THE WASHINGTON POST – O aroma fresco e marcante no entorno dos tanques de fermentação cônicos na Austin Beerworks é um sinal de que trilhões de células de leveduras estão transformando o líquido açucarado e lupulado dentro deles em cerveja.
Mas há outro subproduto: o dióxido de carbono.
A fermentação libera CO₂ à medida que a levedura transforma o açúcar em álcool. Na maioria das vinícolas e cervejarias, ele é liberado na atmosfera. Mas um número crescente de cervejarias artesanais está começando a coletar esse gás, não apenas reduzindo as emissões de CO₂ — mesmo que em quantidades ínfimas —, mas também reutilizando-o para dar à cerveja sua espuma branca característica.
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Até bem pouco tempo, Clinton Mack, gerente de depósito da Austin Beerworks, tinha que transportar de caminhão o dióxido de carbono em tanques de 4,5 toneladas de cada vez. Mas agora, ele está usando técnicas desenvolvidas pela Nasa para capturar e armazenar o CO₂ produzido naturalmente e dissolver as moléculas em suas cervejas.
“A tecnologia não é simples”, disse Mack, “mas por que não estamos usando ela?”.
Captura e armazenamento
A máquina que permite a Mack capturar e armazenar CO₂ dos tanques da Austin Beerworks é do tamanho de uma geladeira grande de duas portas. Apelidada de “CiCi” — abreviação das iniciais em inglês de “captura de carbono” —, ela absorve o CO₂ que sai dos fermentadores por meio de tubos que serpenteiam pela cervejaria, filtra o gás deixando-o com mais de 99% de pureza e depois o condensa em líquido.
Em seguida, a máquina armazena o gás condensado resultante para ser utilizado de outras formas, inclusive na carbonatação da cerveja. Mack disse que instalar a tecnologia, produzida pela Earthly Labs, com sede em Austin, não foi uma decisão fácil. Em média, uma produção libera cerca de 150 gramas de CO₂ para cada 3,7 litros de cerveja fabricados, o que chega a até 95,6 toneladas por ano no caso de uma cervejaria como a Austin Beerworks. Isso é quase a mesma quantidade de CO₂ que 21 carros movidos a gasolina liberam em média durante um ano.
Mas, ao mesmo tempo que evitar liberar na atmosfera as emissões resultantes do processo de fermentação é uma vantagem, disse Mack, também é uma medida de corte de gastos para a cervejaria.
O CO₂ por si só é um ingrediente valioso na produção de cervejas. As bolhinhas brancas efervescentes que aparecem nos comerciais na TV são, tecnicamente, emissões de carbono. Gosta de tomar uma latinha ou garrafa de cerveja? O CO₂ provavelmente foi utilizado para armazenar sua bebida. Prefere um chope? O bar usa a pressão do CO₂ para levar a cerveja de um barril para o seu copo.
E mais cervejarias estão tentando encontrar novas maneiras de usar o gás que já produzem para economizar dinheiro, disse Chuck Skypeck, diretor de projetos técnicos de fabricação de cervejas da Brewers Association, a associação das cervejarias independentes dos Estados Unidos.
O custo de todos os principais ingredientes para fabricar cervejas — incluindo o CO₂ — tem superado o preço pago pelo consumidor pela bebida, disse ele. “O CO₂ não é apenas um elemento do processo de fabricação da cerveja, é um ingrediente”, disse Skypeck. “Ele é muito crucial.”
Brad Farbstein iniciou o processo para instalar a tecnologia da Earthly Labs em sua cervejaria em Blanco, no Texas, a cerca de uma hora de carro a oeste de Austin. Ele espera em breve reduzir pela metade a compra de CO₂ pela sua cervejaria, a Real Ale Brewing, e parar de comprar totalmente o CO₂ comercial até o fim deste ano.
A Food and Drug Administration regula os níveis de pureza do CO₂ usado em bebidas como cervejas e refrigerantes, mas ele pode ter como origem uma variedade de fontes. A maior parte do CO₂ das bebidas é um subproduto da indústria química, inclusive da produção de etanol, gás natural e fertilizantes.
“É bom nos esforçamos para dar fim à nossa relação com a indústria do petróleo como pudermos”, disse Farbstein.
Como funciona?
