Arcabouço e metas de inflação devem atrair investimento estrangeiro, diz David Beker, do BofA


Chefe de Economia para o Brasil do Bank of America avalia cenário econômico do País com as recentes decisões de política econômica do governo

Por Cícero Cotrim
Atualização:

A manutenção das metas de inflação em 3% pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) completa um primeiro semestre de decisões acertadas do governo em termos de política econômica, e deve gerar um ganho de credibilidade. A avaliação é do chefe de Economia para Brasil e Estratégia para América Latina do Bank of America (BofA), David Beker, que espera aumento do apetite de estrangeiros pelo País.

“O governo tinha uma lista de coisas que tinha de entregar, e ele basicamente completou essa lista. Resolveu o arcabouço, resolveu a questão das metas, que foi um ruído desde o começo, e já estamos discutindo a reforma tributária. O governo conseguiu um ganho de credibilidade por causa dessas decisões de política econômica. Sem dúvida, isso traz um apetite maior do estrangeiro”, afirma Beker, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Essa expectativa de fluxo impõe um risco para baixo na projeção do banco para o dólar no fim de 2023, de R$ 4,90, e indica que pode haver um movimento de desinclinação da curva de juros, devido à migração de estrangeiros para títulos longos. O banco também sustenta a expectativa de avanço do Ibovespa para 135 mil pontos no fechamento do ano.

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Economista-chefe para o Brasil do Bank of America (BofA), David Beker, avalia cenário econômico do país com as recentes decisões de política econômica do governo Foto: Reprodução/TV Estadão

Para Beker, o cumprimento de todas essas tarefas faz com que o Brasil continue um destino de investimentos atrativo entre emergentes, especialmente devido às dificuldades enfrentadas pelos pares. Mas, a partir do final do ano, o mercado deverá observar mais detalhadamente se o governo conseguirá as receitas necessárias para cumprir as metas ambiciosas de resultado primário propostas no arcabouço.

Leia abaixo trechos da entrevista:

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No primeiro semestre, a maior parte das incertezas sobre as metas e o arcabouço fiscal foi resolvida. Podemos esperar um aumento do apetite estrangeiro pelo Brasil?

O estrangeiro já tem tido mais apetite do que o local, e o movimento que temos visto na margem para os ativos brasileiros foi mais guiado pelos locais ficando um pouco mais construtivos. Quando o governo começou, ele tinha uma lista de coisas que tinha de entregar, e ele basicamente completou essa lista. Resolveu o arcabouço, resolveu a questão das metas, que foi um ruído desde o começo do governo, e já estamos discutindo a reforma tributária. O governo conseguiu um ganho de credibilidade por causa dessas decisões de política econômica. Sem dúvida, isso traz um apetite maior do estrangeiro.

Como esse apetite se traduz em cada um dos ativos brasileiros?

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No primeiro momento, o estrangeiro se posicionou principalmente na renda fixa e, agora, a discussão é se deve alongar ou não, porque a curva ainda está inclinada e a parte longa teria espaço para compressão se o estrangeiro ficar mais confortável. Devemos ver mais fluxo na parte longa da curva. O câmbio depende de vários fatores, domésticos e internacionais. Ainda tem espaço para apreciação no curto prazo, mas depende mais do externo. Tínhamos recomendado posições compradas em real e já encerramos essas posições. Na medida em que o mercado for precificando esse ciclo de cortes, e que o Banco Central entregar esse primeiro corte, pode ter mais apetite do estrangeiro também por alocação no mercado de ações. Mas o mercado de ações tem uma particularidade, porque o que vai acontecer com a China é fundamental para uma boa parte das ações listadas em Bolsa.

Isso está embutido na sua expectativa de avanço do Ibovespa a 135 mil pontos até o fim de 2023?

