A Eletrobras está negociando um perdão junto a investidores, o chamado “waiver” no jargão de mercado, para poder retomar os planos de vender a fatia de 35,85% que detém na ISA Cteep, transmissora de energia controlada pela colombiana ISA, apurou o Broadcast. Sem esse mecanismo, a companhia só pode vender ao ano o equivalente a 2% de seu patrimônio líquido, ou corre o risco de ver decretado o vencimento antecipado automático de bilhões de reais em debêntures.
O desinvestimento na Isa Cteep seria feito por meio de uma oferta secundária de ações, conhecida como “follow on”, que poderia movimentar cerca de R$ 5 bilhões, caso toda a fatia fosse vendida. A operação foi cancelada menos de uma semana após ser anunciada, no fim de outubro, envolvendo somente as ações preferenciais. A Eletrobras detém 52,48% das ações PN, mais líquidas, além de 9,73% das ON.
O motivo do cancelamento da oferta foi a descoberta da existência de cláusulas nas escrituras das debêntures emitidas pela companhia no passado, os chamados “covenants”, que impediam a venda sob o risco de antecipar os vencimentos dessas dívidas. Pela restrição, e considerando o patrimônio de R$ 113 bilhões no fim do terceiro trimestre, a Eletrobras só poderia vender o equivalente a R$ 2,26 bilhões este ano, bem menos do que pretendia no desinvestimento da ISA Cteep.
Limitação é herança estatal
Diante do diagnóstico, a Eletrobras negocia neste momento um “waiver” com investidores que compraram essas debêntures no passado para poder vender o ativo. As negociações têm avançado, mas a retomada da oferta de ações que seria a ponte para a saída do negócio depende de condições de mercado para ser reativada, diz uma fonte próxima à companhia, que pediu anonimato. “São ainda falhas do tempo de estatal”, afirma esse interlocutor, ao avaliar a existência da cláusula nos títulos de dívida.
O presidente da companhia, Ivan Monteiro, admitiu, durante teleconferência com investidores, no início de novembro, que “no passado, várias subsidiárias faziam emissões e algumas continham cláusulas e ‘covenants’ absolutamente incompatíveis com a realidade da companhia”. Na ocasião, citou que alguns instrumentos de dívida foram emitidos prevendo restrições ao volume total de venda de ativos em determinado período, normalmente de 12 meses.
Para ter o aval dos debenturistas e conseguir vender as ações, o processo é longo. Exige a realização de assembleias com os detentores desses papéis. Como a cláusula está na escritura de várias emissões, envolve um grupo grande de investidores e serão necessárias diversas assembleias, explica o diretor de um banco de investimento, que prefere não ter o nome revelado.
Sem oferta em curto prazo
Apesar de admitir as limitações impostas pelos “covenants”, o presidente da Eletrobras também sinalizou a analistas e investidores no mês passado a influência de limitações no montante da venda de ações da Isa Cteep relacionadas aos empréstimos compulsórios. “Esse processo de acordo de empréstimo compulsório, esse sim possibilita o desbloqueio dessas ações e um grau de liberdade maior para fazer a operação do tamanho, na quantidade e no momento mais adequado”, disse ele, na ocasião.
Diante deste quadro, fontes ouvidas pelo Broadcast acreditam que dificilmente uma operação para a venda da Eletrobras na Isa Cteep vá a mercado no curto prazo. Não sai no primeiro trimestre de 2024, descarta uma delas. A companhia tinha contratado até os bancos assessores para tocar a oferta: Citi, Itaú BBA, Safra e a XP.
O vice-presidente executivo financeiro e de relações com investidores da Eletrobras, Eduardo Haiama, disse que o processo está suspenso até que as negociações com os investidores sejam concluídas, mas que a empresa espera retomar a oferta no próximo ano, de acordo com o BTG Pactual.
Papéis estão sob pressão
Desde que a Eletrobras desistiu da oferta para vender sua fatia na Isa Cteep, as ações da empresa chegaram a acumular ganhos de mais de 7%, mas que se reduziram após o pregão de ontem, dia 13. Do lado positivo, os papéis foram incluídos na primeira prévia da carteira teórica do Índice Bovespa válida para o período entre janeiro e abril de 2024, e ainda o efeito do anúncio do pagamento de juros sobre capital próprio (JCP) no valor de R$ 1,452 bilhão.
Na contramão, o UBS BB rebaixou a recomendação das ações da Isa Cteep, para venda, e também cortou o preço-alvo para 12 meses, para R$ 23,50. Dentre as justificativas, estão o fato de o banco considerar os papéis “pouco atrativos” face ao valor atual e ainda a intenção da Eletrobras de desinvestir o ativo. “Os esforços da Eletrobras para vender suas ações na Isa Cteep poderiam exercer pressão descendente sobre as ações”, dizem os analistas do UBS BB, Giuliano Ajeje, Gustavo Cunha e Henrique Simões, em nota a clientes.
Companhia tem programa de desinvestimentos
A venda das ações da Isa Cteep faz parte de um programa maior de desinvestimentos da Eletrobras. O objetivo é se desfazer de ativos considerados não estratégicos. Dentre eles, estão térmicas a gás, cujo processo pode render à empresa entre R$ 5 bilhões e R$ 8 bilhões, conforme mostrou o Broadcast. O plano de desinvestimentos teve início na gestão passada e está no foco da administração atual, sob o comando de Monteiro, que foi presidente e diretor financeiro da Petrobras e fez carreira no Banco do Brasil.
Monteiro disse, no início de novembro, em conversa com analistas e investidores, que os “covenants” existentes em algumas emissões e a suspensão da oferta da Isa Cteep não interferiam nos objetivos de venda de ativos. E salientou que os avanços nas negociações de empréstimos compulsórios – como o acordo fechado nesta semana com a Petrobras, no valor de R$ 1,15 bilhão – destravam ações dadas em garantia e que passam a fazer parte da gestão de portfólio da empresa.
Procuradas, a Eletrobras e a Isa Cteep não comentaram. No início do mês, a transmissora disse, por meio de comunicado ao mercado, que a “efetiva realização de qualquer oferta pública secundária de ações de emissão da companhia de titularidade de seus acionistas é decisão exclusiva destes e não está sujeita à obtenção de qualquer aprovação societária da companhia”.
Este texto foi publicado no Broadcast no dia 14/12/23, às 10h58
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