As palavras escritas pela defesa do ex-CEO da Americanas Miguel Gutierrez que vieram a público nesta semana reacenderam a expectativa de que o trio de acionistas de referência da varejista, Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, venha a ser relacionado juridicamente ao rombo de mais de R$ 20 bilhões na companhia. No entanto, um dos pontos trazidos nessa declaração se mostra frágil, segundo defendem fontes ouvidas pelo Broadcast. A reportagem teve acesso a um dos e-mails recebidos regularmente por Sicupira, que são citados por Gutierrez. As informações que ali constam não dariam dimensão do problema da empresa, na visão das fontes próximas ao trio de acionistas.
Sob o assunto “Flash de Vendas Lojas - 10/11/2022″, o corpo do e-mail traz apenas o GMV (sigla em inglês para Gross Merchandise Value ou venda bruta total) realizado em comparação com o orçado para o dia. O remetente da mensagem é um e-mail de ‘reports’, da B2W Digital, empresa que concentrava as operações digitais do grupo antes da junção com empresa Americanas SA. A fusão ocorreu em meados de 2021, mas, ao que tudo indica, nos processos internos da empresa, os nomes das duas empresas anteriores, B2W Digital e Lojas Americanas, ainda eram utilizados de forma confusa.
Tal documento é um dos citados pela defesa de Gutierrez na declaração juntada ao processo no qual o Bradesco, defendido pelo escritório Warde Advogados, pede a produção antecipada de provas no caso. Na declaração, Gutierrez afirma que “a ingerência dos controladores da Americanas nas finanças das companhias de seu portfólio é, de mais a mais, fato notório, mencionado, inclusive, no famoso livro que conta sua trajetória empresarial. Para dar um exemplo específico referente às Americanas, as vendas da companhia eram acompanhadas diariamente pelo Sr. Carlos Alberto Sicupira”.
Relatórios de vendas não provam envolvimento de trio na fraude, diz fonte
Fontes próximas aos acionistas de referência da empresa argumentam que, por meio desses relatórios de vendas, não é possível afirmar o conhecimento do trio sobre a conta Fornecedores, que é onde a fraude se dava, principalmente, através dos instrumentos de verbas de publicidade e também por operações de crédito conhecidas como “risco sacado”. Essa descrição da fraude foi dada pela própria empresa na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados que investiga a história, mas que não chegou nem mesmo a votar a convocação do trio de investidores para depor.
Os relatórios de vendas não são as únicas supostas evidências citadas por Gutierrez para afirmar a presença constante de Sicupira nas discussões financeiras da companhia, bem como suposto conhecimento dos demais acionistas de referência sobre a situação complicada da varejista. No entanto, outras provas ainda não foram trazidas a público.
Dentre outras afirmações, a declaração de Gutierrez menciona que, durante o segundo semestre de 2022, o ex-CEO teve conhecimento de interações diretas entre o então diretor financeiro da Americanas, Marcelo Nunes, com membros do comitê financeiro, incluindo Jorge Paulo Lemann, e com funcionários da LTS (holding dos acionistas de referência). “Segundo me relataram, temas como ‘adiantamento a fornecedores’ foram tratados naquele contexto. Além disso, Carlos Alberto Sicupira participava regularmente de reuniões que discutiam a evolução do fluxo financeiro e o caixa da companhia”, diz trecho do documento.
Acionistas afirmam que foram enganados por “fraude ardilosa”
Procurados, os acionistas de referência da Americanas afirmaram em nota ao Broadcast que “sempre atuaram com o máximo de zelo e ética sobre a companhia, observando rigorosamente as normas e a legislação aplicável. Ainda assim, todos os acionistas da Americanas foram enganados por uma fraude ardilosa cujos malfeitores serão responsabilizados pelas autoridades competentes”.
Também procurada, a defesa de Miguel Gutierrez preferiu não se manifestar.
Esta nota foi publicada no Broadcast no dia 08/09/23, às 14h53.
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