Já está embutido, mas, obviamente, quando a gente fez esse target no ano passado, as premissas eram distintas das de hoje. Estamos mais pessimistas hoje com o setor de commodities do que no começo do ano, mas um pouco mais construtivos com a parte dependente de crescimento. Estamos convictos em 135 mil pontos, mas houve uma mudança na composição desse upside. Para chegar a 135 mil ou ir além deste nível, o mercado precisa ter a percepção de um cenário mais construtivo adiante, vendo queda de juros e uma eventual volta do crescimento.

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Qual é a sua leitura sobre os setores da Bolsa?

A gente depende um pouco do complexo de commodities, que é um dos setores mais underweight da Bolsa. Tem um risco importante de algum dado mais positivo da China fazer com que os investidores corram para cobrir essas posições mais negativas. Esse seria o trade que ninguém tem, é de onde pode aparecer uma surpresa. O setor financeiro é um com o qual estamos bastante construtivos. E as ações de crescimento andaram, mas acho que têm mais espaço para andar. As ações mais sensíveis à taxa de juros devem continuar tendo um desempenho bom. Uma coisa para ter em mente é que, como a atividade está desacelerando, o ciclo de resultados nos próximos meses não vai ser muito bom, mas acho que o mercado tende a ignorar a lombada e olhar adiante.

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As projeções do BofA indicam um aumento gradual do dólar em relação ao real, até R$ 4,90 no fim de 2023 e a R$ 5,0 em meados de 2024. Existe chance de uma performance melhor do real?

Eu ainda acho que o risco é de um câmbio mais forte no curto prazo, especialmente se a gente conseguir um fluxo mais robusto do estrangeiro. Ao longo do tempo, depende de outras coisas. Vai ter afrouxamento monetário nos Estados Unidos? O que vai acontecer com as taxas globais? Eu diria que as projeções têm um componente de incerteza muito elevado, principalmente por causa do setor externo.

Olhando mais para o médio prazo, quais são as expectativas para o Brasil? O governo vai conseguir entregar as metas de resultado primário?

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O ambiente é desafiador, as metas não são fáceis, exigem um esforço. Vai depender das decisões tributárias, de receitas extraordinárias, e das reformas - em particular da renda, que poderia gerar um incremento de arrecadação. É desafiador, mas, se colocasse metas fáceis, provavelmente não seria suficiente para que ficássemos mais confortáveis com a trajetória da dívida. Eu diria que a gente continua dependendo de um foco do governo em conseguir receitas para garantir essa entrega de resultados.

O Brasil tem sido um país atrativo em meio aos demais emergentes. Essa configuração continua daqui para a frente?

A gente continua ganhando por W.O. O investidor realmente vê o Brasil como um destino de investimentos e, dado que a gente cumpriu essa lista de afazeres, isso pode sem dúvida trazer mais fluxo para o País. E os nossos pares estão em uma situação ruim. A gente fez o que tinha de fazer, e a nossa situação em termos relativos continua bastante favorável. Os investidores reclamam que tem uma série de países em que eles não podem investir, e o Brasil acaba sendo um bom candidato para receber esses recursos. Isso ajuda na tese também de um câmbio mais forte no curto prazo.

A decisão do CMN foi um bom desfecho para a incerteza em torno das metas de inflação?

Sem dúvida. Desde o começo do ano, vinha havendo muito ruído pela discussão sobre o que ia acontecer com as metas. Todos os elementos que estávamos esperando que viessem para dar suporte ao afrouxamento monetário aconteceram, e a última caixinha era essa decisão, que foi uma decisão perfeita. Isso reforça a credibilidade do sistema de metas, do regime de política monetária do Brasil, e dá condições à continuidade do processo de queda das expectativas de inflação.

Economistas do mercado esperam que a manutenção da meta em 3% derrube as expectativas do Focus. Qual é o seu cenário?

Temos uma projeção de 3,7% para o ano que vem, e acho que as projeções de mercado devem caminhar nesta direção. Eu esperaria, talvez, ver as expectativas caindo perto de 30 pontos-base para esse horizonte mais curto. Para o horizonte mais longo, as expectativas têm caído em velocidade um pouco maior. Não sei se vão chegar a 3%, porque o longo prazo depende de muitas coisas: das decisões de política econômica, do que vai acontecer com a política fiscal. Mas eu diria que vamos ver uma continuidade do processo de queda das expectativas em direção às metas. As projeções de inflação vão ficar confortavelmente dentro da banda da meta de inflação, e se aproximando cada vez mais do centro.

