As esquerdas já não são mais aquelas. Mas o que passaram a ser?
Abandonaram o discurso da luta de classes. Apegam-se a programas, quase sempre vagos, embora justos, de defesa de políticas de gênero, de combate ao racismo, de proteção aos índios, de promoção das minorias LGBT+. Mas de horizonte limitado.
Cada vez mais vêm aderindo a propostas de proteção socioambiental, coisa com a qual qualquer banqueiro hoje se identifica, dados os altos riscos do crédito para pessoas e empresas que desrespeitam o equilíbrio da natureza.
No Brasil, graças ao sucesso do agronegócio, cada vez menos gente combate o latifúndio improdutivo e defende a reforma agrária, tal como pretendida há algumas décadas.
A noção de interesses do proletariado enfrenta o impacto da revolução do mercado de trabalho. A grande difusão da tecnologia da informação e dos aplicativos digitais, acompanhada pela forte expansão do setor de serviços, ampliou os horizontes das ocupações autônomas. O objetivo do trabalhador parece cada vez menos o de obter um emprego formal, mas de viver por conta própria, sem patrão, com horários flexíveis e mais tempo para o lazer. Essa transformação exige revisão das bases ideológicas que nortearam os programas de esquerda.
Até mesmo os movimentos sindicais estão cada vez mais sujeitos a solavancos. No Brasil, por exemplo, as duas maiores categorias sindicais eram a dos bancários e a dos comerciários. Grande parte das operações bancárias passou a ser feita pelo celular e dispensou agências bancárias e funcionários do setor. O comércio eletrônico está reduzindo a necessidade de vendedores e de caixas no varejo. A vida sindical não está sendo esvaziada pelo fim do imposto sindical previsto nas reformas do governo Michel Temer. Por trás dela estão essas transformações mais as que estão por vir, que exigem novos estatutos de proteção ao trabalhador.
As esquerdas vêm também se apegando a programas de redução da desigualdade, mais baseados na taxação dos mais ricos do que na transformação da sociedade e na criação de renda nacional. Deixam para segundo plano a luta contra a pobreza.
Como observou o escritor Alvaro Vargas Llosa, em entrevista a José Fucs, publicada no Estadão desta quinta-feira, os sucessivos governos de esquerda na América Latina vêm falhando na promoção do desenvolvimento. Um dos países mais igualitários é Cuba, mas seu progresso econômico e a superação da pobreza seguem estagnados.
Em política econômica, as esquerdas no poder oscilam entre adotar programas nacionalistas carregados de populismo, heterodoxia e mais força ao setor estatal e alguma atração a investimentos do setor privado.
Tão difícil como entender para onde vão as esquerdas convencionais é tentar entender o que é ser de esquerda hoje.
Já que a utopia da ditadura do proletariado foi rejeitada, a saída é lutar pelos princípios da social-democracia?