No início deste mês, a Coteminas, do empresário Josué Gomes da Silva, presidente (que pediu afastamento) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), pediu recuperação judicial. A tutela de urgência foi deferida pela 2.ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte.
Em abril, uma empresa com mais de 50 anos de tradição na fabricação de estruturas metálicas pediu recuperação judicial no Rio Grande do Sul. A Medabil atribuiu a crise às paradas de atividades durante a pandemia e aos juros altos do Brasil.
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No ano passado, as recuperações judiciais registraram alta de 68,7% em comparação com 2022, segundo o Indicador de Falência e Recuperação Judicial da Serasa Experian.
Foram 1.405 pedidos durante o ano, o quarto índice mais alto desde o início da série histórica, em 2005, e o maior número desde 2020. Neste ano, os números continuam em alta, com uma série de grandes empresas recorrendo à Justiça para se proteger de credores.
O mesmo tem ocorrido com as falências, que subiram 13,5% no ano passado, com 983 pedidos, superando os 866 de 2022. “Os números revelam o ambiente de dificuldade financeira que as empresas estão vivendo atualmente, refletindo as taxas de juros no País que, embora tenham sido reduzidas, ainda impactam os caixas das empresas, que se veem em dificuldade para se reorganizar financeiramente”, avaliou o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi.
Outros indicadores, como produtividade e empregos, confirmam o cenário de crise em que o setor industrial está imerso. Um processo de desindustrialização do País acontece há décadas, como demonstra a queda de participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
O porcentual, que chegou a 36%, atualmente está em torno de 24%. No caso da indústria de transformação, a participação de cerca de 21% na década de 1980 estava em torno de 10% no ano passado.
De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o faturamento do setor industrial caiu 2,3% no último ano, em relação ao exercício anterior. O patamar desse faturamento é o mesmo de 2017. O nível de emprego também se encontra estagnado, segundo a confederação. No comparativo entre 2023 e 2022, houve uma ligeira queda de 0,1%.
A desconfiança com a economia brasileira causa retração de investimentos. No mês de maio, até o dia 20, as bolsas emergentes subiram, em média, 7%, enquanto o Ibovespa subiu menos de 2%, o que repercute negativamente entre investidores internos e externos. O índice da B3 é o principal da bolsa brasileira e sinaliza que o mercado brasileiro está menos atrativo em relação aos demais emergentes.
Para André Colares, CEO da Smart House Investments, o desempenho do Ibovespa pode ter sido inferior ao de outros mercados devido a questões internas do Brasil, como incertezas políticas, econômicas ou fiscais. “Problemas como inflação alta, taxas de juros elevadas e previsões de crescimento econômico mais baixas podem ter afetado negativamente a confiança dos investidores”, observa Colares.
Ele ressalva que a composição do Ibovespa, mais inclinada para setores como commodities e bancos, pode não ter sido influenciada pela recuperação de setores específicos que são menos representativos no Brasil.
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O resultado aparece na produtividade da indústria de transformação brasileira. Nos últimos 27 anos, ela caiu quase 1% ao ano, em média. Isso significa que, se em 1995 cada hora trabalhada no Brasil gerava R$ 45,50 em produtos, em 2022 eram apenas R$ 36,50 por hora trabalhada. E, segundo especialistas, não há, à vista, nenhuma medida em discussão para mudar esse quadro.
Ao longo desse período, em 11 anos ocorreram melhoras em relação ao ano anterior, mas a média durante essas quase três décadas é negativa em 0,9%. De acordo com especialistas, para um país se tornar competitivo, ganhar mercado interno e exportar, ele tem de melhorar sua produtividade.
Esse indicador eleva a competitividade da empresa, os trabalhadores produzem mais, os preços dos produtos caem seguindo a redução dos custos e as vendas e as exportações aumentam.
De acordo com economistas, nos últimos anos, o Brasil se preocupou, corretamente, em dar competitividade ao agronegócio, mas não fez o mesmo com a indústria, que está minguando a cada ano.
Em 1995, a produtividade por hora trabalhada na agropecuária era de R$ 5,90, valor que foi a R$ 25,50 em 2022. Em média, o setor da agropecuária cresceu 5,5% anualmente. Hoje o agronegócio brasileiro é competitivo, tem muita inovação, exporta e importa bastante, ou seja, é um setor conectado com a economia global. O que se espera é uma política que coloque a indústria nessa rota.
Foi de olho nesse caminho, na tentativa de melhorar a competitividade do setor e dar um impulso aos negócios no País, que o governo lançou no início deste ano o Programa Nova Indústria Brasil, com a previsão de incentivos à indústria nacional até o ano de 2033.
O plano prevê o uso de políticas públicas, como subsídios, empréstimos reduzidos e investimentos federais, para tentar estimular diversos setores da economia.
O programa estabeleceu seis missões a serem cumpridas, entre elas a transição ecológica e a modernização do parque industrial brasileiro. Entre os setores que receberão incentivos estão a infraestrutura urbana, a agroindústria, a bioeconomia, a tecnologia da informação, a saúde e a defesa nacional.
Um dos objetivos da neoindustrialização, na qual a descarbonização e a bioeconomia estão inseridas, é reduzir a dependência da economia da exportação de commodities, incentivando a produção de bens de maior valor agregado. O governo prevê aplicar R$ 300 bilhões no programa via financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
De acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), o fortalecimento da indústria brasileira é a chave para o desenvolvimento sustentável do País, que vem enfrentando um processo de desindustrialização desde os anos 1980.
Para o superintendente de Economia da CNI, Mario Sérgio Telles, está mais do que na hora de eliminar os entraves que levaram a indústria do Brasil a perder participação na economia mundial.
“Há cerca de 30 anos, a indústria de transformação brasileira representava 2,58% da indústria de transformação do mundo. Em 2022, caímos para 1,2%. É um processo que a gente tem de reverter em um cenário complicado, de muitas transformações, de desafios políticos e climáticos, e de dificuldades econômicas”, afirmou Telles.
Esse cenário de desafios mundiais, como a corrida pela descarbonização, para a qual existem tecnologias desenvolvidas, esbarra em um movimento de desglobalização, protecionismo e barreiras tarifárias entre países, segundo ele.
“Tivemos um avanço com o programa Nova Indústria Brasil, com a indústria colocada no centro desse programa, mas, para sermos competitivos, precisamos de energia e transporte mais baratos, melhor qualificação do nosso pessoal humano e, sobretudo, reduzir o custo Brasil”, disse o superintendente da CNI.
Telles vê como positiva a liberação de recursos a um custo mais baixo para financiar os investimentos na indústria. “Hoje estamos com R$ 300 bilhões em quatro anos, mas é preciso que esses recursos aumentem. No ano passado, já tivemos um aumento expressivo nos recursos para a inovação na indústria. Este ano vamos ter quase R$ 13 bilhões para ciência, tecnologia e inovação, o que é muito relevante.”
O superintendente da confederação vê o Brasil mais bem posicionado do que muitos países na transição para a energia verde. “Temos vantagens competitivas interessantes, já que 84% da energia produzida no País vem de fontes renováveis. Não tem país no mundo com uma matriz energética tão limpa, mas a energia chega cara para o consumidor. Temos setores da indústria muito competitivos, mas precisamos continuar atacando o custo Brasil para dar mais competitividade do portão para fora”, disse Telles.