O BofA já espera um corte de 0,5 ponto da Selic em agosto. A decisão do CMN aumenta essa chance?

Sem dúvida. Esse é um ingrediente importante que aumentou a nossa convicção no 0,50 ponto. A nossa expectativa é que o Banco Central inicie com 0,5 ponto e faça um ciclo com cortes de 0,50 ponto, mas tem incerteza de como ele inicia, e tem incerteza de qual é o tipo de aceleração que a gente pode ver adiante.

Como isso impacta a curva de juros?

Na parte curta, a discussão de qual é a velocidade dos cortes, que faz diferença na precificação. Se o mercado começar a discutir se ele vai a 0,25, 0,50 ou vai acelerar mais, tem espaço para compressão. A parte longa da curva depende de outros fatores: duração do ciclo; do que o Fed vai fazer e da velocidade de cortes que ele vai entregar; e da questão fiscal, do sucesso do governo em conseguir receitas para cumprir as metas de primário. Esses fatores podem fazer com que a parte longa tenha compressão. Lembrando que o estrangeiro estava apostando no corte de juros antes do local. Ele estava concentrado em janeiro de 2025, 2026 e 2027 e ainda tem posições nesse prazo, mas a gente começou a ver um pouco mais de fluxo na parte mais longa da curva. Na medida em que a convicção do cenário vai melhorando, a gente pode ter esse fluxo ajudando a comprimir a parte mais longa.

Qual é a expectativa do BofA para o ciclo de cortes do Copom?

Temos cortes sequenciais de 0,50 ponto até a Selic chegar em 9,5%, perto da metade do ano que vem, quando ele pararia para dar uma olhada. A curva está meio precificada para este 9,5%. Um ponto para destacar é que historicamente, quando o Banco Central inicia o processo de cortes, a curva tende a precificar mais cortes. Podemos ter uma continuidade do movimento que temos visto pelo fato que, quando o BC iniciar o processo, o mercado vai ficar mais convencido com o ciclo, o que pode gerar movimentos adicionais.

O que o fim do debate sobre as metas de inflação deve significar para a relação entre governo e Banco Central?

Historicamente falando, sempre tem discussões entre governo e Banco Central, e não só no Brasil, como em outros países, você vê os governos colocando pressão. Como a gente completou a lista de ingredientes que precisavam ser entregues para garantir o início de um ciclo de cortes de juros, é natural que se espere que as tensões caiam, já que o ruído está acontecendo porque o governo quer que o BC corte juros. E essa decisão de ontem, na minha visão, diminui o ruído.

A manutenção das metas de inflação em 3% pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) completa um primeiro semestre de decisões acertadas do governo em termos de política econômica, e deve gerar um ganho de credibilidade. A avaliação é do chefe de Economia para Brasil e Estratégia para América Latina do Bank of America (BofA), David Beker, que espera aumento do apetite de estrangeiros pelo País.

“O governo tinha uma lista de coisas que tinha de entregar, e ele basicamente completou essa lista. Resolveu o arcabouço, resolveu a questão das metas, que foi um ruído desde o começo, e já estamos discutindo a reforma tributária. O governo conseguiu um ganho de credibilidade por causa dessas decisões de política econômica. Sem dúvida, isso traz um apetite maior do estrangeiro”, afirma Beker, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Essa expectativa de fluxo impõe um risco para baixo na projeção do banco para o dólar no fim de 2023, de R$ 4,90, e indica que pode haver um movimento de desinclinação da curva de juros, devido à migração de estrangeiros para títulos longos. O banco também sustenta a expectativa de avanço do Ibovespa para 135 mil pontos no fechamento do ano.

