DAVOS, SUÍÇA - Estreante no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, o presidente da Gerdau, Gustavo Werneck, não esconde a sua preocupação com a economia brasileira, em especial com a indústria.
Enquanto países como México, que surfa na onda do nearshoring (realocação da produção em países próximos ao mercado de interesse), além dos Estados Unidos e a Turquia atuaram em prol de suas indústrias locais, o Brasil, na avaliação do executivo, não tem se mexido na mesma direção. Isso faz com que a companhia cogite rever investimentos à frente, segundo ele.
“Começamos o ano bastante preocupados com o Brasil. Nenhum setor nos quais atuamos está absolutamente pujante neste momento”, diz o presidente da Gerdau, durante o Fórum de Davos, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast.
Ainda que os juros já tenham começado a cair no Brasil, o ambiente de taxas elevadas, com a Selic em 11,75% ao ano, deve inibir o consumo, afetando segmentos essenciais para o negócio da maior produtora de aço do Brasil. A construção vai ter um ano difícil para lançamentos, enquanto o segmento industrial sofre com a competição de máquinas importadas. Por sua vez, a indústria automotiva, depois de um 2023 ruim em produção, pode se recuperar neste ano, mas não há um “otimismo exagerado”, pondera Werneck.
“No curtíssimo prazo, a dificuldade de crédito e na renda familiar vão impedir de termos a demanda de aço que gostaríamos”, afirma o presidente da Gerdau.
Nesse sentido, ele reforça a crítica à concorrência chinesa. Conforme Werneck, o aço importado da China além de não seguir os princípios da Organização Mundial do Comércio (OMC), vem com uma emissão de CO₂ mais intensa, uma vez que o país é um grande produtor via minério de ferro. “Vai tudo contra o que a gente está falando”, afirma.
Para o executivo, dado que 2024 é um ano de eleições municipais, que dificulta a aprovação de reformas, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria dar celeridade a ações que melhorem o ambiente de negócios no País. Fora a reforma tributária, Werneck pontua que não há nenhuma iniciativa do vice-presidente, Geraldo Alckmin, nem do governo federal que busque melhorar a competitividade da indústria e das empresas nacionais.
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“Não queremos nenhum tipo de proteção, de benesse. Só queremos competição justa, igualitária”, cobra o CEO da Gerdau. “Se medidas urgentes não forem tomadas, isso é mais uma pá de cal no setor industrial, que é muito relevante. Um país em desenvolvimento como o Brasil não pode prescindir da indústria”.
Investimentos
O difícil ambiente de competição no Brasil pode levar a maior produtora de aço do País a rever os seus investimentos à frente, após reafirmá-los no fim do ano passado. De acordo com o previsto atualmente, somente o Estado de Minas Gerais deve receber uma injeção de R$ 5 bilhões até 2026. No total, a Gerdau prevê investir R$ 12 bilhões entre 2021 e 2026.
“Se, ao longo de 2024, não sentirmos que o governo federal e os estaduais estão, de fato, olhando a indústria de uma forma a criar condições de competitividade, podemos rever esses números”, admite o presidente da Gerdau. “Temos pensado nisso, mas ainda temos a expectativa de que alguma coisa seja feita”, acrescenta.
Um dos questionamentos que a Gerdau tem feito nos últimos tempos é se não deveria direcionar os investimentos que destina ao Brasil para os Estados Unidos. Em 2023, pelo segundo ano consecutivo, a operação americana da companhia superou a brasileira. E, pelo andar da carruagem, 2024 será novamente assim, com os negócios nos EUA sendo mais relevantes do que os no Brasil para o conglomerado de 123 anos, celebrados nesta terça-feira, conforme Werneck.
O ano também será de consolidação dos negócios lançados pela Gerdau, de olho em novos mercados e avenidas de crescimento. Um dos mais recentes foi a joint venture (união entre empresas) com a Randon e que deu origem à Addiante, focada na locação de máquinas e veículos pesados no Brasil. As projeções de crescimento são otimistas.
“Daqui a uns cinco anos, a Addiante vai trazer um nível de receita e de resultado financeiro que vai nos ajudar a passar um pouco melhor por situações como essa que estamos atravessando”, diz o executivo.
Ainda assim, em meio a um cenário de dificuldades, outros negócios podem ser revistos, afirma Werneck. Um deles é o fundo de venture capital (capital de risco) que apoia negócios em estágio inicial. “Nosso investimento em venture vai cair este ano por conta do cenário de dificuldades que estamos enfrentando na indústria. Vamos ser um pouco mais seletivos”, adianta o presidente da Gerdau. Sobre o montante a ser reduzido, ele afirma que está em debate.
Fusão
A Gerdau segue buscando melhorar a sua eficiência com apoio da tecnologia e do uso da inteligência artificial (IA), um dos temas de destaque no Fórum Econômico Mundial deste ano. Como exemplos práticos, cita o uso de representações virtuais, conhecido como ‘digital twin’, através de modelos preditivos para identificar problemas futuros nos equipamentos. Outro uso está relacionado à segurança do trabalho, evitando a ocorrência de acidentes.
“Se a gente não for ao limite de buscar a nossa eficiência, vai ser ainda mais difícil competir neste ambiente de dificuldades”, reforça Werneck.
Sobre uma possível fusão entre a Gerdau e a Metalúrgica Gerdau, o executivo afirma que esse é um tema que está amadurecendo na companhia. Mas, novamente, o martelo depende das medidas em estudo pela equipe econômica, chefiada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Na conta, a empresa vai considerar impactos com a reforma tributária, a discussão dos juros sobre capital próprio e da tributação de lucros no exterior.
“Sem entender todo esse arcabouço de transformações, para nós, não tem sentido debater isso. Talvez, no futuro, olhando todas essas mudanças que estão em debate e que acabam impactando essa decisão”, afirma Werneck. O debate está prematuro e o martelo ainda não foi batido, conclui.