Em seu pronunciamento na tarde de ontem, o presidente Michel Temer argumentou que não renuncia porque a sua saída do governo, justo agora, comprometeria a retomada da economia, que deu os primeiros sinais nesta semana, e prejudicaria a aprovação das reformas, em especial a da Previdência, que já estão encaminhadas. Para os economistas, no entanto, a decisão do presidente terá o efeito contrário: após as denúncias, não é a renúncia de Temer, mas a sua permanência que tende a inviabilizar a aprovação das reformas.
Ontem mesmo, foram suspensas as tramitações das duas reformas em curso. O deputado Arthur Maia, relator da reforma da Previdência na Câmara, divulgou nota explicando: “Passamos a viver um cenário crítico, de incertezas e forte ameaça da perda das conquistas alcançadas com tanto esforço”, diz o texto. E prossegue: “Certamente, não há espaço para avançarmos com a Reforma da Previdência no Congresso Nacional.” Por sua vez, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) suspendeu a tramitação do projeto que reforma as leis trabalhistas (leia mais abaixo).
“Se já estava difícil conseguir 308 votos para a reforma da Previdência, por exemplo, no ambiente minimamente estável em que o País se encontrava, daqui para frente, nossa avaliação é que a votação se tornou mais complicada, distante”, diz Alessandra Ribeiro, diretora da área de Macroeconomia e Política da Tendências Consultoria.
Outro forte indicativo dessa tendência é o esfacelamento da base de apoio do governo. Ontem mesmo Roberto Freire, ministro da Cultura (PPS-SP), pediu oficialmente para deixar o governo. A expectativa é que o PSDB inteiro desembarcasse a qualquer momento. “Temer pode até insistir, resistir, mas o pessoal já está pulando fora”, diz ela.
A visão geral entre os especialistas é que, ao insistir em permanecer no cargo, Temer não apenas traz de volta a crise de confiança, como aprofunda o mal-estar em relação ao Brasil. “Paralisou tudo e o cenário para essa paralisia vai nos colocar numa trajetória perigosíssima, instabilidade na governança é perigosíssima”, diz o economista Paulo Tafner, pesquisador da área de Previdência da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (Fipe/USP).
Corrupção endêmica. Para Tafner, melhor seria encarar que o governo está no limite e arrumar a casa: “Chegou a hora de assumir o custo pelo processo de corrupção endêmica que tomou conta do Brasil: se a gente sair com a cara limpa, tudo bem; o problema é se não conseguirmos fazer isso”, diz ele.
A renúncia poderia acalmar os mercados mais rapidamente, avaliam os analistas. Seguidos os trâmites constitucionais e empossado um novo presidente, de consenso, até seria possível cogitar a retomada das reformas. “Se chegarmos no fim de julho com um governo de consenso, a tendência é que a pressão dê uma boa acalmada”, diz o economista-chefe do banco Fator, Francisco Gonçalves.
A visão geral é que buscar alternativas para manter as reformas na pauta é a prioridade, em especial a reforma da Previdência. Como o atual governo fixou um teto para o gasto, se não estancar o crescimento da despesa previdenciária, que anualmente sobe 4% acima da inflação, haverá asfixia das contas públicas: o pagamento de aposentadorias e pensões vai consumir recursos de outras áreas – dos investimentos, da educação, da saúde, da máquina pública. Em seu último relatório, a Instituição Fiscal Independente fez a conta. Com a reforma da Previdência, o governo deixaria de ter folga fiscal em 2019 e teria algo como 7% de déficit dentro do limite do teto em 2030. Sem nenhuma reforma, o estrangulamento começaria em 2022 e geraria um déficit da ordem de 18% em 2030.