Economista-chefe para o Brasil do Bank of America (BofA), David Beker, avalia cenário econômico do país com as recentes decisões de política econômica do governo Foto: Reprodução/TV Estadão

Para Beker, o cumprimento de todas essas tarefas faz com que o Brasil continue um destino de investimentos atrativo entre emergentes, especialmente devido às dificuldades enfrentadas pelos pares. Mas, a partir do final do ano, o mercado deverá observar mais detalhadamente se o governo conseguirá as receitas necessárias para cumprir as metas ambiciosas de resultado primário propostas no arcabouço.

Leia abaixo trechos da entrevista:

No primeiro semestre, a maior parte das incertezas sobre as metas e o arcabouço fiscal foi resolvida. Podemos esperar um aumento do apetite estrangeiro pelo Brasil?

O estrangeiro já tem tido mais apetite do que o local, e o movimento que temos visto na margem para os ativos brasileiros foi mais guiado pelos locais ficando um pouco mais construtivos. Quando o governo começou, ele tinha uma lista de coisas que tinha de entregar, e ele basicamente completou essa lista. Resolveu o arcabouço, resolveu a questão das metas, que foi um ruído desde o começo do governo, e já estamos discutindo a reforma tributária. O governo conseguiu um ganho de credibilidade por causa dessas decisões de política econômica. Sem dúvida, isso traz um apetite maior do estrangeiro.

Como esse apetite se traduz em cada um dos ativos brasileiros?

No primeiro momento, o estrangeiro se posicionou principalmente na renda fixa e, agora, a discussão é se deve alongar ou não, porque a curva ainda está inclinada e a parte longa teria espaço para compressão se o estrangeiro ficar mais confortável. Devemos ver mais fluxo na parte longa da curva. O câmbio depende de vários fatores, domésticos e internacionais. Ainda tem espaço para apreciação no curto prazo, mas depende mais do externo. Tínhamos recomendado posições compradas em real e já encerramos essas posições. Na medida em que o mercado for precificando esse ciclo de cortes, e que o Banco Central entregar esse primeiro corte, pode ter mais apetite do estrangeiro também por alocação no mercado de ações. Mas o mercado de ações tem uma particularidade, porque o que vai acontecer com a China é fundamental para uma boa parte das ações listadas em Bolsa.

Isso está embutido na sua expectativa de avanço do Ibovespa a 135 mil pontos até o fim de 2023?

Já está embutido, mas, obviamente, quando a gente fez esse target no ano passado, as premissas eram distintas das de hoje. Estamos mais pessimistas hoje com o setor de commodities do que no começo do ano, mas um pouco mais construtivos com a parte dependente de crescimento. Estamos convictos em 135 mil pontos, mas houve uma mudança na composição desse upside. Para chegar a 135 mil ou ir além deste nível, o mercado precisa ter a percepção de um cenário mais construtivo adiante, vendo queda de juros e uma eventual volta do crescimento.

Qual é a sua leitura sobre os setores da Bolsa?

A gente depende um pouco do complexo de commodities, que é um dos setores mais underweight da Bolsa. Tem um risco importante de algum dado mais positivo da China fazer com que os investidores corram para cobrir essas posições mais negativas. Esse seria o trade que ninguém tem, é de onde pode aparecer uma surpresa. O setor financeiro é um com o qual estamos bastante construtivos. E as ações de crescimento andaram, mas acho que têm mais espaço para andar. As ações mais sensíveis à taxa de juros devem continuar tendo um desempenho bom. Uma coisa para ter em mente é que, como a atividade está desacelerando, o ciclo de resultados nos próximos meses não vai ser muito bom, mas acho que o mercado tende a ignorar a lombada e olhar adiante.

As projeções do BofA indicam um aumento gradual do dólar em relação ao real, até R$ 4,90 no fim de 2023 e a R$ 5,0 em meados de 2024. Existe chance de uma performance melhor do real?

