Nascido durante a pandemia com a proposta de defender a democracia e as instituições, o coletivo “Derrubando Muros” saiu do plano eleitoral e teve o primeiro encontro com o governo, numa reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta semana. O grupo é formado por quase 100 empresários, investidores e intelectuais, e esteve com políticos de diferentes espectros ideológicos no período pré-eleitoral. O único critério para a participação dos encontros virtuais era a defesa irrestrita da democracia.
“Nos aproximamos do Haddad nessa época e, agora, viemos ouvir e oferecer capital humano e capacidade de trabalho”, diz Samuel Pessôa, professor e pesquisador do Ibre-FGV. “A eleição era um tema quando o grupo foi constituído, mas a preocupação principal sempre foi entender a polarização, pensar o País, oferecer diagnósticos e propor políticas públicas.”
Agora, num segundo momento, as reflexões começam a ser levadas ao Executivo. “Apresentei preocupações da minha área, o agronegócio, ligadas ao Plano Safra, à segurança jurídica e ao direito à propriedade privada”, afirma a produtora rural Teka Vendramini, que também participou do encontro. “Ao contrário do grande produtor, que tem acesso fácil a recursos, os pequenos e médios estão preocupados com uma escassez de financiamento.”
Empresários como Horácio Lafer Piva e José Cesar Martins estiveram na reunião
Além dela, estiveram presentes os empresários Horácio Lafer Piva (Klabin) e José Cesar Martins (Paradoxa), os gestores Fersen Lambranho (GP Investments) e Lucia Hauptman (Prada Assessoria) e os empreendedores Yacoff Sarkovas (Sarkovas Propósito) e Philip Yang (Instituto Urbem). Além das pautas específicas, o encontro teve uma espécie de recapitulação dos primeiros meses de governo e as perspectivas futuras do trabalho da Pasta.
“O primeiro semestre foi de retomada de agendas que ficaram perdidas no interregno do governo passado, mas após resolver o marco fiscal e com a reforma tributária andando, já dá para começar a olhar para a frente”, diz Pêssoa. “
Por mais alguns meses ainda devemos ter uma agenda de retrovisor mas, a partir daí, as perspectivas tendem a mudar. Em sua expectativa, isso inclui uma política de Estado que tenha um olhar mais contemporâneo e voltado à economia verde. “Foi com muita alegria que vimos a ciência que o ministro tem dessas questões”, afirma.
Incentivo à economia sustentável e proteção dos biomas são preocupações do coletivo
“Subsídio a carro popular é uma visão antiga de política industrial, um certo apego ao período JK, que teve um papel importante nos anos 50, mas lá se vão 70 anos e esse ‘rodoviarismo’ continua conosco. Essa fila precisa andar.” Para ele, o Brasil enfrenta uma situação diversa dos Estados Unidos, por exemplo, que destinou US$ 2,2 trilhões em incentivos à redução de emissões, energia limpa e mobilidade elétrica, e outros temas ligados à sustentabilidade. “Diferentemente dos EUA, nós nascemos ‘transitados’ na matriz energética”, diz. “Nossa questão é a proteção dos biomas e a construção de um desenho de economia que os incorpore de maneira produtiva e sustentável.”
De acordo com Pessôa, é um desafio parecido ao enfrentado pela Embrapa com o desenvolvimento da agricultura tropical, nos anos 70. Até a entidade desenvolver tecnologia de produção local, toda a prática do agronegócio havia sido desenvolvida em países temperados - inadequadas ao País. “Precisamos gastar com pesquisa, capital humano e desenvolvimento de inteligência (com os biomas que precisam ser preservados) o que gastamos com a Embrapa porque esse é o grande desafio da sociedade brasileira”, afirma.
“Produzimos 320 milhões de toneladas de grãos na última safra colocando recursos, pessoas e parcerias bem feitas entre o setor público e o privado. Do mesmo modo, podemos achar uma equação que resolva a questão do bioma amazônico.”
Em relação à leitura de que as iniciativas do grupo podem ser vistas como uma articulação para a proteção de interesses de uma elite econômica e intelectual junto ao poder público, ambos dizem que o objetivo é “fazer a coisa certa”. Segundo Pessôa, o grupo gosta de política mas não tem pretensão de ocupar cargos públicos.
“O governo está dando a oportunidade de interlocução a um grupo que é disruptivo e no qual me sinto estimulada e incomodada o tempo todo com as novas ideias”, diz Vendramini, que também é conselheira da Embrapa, do Plano Amazônia (iniciativa de preservação que envolve Itaú, Bradesco e Santander), da área de sustentabilidade da JBS, bem como da Febraban. “É uma honra e uma alegria ter esse grupo de pessoas pensando o País.”
Pessôa afirma que o grupo tem pouca representatividade de pessoas pretas e mesmo de mulheres, por exemplo, mas que está aberto ao diálogo. “Não temos restrição, desejo de exclusividade ou a pretensão de sermos únicos”, diz. “Estamos aqui para contribuir.”
Contato: colunabroadcast@estadao.com