedo, o ser humano é manipulado em seus medos. Histórias infantis e canções de ninar falam de lobo mau, bruxas, boi da cara preta, cuca, homem do saco e do papa-figo.

Mas, durante milênios, o medo foi reprimido na cultura ocidental. Quem manifestasse medo se expunha a ser visto como covarde e molengão. Bom era “o cavaleiro sem medo e sem mancha (le chevalier sans peur e sans reproche)”. Virtude equivalia a coragem.

Depois de milênios de História e de evolução cultural, o ser humano ainda lida mal com o medo. Ilustração: Marcos Müller/Estadão Foto:

Os espartanos eram valentes na luta, não temiam inimigos externos. Esparta era uma das raras cidades sem muralhas. Um dos seus reis, Argesilau (séc. IV a.C.), apontava para seus guerreiros e dizia: “Eis as muralhas de Esparta”. E a quem perguntasse onde ficavam os limites da cidade, respondia brandindo a espada: “Até onde isto chegue”. Mas os espartanos tinham um medo que chegava ao paroxismo: viviam sob permanente temor de revolta dos hilotas, seus escravos. Para dar conta desse medo, militarizaram à exaustão cidadãos e instituições e viviam sob um regime de grande austeridade, espartanamente.

Em toda a parte, o medo podia transformar-se em pânico: quando grassava a peste, quando os bárbaros chegavam às portas da cidade ou quando os combatentes se julgavam perdidos. Era o deus Pã, que os tomava, daí o pânico. Situações de pânico se estenderam ao medo da heresia (à inquisição) às guerras religiosas, ao tombo repentino dos mercados.

Foi Freud e os psicanalistas que vieram depois dele que resgataram o medo das profundezas obscuras da alma.

O historiador francês, Jean Delumeau, em sua obra História do Medo no Ocidente (Cia. das Letras), produziu notável inventário dos medos que sacudiram a civilização ocidental: medo do mar, da escuridão, da peste, da morte, do inferno. Medo do fim do mundo, do diabo. Medo da mulher e vice-versa, medo do estupro, das bruxas, dos diferentes, do vizinho, dos de outra religião, como muçulmanos e judeus...

Depois de milênios de História e de evolução cultural, o ser humano ainda lida mal com o medo. E torna tudo ainda mais difícil quando a sociedade segue negando sua existência e seu jogo. Medo de tudo e medo de nada. Pior ainda, quando a vítima é a democracia. 

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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