Eu ainda acho que o risco é de um câmbio mais forte no curto prazo, especialmente se a gente conseguir um fluxo mais robusto do estrangeiro. Ao longo do tempo, depende de outras coisas. Vai ter afrouxamento monetário nos Estados Unidos? O que vai acontecer com as taxas globais? Eu diria que as projeções têm um componente de incerteza muito elevado, principalmente por causa do setor externo.

Olhando mais para o médio prazo, quais são as expectativas para o Brasil? O governo vai conseguir entregar as metas de resultado primário?

O ambiente é desafiador, as metas não são fáceis, exigem um esforço. Vai depender das decisões tributárias, de receitas extraordinárias, e das reformas - em particular da renda, que poderia gerar um incremento de arrecadação. É desafiador, mas, se colocasse metas fáceis, provavelmente não seria suficiente para que ficássemos mais confortáveis com a trajetória da dívida. Eu diria que a gente continua dependendo de um foco do governo em conseguir receitas para garantir essa entrega de resultados.

O Brasil tem sido um país atrativo em meio aos demais emergentes. Essa configuração continua daqui para a frente?

A gente continua ganhando por W.O. O investidor realmente vê o Brasil como um destino de investimentos e, dado que a gente cumpriu essa lista de afazeres, isso pode sem dúvida trazer mais fluxo para o País. E os nossos pares estão em uma situação ruim. A gente fez o que tinha de fazer, e a nossa situação em termos relativos continua bastante favorável. Os investidores reclamam que tem uma série de países em que eles não podem investir, e o Brasil acaba sendo um bom candidato para receber esses recursos. Isso ajuda na tese também de um câmbio mais forte no curto prazo.

A decisão do CMN foi um bom desfecho para a incerteza em torno das metas de inflação?

Sem dúvida. Desde o começo do ano, vinha havendo muito ruído pela discussão sobre o que ia acontecer com as metas. Todos os elementos que estávamos esperando que viessem para dar suporte ao afrouxamento monetário aconteceram, e a última caixinha era essa decisão, que foi uma decisão perfeita. Isso reforça a credibilidade do sistema de metas, do regime de política monetária do Brasil, e dá condições à continuidade do processo de queda das expectativas de inflação.

Economistas do mercado esperam que a manutenção da meta em 3% derrube as expectativas do Focus. Qual é o seu cenário?

Temos uma projeção de 3,7% para o ano que vem, e acho que as projeções de mercado devem caminhar nesta direção. Eu esperaria, talvez, ver as expectativas caindo perto de 30 pontos-base para esse horizonte mais curto. Para o horizonte mais longo, as expectativas têm caído em velocidade um pouco maior. Não sei se vão chegar a 3%, porque o longo prazo depende de muitas coisas: das decisões de política econômica, do que vai acontecer com a política fiscal. Mas eu diria que vamos ver uma continuidade do processo de queda das expectativas em direção às metas. As projeções de inflação vão ficar confortavelmente dentro da banda da meta de inflação, e se aproximando cada vez mais do centro.

O BofA já espera um corte de 0,5 ponto da Selic em agosto. A decisão do CMN aumenta essa chance?

Sem dúvida. Esse é um ingrediente importante que aumentou a nossa convicção no 0,50 ponto. A nossa expectativa é que o Banco Central inicie com 0,5 ponto e faça um ciclo com cortes de 0,50 ponto, mas tem incerteza de como ele inicia, e tem incerteza de qual é o tipo de aceleração que a gente pode ver adiante.

Como isso impacta a curva de juros?

Na parte curta, a discussão de qual é a velocidade dos cortes, que faz diferença na precificação. Se o mercado começar a discutir se ele vai a 0,25, 0,50 ou vai acelerar mais, tem espaço para compressão. A parte longa da curva depende de outros fatores: duração do ciclo; do que o Fed vai fazer e da velocidade de cortes que ele vai entregar; e da questão fiscal, do sucesso do governo em conseguir receitas para cumprir as metas de primário. Esses fatores podem fazer com que a parte longa tenha compressão. Lembrando que o estrangeiro estava apostando no corte de juros antes do local. Ele estava concentrado em janeiro de 2025, 2026 e 2027 e ainda tem posições nesse prazo, mas a gente começou a ver um pouco mais de fluxo na parte mais longa da curva. Na medida em que a convicção do cenário vai melhorando, a gente pode ter esse fluxo ajudando a comprimir a parte mais longa.

