Três anos após o período de isolamento social causado pela pandemia de covid-19, as companhias do setor de saúde ainda se debatem com dificuldades financeiras. A conta não fecha para grande parte delas e agora, depois de anos de pesadas consolidações e aquisições, o trabalho que está sendo feito é para ganhar eficiência, sinergia, por meio de parcerias, com foco em corte de custos. Mas mesmo assim, já são pelo menos três famílias que correram para fazer acertos em suas empresas.
Nas últimas semanas, a família Bueno, fundadora de Dasa, prestadora de serviços laboratoriais e rede hospitalar, e o sócio fundador de Oncoclínicas, de serviços privados de oncologia, Bruno Ferrari, tiveram de injetar R$ 1,5 bilhão e R$ 500 milhões, respectivamente, nas companhias para aliviar pressão financeira em seus balanços. A família Moll comprou R$ 400 milhões em ações da Rede D’Or, em venda feita pelo fundo norte-americano Carlyle em Bolsa para sair da empresa.
Os desafios históricos do segmento, como sinistralidade (que mostra o quanto das receitas das mensalidades do usuário de um plano de saúde foi comprometido com a assistência médica) e o custo médico (preço de serviços e produtos médico-hospitalares e a frequência de uso) foram agravados pelo ambiente que se formou após a pandemia, de disparada na utilização desses serviços, insumos mais caros e pela alta acelerada da taxa de juros brasileira para empresas alavancadas pela corrida de consolidação e aquisições de anos anteriores.
Momento é de parcerias
“O momento é de parcerias. Aquela época de sair na frente comprando todo mundo chegou ao fim. O momento é de ganhar forças e verticalizar”, diz a sócia da Setter, boutique de fusões e aquisições (M&A), Judith Varandas. Várias empresas já se movimentam nesse sentido, como a própria Oncoclínicas, a Rede D’Or e o braço de seguros de saúde do Bradesco.
Um levantamento do BTG Pactual mostra uma queda brusca no número de operações de fusões e aquisições. Em 2021, foram 32 transações envolvendo hospitais e 13 com planos de saúde, o maior número de transações na última década. No ano passado, foram três transações de venda de hospitais e duas de planos.
Segundo Varandas, as empresas que primeiro fizeram o movimento de verticalização e parcerias estão mais bem preparadas para atravessar este momento, que ainda é de custos e taxas de juros elevadas, uma vez que a maioria continua bastante endividada.
Margens comprimidas
Dasa é um exemplo daquelas que não verticalizaram, ou seja, agregou planos de saúde à sua estrutura e vem sendo penalizada pelo contexto do setor. Prestadores de serviços, como hospitais e laboratórios, estão com margens comprimidas pela pressão para renegociação de contratos das operadoras de saúde, que sofrem com a sinistralidade.
“Estão melhores as companhias que podem controlar custos dentro da sua cadeia, elas têm as vidas (beneficiários) e as estão levando para seus hospitais, laboratórios e clinicas de referência”, acrescenta Varandas.
O sócio líder de Life Sciences & Health Care da Deloitte, Luis Fernando Joaquim, acredita que os grupos de saúde continuarão olhando para dentro, para reorganizar suas operações, até 2025. Ele cita o avanço da sinistralidade dos planos de saúde e a queda nas margens dos hospitais.
Sinistralidade chegou ao pico em 2022
De acordo com dados da ANS, a sinistralidade chegou à média de 89% em 2022, um pico, superando os patamares pré-pandemia e que, por enquanto, mostra recuos marginais para 87% em 2023 e para 86,6% no primeiro trimestre de 2024.
A margem Ebitda dos hospitais fechou 2023 em 11,89%, em média, segundo um estudo recente da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp). Em 2022, havia sido de 12,88%, porcentual já bem distante dos 19,6% de 15 anos atrás. No ano passado, os pagamentos das operadoras aos hospitais esticaram em média mais de uma semana em relação a 2021. Segundo a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), isso comprometeu 6,44% das receitas dos hospitais em 2023 e fez com que mais de 70% entre 66 associados postergassem investimentos.
O ambiente para a saúde está hoje agravado também pela explosão da dengue, novamente da covid-19, influenza e principalmente pela ampliação da cobertura dos planos de saúde para pacientes com transtornos globais do desenvolvimento, como o transtorno do espectro autista (TEA) anunciada pela Agência Nacional de Saúde (ANS).
Joaquim cita um estudo do The Austism Community in Action (TACA) que mostra o salto no número de casos de autismo no mundo, subindo de 1 para 150 pessoas em 2000 para 1 em 36 pessoas em 2020. Segundo ele, algumas operadoras de saúde já relatam que os gastos com tratamentos do espectro autista estão superando aqueles com oncologia.
Joaquim vê com preocupação também o envelhecimento, em contrapartida à saída dos mais jovens pelo baixo uso dos planos de saúde, um grupo que normalmente ajuda a sustentar os custos dos idosos. “É preciso inverter a lógica e focar no preventivo, não tratar a pessoa doente, mas evitar que ela fique doente”, diz.
Open Health
Na direção da eficiência, o especialista da Deloitte encara com otimismo o uso da inteligência artificial para minimizar custos, assim como o Open Health, que está sendo trabalhado pela ANS e, conforme esperado, deve vigorar a partir de 2028. A proposta de organizar e centralizar prontuários daqui a quatro anos dará acesso ao histórico de saúde das pessoas, evitando repetições de exames, por exemplo, e reduzindo o consumo excessivo de serviços.
“Esse é um dos grandes passos da saúde para reduzir o desperdício, que, sem dúvida, terá impacto negativo nas receitas das prestadoras de serviço”, diz.
O outro lado da moeda é que, ao diminuir desperdício e custos, é possível tornar os planos mais acessíveis e permitir o ingresso de uma grande massa de pessoas que ainda está no Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com ele, existem perto de 50 milhões de brasileiros com alguma condição financeira de pagar um plano de saúde.
Este texto foi publicado no Broadcast no dia 27/05/24, às 17h56
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