Quando o Pátria começou a se debruçar sobre infraestrutura, com o olhar de investidor, a América Latina sofria com uma enorme carência de projetos e obras em todas as áreas, ao mesmo tempo em que o dinheiro público para erguê-los era escasso. Passados quase 20 anos, o quadro está… igualzinho. Menos para o Pátria. A maior gestora da área na América Latina avançou pela avenida esburacada de negócios e hoje, tem R$ 30 bilhões (dos R$ 140 bilhões em recursos totais sob gestão) investidos em 27 projetos e empresas ligados à infraestrutura. São companhias e estruturas que geram, transmitem e comercializam energia, permitem tráfego de internet, telefonia e armazenamento de dados e facilitam a mobilidade, seja por meio de rodovias ou portos. “A gente ainda vê muita oportunidade para investir na infraestrutura brasileira e latino-americana”, diz Marcelo Souza, responsável pela área no Pátria. Além das carências de sempre, ele afirma, hoje há marcos regulatórios robustos e testados por todo o continente em várias áreas.
Com um time de 80 pessoas dedicadas a analisar e entender em profundidade esses projetos, a gestora se vê mais como uma investidora estratégica do que financeira nos leilões em que participa. Sem dificuldades de captação, mesmo com o dinheiro mais caro, tem olhado oportunidades em transição energética, reciclagem de resíduos - além de continuar avançando com os gigantescos investimentos em energia. Souza também diz que o setor de saneamento, cujo marco foi recentemente aprovado, está quase no “ponto perfeito” e a Sabesp é uma concessão que “será olhada”. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Infraestrutura é uma das principais apostas do Pátria. Quais são as perspectivas dentro da gestora?
Marcelo Souza - É a segunda maior área do Pátria hoje, com R$ 30 bilhões sob gestão. São os maiores fundos que temos, com os quais a gente faz desenvolvimento de infraestrutura nova. Investimos nessa área, no Brasil e na América Latina, há 17 anos e em todos os grandes setores: energia, logística de transportes, infraestrutura de dados e telecomunicações e água e saneamento. Foram investimentos nos mesmo padrões que temos no private equity (investimento em empresas privadas): com a entrega de resultados sólidos, com muita disciplina financeira e técnica.
Como foram evoluindo os investimentos dessa vertente?
Souza - A primeira companhia que criamos, com nosso fundo 1, foi a antiga Energias Renováveis, a Ersa, precursora no mercado de geração renovável, que depois se tornaria a CPFL Renováveis. De lá para cá, a gente investiu em vários setores. A gente está hoje investindo o fundo (de investimentos) 4. Os recursos do fundo 1 foram investidos no Brasil e em renováveis. Do fundo 2 em diante, todos foram abertos para infraestrutura na América Latina e em vários negócios. Por exemplo, a Hidrovias do Brasil, uma companhia criada do zero, sempre na ótica de identificar gargalos, desenvolver ativos e criar infraestrutura nova. Há ainda a Argo, nossa plataforma de transmissão, na qual desenvolvemos três grandes concessões, entregues muito antes do prazo, abaixo do orçamento e com ativos de altíssima qualidade, que depois atraíram grupos estrangeiros, o Energía de Bogotá e a Red Elétrica de España, com muito interesse em entrar no Brasil. No total, criamos 27 ativos e companhias, desenvolvemos, vendemos alguns deles e outros ainda estão no nosso portfólio.
Como é a estrutura de trabalho para identificar essas oportunidades?
Souza - O Pátria hoje tem um time técnico muito robusto. Não nos comparamos aos grandes investidores financeiros, mas sim com os estratégicos, quando participamos de um leilão de rodovias ou de uma concessão de um aeroporto. Obviamente sempre buscando a pegada de muita disciplina técnica e de muita disciplina financeira para criar valor aqui nos negócios.
Esse time vê alguma área específica com maior potencial?
Souza - As grandes verticais nas quais temos muita especialização vão demandar investimento. Em energia, por exemplo, certamente vamos ter muita demanda em geração renovável. O mundo está caminhando para as renováveis, que já são uma tecnologia competitiva, principalmente eólica e solar - com a solar acelerando ainda mais. O crescimento da matriz vai se dar por geração, à medida que o País cresce. Certamente haverá demanda por investimento em transmissão, tanto em linhas de alta tensão quanto em subestações, para dar vazão a essa energia e criar um sistema robusto para levar essa energia até os pontos consumidores.
Vocês também olham concessões em áreas mais tradicionais?
Souza - Sim, há também o que a gente chama aqui de ‘old boring infrastructure’. A gente continuará tendo demanda para concessões rodoviárias. O governo federal e de Estados como São Paulo e Paraná, por exemplo, já estão preparando seus programas de concessões rodoviárias. Esse é um setor que a gente está e continuará muito ativo.
Ainda não vimos o Pátria investir em concessões de saneamento após o marco do setor ser aprovado. Investirão nessa área?
Souza - Sim, estamos desenvolvendo no Chile uma grande planta de dessalinização de água, o Projeto Aconcágua, que vai produzir 1.000 litros por segundo para atender grandes mineradoras e consumidores industriais na baía de Quintero, que é extremamente seca. É um projeto que gabarita todas as caixinhas do ESG (bons critérios ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês). Estamos desviando milhares de caminhões-pipa, que transitam naquela região por ano. Nessa vertical ambiental, olhamos de maneira ativa para o tema de resíduos, de aterros sanitários, ao biogás, ao biometano, à reciclagem de resíduos. São temas também muito intensivos em investimentos e importantes do ponto de vista ambiental. Por fim, há o saneamento. O Pátria não fez investimentos nessa área, mas nos preparamos com as mudanças regulatórias. Ainda não estamos no ponto perfeito, mas começa a ser criado um ambiente no qual a gente tem mais conforto para investir. Montamos um time especializado e trabalhamos firme para buscar oportunidades de investimento, seja em novas concessões e em PPPs (parceiras público privada), no Brasil e fora.