Qual é a expectativa do BofA para o ciclo de cortes do Copom?

Temos cortes sequenciais de 0,50 ponto até a Selic chegar em 9,5%, perto da metade do ano que vem, quando ele pararia para dar uma olhada. A curva está meio precificada para este 9,5%. Um ponto para destacar é que historicamente, quando o Banco Central inicia o processo de cortes, a curva tende a precificar mais cortes. Podemos ter uma continuidade do movimento que temos visto pelo fato que, quando o BC iniciar o processo, o mercado vai ficar mais convencido com o ciclo, o que pode gerar movimentos adicionais.

O que o fim do debate sobre as metas de inflação deve significar para a relação entre governo e Banco Central?

Historicamente falando, sempre tem discussões entre governo e Banco Central, e não só no Brasil, como em outros países, você vê os governos colocando pressão. Como a gente completou a lista de ingredientes que precisavam ser entregues para garantir o início de um ciclo de cortes de juros, é natural que se espere que as tensões caiam, já que o ruído está acontecendo porque o governo quer que o BC corte juros. E essa decisão de ontem, na minha visão, diminui o ruído.

A manutenção das metas de inflação em 3% pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) completa um primeiro semestre de decisões acertadas do governo em termos de política econômica, e deve gerar um ganho de credibilidade. A avaliação é do chefe de Economia para Brasil e Estratégia para América Latina do Bank of America (BofA), David Beker, que espera aumento do apetite de estrangeiros pelo País.

“O governo tinha uma lista de coisas que tinha de entregar, e ele basicamente completou essa lista. Resolveu o arcabouço, resolveu a questão das metas, que foi um ruído desde o começo, e já estamos discutindo a reforma tributária. O governo conseguiu um ganho de credibilidade por causa dessas decisões de política econômica. Sem dúvida, isso traz um apetite maior do estrangeiro”, afirma Beker, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Essa expectativa de fluxo impõe um risco para baixo na projeção do banco para o dólar no fim de 2023, de R$ 4,90, e indica que pode haver um movimento de desinclinação da curva de juros, devido à migração de estrangeiros para títulos longos. O banco também sustenta a expectativa de avanço do Ibovespa para 135 mil pontos no fechamento do ano.

Economista-chefe para o Brasil do Bank of America (BofA), David Beker, avalia cenário econômico do país com as recentes decisões de política econômica do governo Foto: Reprodução/TV Estadão

Para Beker, o cumprimento de todas essas tarefas faz com que o Brasil continue um destino de investimentos atrativo entre emergentes, especialmente devido às dificuldades enfrentadas pelos pares. Mas, a partir do final do ano, o mercado deverá observar mais detalhadamente se o governo conseguirá as receitas necessárias para cumprir as metas ambiciosas de resultado primário propostas no arcabouço.

Leia abaixo trechos da entrevista:

No primeiro semestre, a maior parte das incertezas sobre as metas e o arcabouço fiscal foi resolvida. Podemos esperar um aumento do apetite estrangeiro pelo Brasil?

O estrangeiro já tem tido mais apetite do que o local, e o movimento que temos visto na margem para os ativos brasileiros foi mais guiado pelos locais ficando um pouco mais construtivos. Quando o governo começou, ele tinha uma lista de coisas que tinha de entregar, e ele basicamente completou essa lista. Resolveu o arcabouço, resolveu a questão das metas, que foi um ruído desde o começo do governo, e já estamos discutindo a reforma tributária. O governo conseguiu um ganho de credibilidade por causa dessas decisões de política econômica. Sem dúvida, isso traz um apetite maior do estrangeiro.

Como esse apetite se traduz em cada um dos ativos brasileiros?

