As debêntures incentivadas, títulos de dívida emitidos por empresas e que oferecem isenção de imposto de renda para o investidor, alcançaram enorme popularidade no mercado e caminham para chegar a inéditos R$ 100 bilhões em volume emitido em 2024. Pelo segundo ano seguido, a modalidade deve superar o total captado pelas empresas no mercado de ações.
Até abril deste ano, o total emitido pelas empresas por meio do instrumento já é recorde, somando R$ 32,5 bilhões, de acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Em todo o ano de 2023, as empresas levantaram R$ 67,8 bilhões com debêntures incentivadas, volume recorde e mais que o dobro dos R$ 31,43 bilhões do ano anterior.
O avanço de ofertas de debêntures incentivadas não deve parar tão já. A percepção de profissionais deste mercado é de que em 2024 as captações de empresas por meio do instrumento podem beirar os R$ 100 bilhões e novamente bater o mercado de ações. As empresas levantaram R$ 31,43 bilhões por meio de ofertas subsequentes de ações (follow on) na B3 em 2023 e R$ 4,86 bilhões este ano até abril.
Muitas operações já estão contratadas
“Há muita transação já contratadas para as próximas semanas e meses e pode ser que o mercado chegue aos R$ 100 bilhões”, diz o responsável pela área de emissão de dívida local e internacional do UBS BB, Samy Podlubny. Entretanto, ele acredita que é um número “puxado”, dado que representa um crescimento de quase 50% em relação a 2023.
O presidente da Sparta Investimentos, Ulisses Nehmi, afirma que sua gestora trabalha com um número maior de emissões de debêntures incentivadas ao de 2023. “Não descarto que chegue aos R$ 100 bilhões. Embora pareça bastante, é possível, já que há muita demanda dos investidores neste momento”, diz.
A perspectiva de a taxa Selic seguir em dois dígitos acentua o interesse dos investidores nestes papéis. A demanda já vinha aquecida desde o segundo semestre do ano passado, diante do fim da isenção de imposto de renda dos fundos exclusivos, um veículo de investimento usado pela alta renda, que levou os gestores a buscar alternativas. Além disso, no começo deste ano, diminuíram as opções de investimentos no mundo dos incentivados e a Bolsa não tem sido opção de investimento.
Governo alterou regras de papéis
Este ano, o governo esticou o prazo mínimo de carência para resgate nas alocações em letras de crédito do agronegócio (LCA) e imobiliário (LCI), de 90 dias para nove e 12 meses, respectivamente, deixando ambos os papéis menos atraentes. Nos certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) e imobiliário (CRI), restringiu o lastro eliminando um grande número de empresas não diretamente ligadas às atividades de ambos os setores da fila das emissões.
Ao regular, no final de março, as novas debêntures de infraestrutura - que têm incentivo fiscal para as empresas emissoras - o governo deixou em aberto pontos que ainda precisam de esclarecimento e afetam as debêntures incentivadas - que têm benefício ao investidor. De toda forma, o governo deu 90 dias de carência para que empresas emitissem debêntures incentivadas seguindo as regras antigas, que termina no final de junho.
Isto provocou uma corrida das empresas para colocarem de pé suas ofertas. Como resultado, dos R$ 32 bilhões emitidos entre janeiro e abril, R$ 24 bilhões se concentraram entre março e abril.
Maio deve ser mês de alta
O gestor de crédito privado da Legacy, Leonardo Ono, acredita que maio será um mês de alto volume de ofertas de debêntures incentivadas, com chances de desaceleração em junho. “A perspectiva, mesmo assim, é de que haja recorde novamente de emissões de debêntures incentivadas este ano, caminhando para R$ 90 bilhões a R$ 100 bilhões”, diz ele.
Ao mesmo tempo, enquanto a Bolsa não volta, os fundos de renda fixa são os que têm visto aumento constante nas captações. De janeiro a abril deste ano, os fundos de renda fixa acumulam entrada positiva de R$ 151,3 bilhões, contra saídas líquidas de R$ 47,4 bilhões no mesmo período de 2023. Vale lembrar que boa parte desse fluxo foi para fundos conservadores, ou seja, com aplicações em títulos públicos majoritariamente, o que, de qualquer modo não reduz o aumento na demanda para as debêntures incentivadas.
A busca dos gestores pelas debêntures incentivadas causou outro efeito que foi uma queda nos prêmios que as empresas pagam nesses papéis, acima da taxa de juro de referência – muitas vezes a da NTN-B (título do Tesouro que paga a variação da inflação, mais uma taxa de juros real).
Queda nos prêmios
Algumas empresas conseguiram ao longo dos últimos quatro meses até emitir sem oferecer ao investidor qualquer prêmio. Mas esse jogo mudou e agora investidores têm deixado de comprar o total das ofertas de debêntures incentivadas, obrigando os bancos a ficar com o restante dos papéis em algumas das recentes operações que vieram ao mercado.
Um caso recente é de uma emissão de R$ 1,4 bilhão da Energisa, em três séries, duas delas com remuneração somente das NTN-Bs, também chamado no jargão do mercado de “B careca”. A terceira série tinha prêmio de 0,15% acima da NTN-B, que também não convenceu os investidores.
Conforme dados da colocação disponíveis na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cerca de R$ 1,2 bilhão ficaram com instituições financeiras ligadas à emissão. Na semana passada, a Suzano anunciou captação de R$ 5,9 bilhões com debêntures em três séries, sendo a terceira de R$ 900 milhões incentivada, com remuneração “B careca”.
Essas emissões que estão sendo rejeitadas são de empresas de primeira linha, ou seja, que normalmente oferecem menores prêmios, e que foram contratadas com garantia firme de colocação há cerca de um mês e meio a dois meses atrás. Além do “B careca”, algumas chegaram ao mercado com prêmios entre 0,5% a 0,15% acima do juro de referência.
Rearranjo no mercado
“Há uma racionalidade bem grandes dos gestores nesse momento, que não estão aceitando prêmios muito baixos, apesar de haver interesse e muitos recursos para serem alocados”, diz Nehmi, da Sparta.
Segundo ele, vários gestores estão neste momento optando por comprar debêntures incentivadas no mercado secundário. Nehmi afirma que um prêmio mínimo superior a 0,30% é necessário para atrair gestores para papéis de maior rating.
“Há um certo desequilíbrio neste momento”, diz Podlubny, do UBS-BB. Segundo ele, os prêmios têm de estar alinhados aos fundamentos e isso já está acontecendo, ou seja, “o mercado está se ajustando”.
Ono, do Legacy, acha “ótimo” que o mercado esteja mostrando racionalidade, forçando maior disciplina nas novas precificações.
Este texto foi publicado no Broadcast no dia 20/05/24, às 16h01
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