Passado o impacto da vitória acachapante do autodenominado anarcocapitalista e libertário Javier Milei nas eleições para presidente da Argentina, a hora é de olhar mais para o que pode acontecer e não para o que foi a verborragia eleitoreira.
Milei é um principiante em política e em política econômica. Independentemente do que poderia ser visto como compromissos assumidos em campanha, e mais do que fazer a exegese de sua parlapatice teatral, convém entender para onde conduz a lógica dos fatos e a energia da sociedade argentina.
A retórica de campanha tem de ser entendida muito mais como fruto dos anseios da sociedade do que como políticas a serem adotadas imediatamente.
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A proposta de dolarização da economia, por exemplo, é mais a necessidade de garantir certa estabilidade à moeda do que um imperativo de livre curso imediato às moedas estrangeiras no mercado local. O fechamento do Banco Central, tão insistentemente defendido pelo futuro presidente argentino, deve ser visto no sentido metafórico. O que conta é que terá de ser fechada a guitarra emissora de moeda, que até agora só produziu inflação. Mas o Banco Central não pode ser fechado para suas funções primárias, que são as de defender a moeda, de administrar o câmbio e de supervisionar o sistema bancário.
Se no cargo de comandantes da equipe econômica forem confirmados colaboradores estreitos do ex-presidente e agora aliado Mauricio Macri, como seu então (2015-2018) presidente do Banco Central Federico Sturzenegger, hoje lembrado para a pasta da Economia, então teremos indicação de que o comando da macroeconomia será entregue a condutores com bom grau de confiabilidade.
Para evitar o naufrágio não bastará credibilidade residual. Será preciso apagar vastos incêndios a bordo. A inflação se aproxima dos 150% ao ano e daí, para a hiperinflação. Tomada por subsídios, subvenções e congelamentos de preços em áreas essenciais, a estrutura de preços relativos na Argentina está uma bagunça. Sem um choque de arrumação, não será possível seguir viagem.
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Um choque de arrumação, por sua vez, cujo núcleo terá de ser a recuperação das condições fiscais do país deverá piorar tudo antes de melhorar. Deverá provocar mais inflação imediata, porque preços essenciais estão muito represados, a começar pelos do câmbio oficial. Parece inevitável um colapso temporário da atividade econômica que só poderá ajudar a manter a embarcação à tona se o novo governo empenhar todo seu novo capital político para o pacote de maldades que tiver de ser distribuído à sociedade.
Não se trata aqui de dar um voto gratuito de confiança a um hábil manipulador de plateias sofridas. É questão de reler os fatos de um jeito diferente.
Mas, decididamente, seguir repetindo que Milei não passa de um “loco de extrema derecha” e de um Trump do Prata parece perigoso reducionismo.