No primeiro momento, o estrangeiro se posicionou principalmente na renda fixa e, agora, a discussão é se deve alongar ou não, porque a curva ainda está inclinada e a parte longa teria espaço para compressão se o estrangeiro ficar mais confortável. Devemos ver mais fluxo na parte longa da curva. O câmbio depende de vários fatores, domésticos e internacionais. Ainda tem espaço para apreciação no curto prazo, mas depende mais do externo. Tínhamos recomendado posições compradas em real e já encerramos essas posições. Na medida em que o mercado for precificando esse ciclo de cortes, e que o Banco Central entregar esse primeiro corte, pode ter mais apetite do estrangeiro também por alocação no mercado de ações. Mas o mercado de ações tem uma particularidade, porque o que vai acontecer com a China é fundamental para uma boa parte das ações listadas em Bolsa.

Isso está embutido na sua expectativa de avanço do Ibovespa a 135 mil pontos até o fim de 2023?

Já está embutido, mas, obviamente, quando a gente fez esse target no ano passado, as premissas eram distintas das de hoje. Estamos mais pessimistas hoje com o setor de commodities do que no começo do ano, mas um pouco mais construtivos com a parte dependente de crescimento. Estamos convictos em 135 mil pontos, mas houve uma mudança na composição desse upside. Para chegar a 135 mil ou ir além deste nível, o mercado precisa ter a percepção de um cenário mais construtivo adiante, vendo queda de juros e uma eventual volta do crescimento.

Qual é a sua leitura sobre os setores da Bolsa?

A gente depende um pouco do complexo de commodities, que é um dos setores mais underweight da Bolsa. Tem um risco importante de algum dado mais positivo da China fazer com que os investidores corram para cobrir essas posições mais negativas. Esse seria o trade que ninguém tem, é de onde pode aparecer uma surpresa. O setor financeiro é um com o qual estamos bastante construtivos. E as ações de crescimento andaram, mas acho que têm mais espaço para andar. As ações mais sensíveis à taxa de juros devem continuar tendo um desempenho bom. Uma coisa para ter em mente é que, como a atividade está desacelerando, o ciclo de resultados nos próximos meses não vai ser muito bom, mas acho que o mercado tende a ignorar a lombada e olhar adiante.

As projeções do BofA indicam um aumento gradual do dólar em relação ao real, até R$ 4,90 no fim de 2023 e a R$ 5,0 em meados de 2024. Existe chance de uma performance melhor do real?

Eu ainda acho que o risco é de um câmbio mais forte no curto prazo, especialmente se a gente conseguir um fluxo mais robusto do estrangeiro. Ao longo do tempo, depende de outras coisas. Vai ter afrouxamento monetário nos Estados Unidos? O que vai acontecer com as taxas globais? Eu diria que as projeções têm um componente de incerteza muito elevado, principalmente por causa do setor externo.

Olhando mais para o médio prazo, quais são as expectativas para o Brasil? O governo vai conseguir entregar as metas de resultado primário?

O ambiente é desafiador, as metas não são fáceis, exigem um esforço. Vai depender das decisões tributárias, de receitas extraordinárias, e das reformas - em particular da renda, que poderia gerar um incremento de arrecadação. É desafiador, mas, se colocasse metas fáceis, provavelmente não seria suficiente para que ficássemos mais confortáveis com a trajetória da dívida. Eu diria que a gente continua dependendo de um foco do governo em conseguir receitas para garantir essa entrega de resultados.

O Brasil tem sido um país atrativo em meio aos demais emergentes. Essa configuração continua daqui para a frente?

A gente continua ganhando por W.O. O investidor realmente vê o Brasil como um destino de investimentos e, dado que a gente cumpriu essa lista de afazeres, isso pode sem dúvida trazer mais fluxo para o País. E os nossos pares estão em uma situação ruim. A gente fez o que tinha de fazer, e a nossa situação em termos relativos continua bastante favorável. Os investidores reclamam que tem uma série de países em que eles não podem investir, e o Brasil acaba sendo um bom candidato para receber esses recursos. Isso ajuda na tese também de um câmbio mais forte no curto prazo.