A tecnologia que essas cervejarias estão usando foi desenvolvida primeiramente pelo Centro Espacial Lyndon B. Johnson da Nasa, em Houston. Desde a era Apollo, os cientistas da Nasa em sua unidade de Utilização de Recursos In-Situ têm estudado como gerar recursos para os humanos viverem e trabalharem em ambientes extraterrestres, como a lua e Marte.
Para permitir que futuros astronautas respirem em Marte, por exemplo, engenheiros construíram um sistema para capturar o abundante CO₂ da atmosfera marciana, limpá-lo e criar um ar respirável removendo o carbono. Depois a Nasa licenciou a tecnologia para empresas que poderiam adaptá-la para uso na Terra.
Uma dessas empresas era a Earthly Labs, que primeiro tentou usar a tecnologia para purificar o ar em residências ou perto de grandes caldeiras comerciais.
Foi quando, ao coletar dados de uma grande caldeira em outra cervejaria de Austin, Amy George, presidente da Earthly Labs, viu as bolhinhas da fermentação em ação. A tecnologia de recaptura de CO₂ já estava disponível, sobretudo para grandes empresas como a AB InBev e a Molson Coors, porém era volumosa e cara demais para a maioria das cervejarias independentes.
“Ninguém estava considerando a captura e armazenamento em pequena escala”, disse ela.
A CiCi está atualmente em 70 cervejarias em pelo menos 25 estados dos EUA, no Reino Unido, no Canadá e na Nova Zelândia, com pelo menos outros 20 locais aguardando sua instalação, disse Amy.
Inúmeras outras empresas estão fabricando produtos semelhantes de captura e armazenamento de carbono, entre elas a Pentair, com sede fiscal no Reino Unido, que trabalha com grande escala; o Hypro Group, com sede na Índia e que começou a vender unidades pequenas nos EUA; e a Dalum Beverage Equipment, empresa dinamarquesa que vem trabalhando com a captura e armazenamento de carbono em pequena escala na Europa, mas recentemente entrou no mercado americano.
Entretanto, a Earthly Labs foi uma das primeiras empresas a fabricar um sistema acessível e reduzido para cervejarias pequenas nos EUA, disse Skypeck. Uma unidade da CiCi do tamanho daquela usada na Austin Beerworks, que produz cerca de 2.346.000 de litros de cerveja por ano, custa US$ 120 mil (R$ 578,6 mil).
A pegada de carbono da cerveja
A promessa da tecnologia de captura e armazenamento de carbono para a cerveja é pequena, dadas as quantidades relativamente insignificantes de CO₂ liberadas durante a fermentação. E, a não ser que as cervejarias estejam usando energia renovável, o funcionamento da máquina CiCi, que é movida a eletricidade, gera emissões adicionais.
Mark Jacobson, diretor do Programa Atmosfera/Energia da Universidade Stanford, disse que iniciativas semelhantes provaram ser carbono negativo a longo prazo. “Eles não estão fazendo nada melhor ou pior, estão mantendo as coisas exatamente como estão, exceto que estão economizando dinheiro por não precisarem arcar com um aumento do preço do CO₂″, disse ele. “Portanto, com certeza não há diminuição nas emissões de carbono, porém eles economizam dinheiro.”
Esse não é o caso da Alchemist Brewery, em Stowe, Vermont, que usa uma unidade da CiCi. Uma auditoria da Efficiency Vermont, um grupo independente sem fins lucrativos que estuda as emissões de carbono, descobriu que a unidade da CiCi da cervejaria usava energia suficiente para gerar 4,3 toneladas de emissões de CO₂ por ano. No entanto, essa energia era bastante compensada pelas quase 12 toneladas de CO₂ capturadas e armazenadas — o suficiente para suprir completamente a necessidade da cervejaria de gás sem precisar comprá-lo de outras fontes — durante o mesmo período.
Essa é uma redução líquida de 268% no uso de CO₂, mesmo quando se considera a energia necessária para fazer o sistema CiCi funcionar, disse Patrick Haller, principal consultor de engenharia da Efficiency Vermont.
“A Alchemist provavelmente poderia reaver mais CO₂ do que ela precisava”, disse ele.
E outro benefício: o CO₂ capturado e armazenado cria uma carbonatação mais forte e um perfil de sabor mais limpo, disse Skypeck. Isso pode contribuir para uma cerveja com um sabor melhor.
“Você pode mudar a fonte de CO₂ e transformar o sabor da sua cerveja”, disse Skypeck./Tradução de Romina Cácia