Olham a privatização da Sabesp?
Souza - É certamente um tema que a gente vai estudar. A ver, né? Depende do desenho. É um ativo muito grande, mas é nosso dever entender e avaliar se temos oportunidade de investir.
E em relação a dados e telecomunicações?
Souza - Em infraestrutura de dados, continuaremos olhando os temas que estão à mesa. A gente já desenvolveu grandes plataformas de fibra, torres e data centers e a nossa ideia é continuar seguindo. É um setor que tem demanda crescente de forma exponencial, com necessidade de torres de telefonia com advento do 5G ou data centers, com as nuvens de dados. A gente vai continuar sendo muito ativo.
Com os juros subindo lá fora, há impacto em captações?
Souza - Ao contrário. A tendência dos grandes investidores globais - algo que também acontece no Brasil -, é aumentar a exposição em investimentos alternativos (ativos sem liquidez). Varia de país para país, mas na média, algo entre 20% e 30% do portfólio dos grandes investidores está locado para alternativos. Há movimentos de curtíssimo prazo, de volatilidade nos mercados, mas a tendência de longo prazo é ter mais recursos destinados a ativos alternativos e, principalmente, a mercados emergentes. Nosso fundo 3, de infraestrutura, teve menos de 10% de captação feita localmente. Já o fundo 4 captou 25% no Brasil. O fundo 5 vai começar a captar agora e temos boas expectativas porque o investidor brasileiro começou a perceber a necessidade de diversificação, quando se olha o médio e longo prazo e admitindo-se que a taxa de juros reais não será como a de hoje. Hoje é uma disfuncionalidade e nenhum país consegue se financiar com juros de 13%, 14% ao ano.
Há outras alternativas de captação?
Souza - Além do fundo de desenvolvimento, criamos uma família de fundos de renda voltada a brasileiros, que investe em infraestrutura madura, sem o risco da construção. A ideia é apresentar para os investidores, por meio de FIPs-IE (fundos de participação em infraestrutura), que têm incentivo fiscal no imposto de renda, tanto no dividendo quanto no eventual ganho de capital, com previsão de renda periódica bastante representativa. Nessa linha, lançamos o Pice, em janeiro de 2021 e o Pier, em julho de 2022 que está, neste momento, fazendo um follow on (emissão secundária). Captamos R$ 190 milhões em julho. Esse fundo está investido num conjunto de pequenas centrais hidrelétricas, totalmente operacionais. Estão operando, na média, há mais de 10 anos e têm prazo de vida útil de mais de 20 anos pela frente.
Como está o follow on?
Souza - Em andamento e a data, o encerramento de ofertas é no dia 29. O fundo pode captar até R$ 400 milhões e vai pagar 12% ao ano de dividendo no primeiro ano, com uma média, ao longo da vida, de 13% de dividendo, indexado à inflação, totalmente isento de imposto de renda. É um ativo sem risco de construção, sem risco de licenciamento, já com contrato de venda de energia, de longuíssimo prazo. Isso mostra que a gente também está preocupado e vem trabalhando para apresentar produtos para o investidor brasileiro. Isso em infra, mas tem produtos novos de Real Estate (imobiliário) e crédito.
Em outras palavras, o senhor está dizendo que captação não é um problema?
Souza - Competir com uma Selic a 13%, 14% não é fácil. Mas para fundos com ativos bons e gestores reconhecidos, o investidor brasileiro tem apetite. Esse tipo de produto continua tendo bom nível de aceitação e a gente quer apresentar mais oportunidades. Futuramente, a ideia é trazer para a família de fundos de renda outros setores, como, por exemplo, logística e rodovias. Planejamos trazer um FIP IE que investa em rodovia pedagiada, com fluxo robusto de tráfego e receita. Também vamos lançar o primeiro fundo no Brasil, que vai financiar projetos de pequeno e médio porte na infraestrutura. Project finance puro, como é feito fora do Brasil, nos países desenvolvidos, para infraestrutura.
Como encaram o governo atual, que é menos afeito a concessões e privatizações?
Souza - A estratégia no Pátria é montada para funcionar independentemente de ciclos econômicos ou dos ciclos políticos. Prefiro não falar de governo, governante ou preferências políticas, mas posso dizer que investir em infraestrutura no Brasil, nos setores que a gente conhece e gosta, que têm regulação robusta, ativos muito bons e resilientes a qualquer tipo de questão política ou econômica, é uma estratégia para funcionar em qualquer ciclo político ou econômico. Infraestrutura é uma carência e todo mundo quer uma fatia. Toda América Latina precisa fomentar e precisa de investimento privado na infraestrutura. Em qualquer ciclo político ou econômico.
Este é um bom momento para comprar empresas?
Souza - É um bom momento para investir, tanto em projetos novos quanto nos existentes. Há bons ativos na rua e não tem tanta gente capitalizada para fazer aquisição. Mas também é um bom momento para vender. Para bons ativos tem mercado em múltiplos interessantes. É o que acabamos de fazer com a (empresa de datacenters) Odata.
Esta entrevista foi publicada no Broadcast no dia 28/03/2023, às 15h33
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