A decisão do CMN foi um bom desfecho para a incerteza em torno das metas de inflação?

Sem dúvida. Desde o começo do ano, vinha havendo muito ruído pela discussão sobre o que ia acontecer com as metas. Todos os elementos que estávamos esperando que viessem para dar suporte ao afrouxamento monetário aconteceram, e a última caixinha era essa decisão, que foi uma decisão perfeita. Isso reforça a credibilidade do sistema de metas, do regime de política monetária do Brasil, e dá condições à continuidade do processo de queda das expectativas de inflação.

Economistas do mercado esperam que a manutenção da meta em 3% derrube as expectativas do Focus. Qual é o seu cenário?

Temos uma projeção de 3,7% para o ano que vem, e acho que as projeções de mercado devem caminhar nesta direção. Eu esperaria, talvez, ver as expectativas caindo perto de 30 pontos-base para esse horizonte mais curto. Para o horizonte mais longo, as expectativas têm caído em velocidade um pouco maior. Não sei se vão chegar a 3%, porque o longo prazo depende de muitas coisas: das decisões de política econômica, do que vai acontecer com a política fiscal. Mas eu diria que vamos ver uma continuidade do processo de queda das expectativas em direção às metas. As projeções de inflação vão ficar confortavelmente dentro da banda da meta de inflação, e se aproximando cada vez mais do centro.

O BofA já espera um corte de 0,5 ponto da Selic em agosto. A decisão do CMN aumenta essa chance?

Sem dúvida. Esse é um ingrediente importante que aumentou a nossa convicção no 0,50 ponto. A nossa expectativa é que o Banco Central inicie com 0,5 ponto e faça um ciclo com cortes de 0,50 ponto, mas tem incerteza de como ele inicia, e tem incerteza de qual é o tipo de aceleração que a gente pode ver adiante.

Como isso impacta a curva de juros?

Na parte curta, a discussão de qual é a velocidade dos cortes, que faz diferença na precificação. Se o mercado começar a discutir se ele vai a 0,25, 0,50 ou vai acelerar mais, tem espaço para compressão. A parte longa da curva depende de outros fatores: duração do ciclo; do que o Fed vai fazer e da velocidade de cortes que ele vai entregar; e da questão fiscal, do sucesso do governo em conseguir receitas para cumprir as metas de primário. Esses fatores podem fazer com que a parte longa tenha compressão. Lembrando que o estrangeiro estava apostando no corte de juros antes do local. Ele estava concentrado em janeiro de 2025, 2026 e 2027 e ainda tem posições nesse prazo, mas a gente começou a ver um pouco mais de fluxo na parte mais longa da curva. Na medida em que a convicção do cenário vai melhorando, a gente pode ter esse fluxo ajudando a comprimir a parte mais longa.

Qual é a expectativa do BofA para o ciclo de cortes do Copom?

Temos cortes sequenciais de 0,50 ponto até a Selic chegar em 9,5%, perto da metade do ano que vem, quando ele pararia para dar uma olhada. A curva está meio precificada para este 9,5%. Um ponto para destacar é que historicamente, quando o Banco Central inicia o processo de cortes, a curva tende a precificar mais cortes. Podemos ter uma continuidade do movimento que temos visto pelo fato que, quando o BC iniciar o processo, o mercado vai ficar mais convencido com o ciclo, o que pode gerar movimentos adicionais.

O que o fim do debate sobre as metas de inflação deve significar para a relação entre governo e Banco Central?

Historicamente falando, sempre tem discussões entre governo e Banco Central, e não só no Brasil, como em outros países, você vê os governos colocando pressão. Como a gente completou a lista de ingredientes que precisavam ser entregues para garantir o início de um ciclo de cortes de juros, é natural que se espere que as tensões caiam, já que o ruído está acontecendo porque o governo quer que o BC corte juros. E essa decisão de ontem, na minha visão, diminui o ruído.

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