Grandes petroleiras e empresas de energia têm interesse crescente na geração de energia eólica offshore (em alto-mar) no Brasil. No início de dezembro chegou a 70 o número de projetos protocolados no Ibama para licenciamento ambiental. Ao todo, esses projetos têm potencial de gerar 176,6 gigawatts (GW). Joga contra, a lentidão na regulamentação da atividade, que já empurrou os primeiros leilões de cessão de área no mar para 2024.
Mesmo assim, segundo especialistas, a busca para desenvolver a atividade no Brasil deve se manter devido à pressão da transição energética e às condições naturais da costa. A previsão é levantar as primeiras usinas eólicas em alto-mar do País só no fim da década ou depois de 2030, mas os interessados já se movimentam. Em função da escala do investimento necessário, algumas empresas do setor de energia, as chamadas “majors”, começam a alinhar parcerias.
Viabilidade de usina na Bacia de Campos está em estudo
São movimentos ainda iniciais, mas que apontam o caminho do setor nos próximos anos. Exemplos são o acordo para estudo de viabilidade entre a Petrobras e a norueguesa Equinor para a instalação de usina offshore no litoral do Rio de Janeiro, na Bacia de Campos e, mais recentemente, a cooperação técnica assinada entre Shell e Eletrobras, para eventual investimento conjunto e operação de usinas desse tipo no futuro.
“É factível imaginar que (parcerias) sejam uma tendência do setor sim”, diz a gerente de assuntos regulatórios da Shell Brasil, Monique Gonçalves. “Ainda há muitos riscos envolvidos, riscos tecnológicos, de medição (do potencial eólico) e financeiros mesmo. Além, é claro, do custo elevado de um investimento”, acrescenta. Ela atribui a iniciativa com a Eletrobras principalmente à sinergia das estratégias de ambas as empresas e suas expertises - de um lado na geração de energia elétrica e, do outro, em atividades offshore.
Empresas buscam licenças para primeiros projetos
Sozinha, a Shell já tem seis projetos protocolados no Ibama. As áreas visadas para a instalação das usinas em alto-mar contemplam praticamente toda a costa brasileira, nos Estados do Piauí (2,5 GW), Ceará (3 GW), Rio Grande do Norte (3 GW), Espírito Santo (2,5 GW), Rio de Janeiro (3 GW) e Rio Grande do Sul (3 GW). A Equinor, que mantém conversas com a Petrobras, tem outros seis projetos comunicados ao Ibama em seu nome.
Projetos de parques eólicos offshore devem mirar uma capacidade instalada de no mínimo 1 GW, mas, idealmente, devem ter entre 2 GW e 3 GW em função da rentabilidade, dizem executivos ouvidos pela reportagem. Além da complexidade da operação e da tecnologia envolvida, esse volume de energia encarece os projetos.
Investimento para construção de usinas é alto
De fato, para além dos gastos iniciais com estudos, que podem chegar a US$ 50 milhões, a expectativa de investimentos para a construção de usinas está na casa dos bilhões. Um executivo do setor, que prefere não se identificar, estimou que cada gigawatt de capacidade instalada pode custar até R$ 16 bilhões. Em agosto de 2022, porém, a gerente de tecnologia em renováveis da Shell, Camila Brandão, fez estimativa bem mais conservadora: entre R$ 5 bilhões e R$ 7 bilhões por gigawatt instalado.
Isso porque os materiais a serem aplicados na costa brasileira podem ter características, como densidade, diferentes daqueles utilizados por exemplo no Mar do Norte, onde os aerogeradores instalados no mar se multiplicam. Essa especificidade, aliada à infraestrutura offshore já estabelecida por grandes petroleiras no Brasil, poderia reduzir significativamente custos.
Metades dos projetos se concentra no Nordeste
Os 70 projetos protocolados no Ibama para licenciamento ambiental somam capacidade de geração de 176,6 GW. Em 2023, a listagem deve ser reforçada pela entrada mais decisiva da Petrobras nessa fonte, conforme indicado por membros da transição de governo.
De setembro a dezembro, entraram no sistema do Ibama quatro novos projetos, um da Cemig Geração e Transmissão, com capacidade prevista de 1,5 GW, e outro da Energia Itapipoca, de 720 MW, ambos planejados para a costa do Ceará; e dois da Monex Geração de Energia, um também no mar do Ceará e outro no do Rio Grande do Norte, de 2,96 GW e 1,96 GW respectivamente.
Os 70 projetos se dividem em três áreas principais: no Sul, no litoral de Rio Grande do Sul e Santa Catarina; Sudeste, entre Rio de Janeiro e Espírito Santo; e Nordeste, na costa do Rio Grande do Norte, Piauí, Ceará e Maranhão.
Metade deles, 35 projetos, concentra-se no Nordeste, sendo 21 no mar do Ceará, onde a infraestrutura do porto de Pecém (CE) e a presença de grandes consumidores de energia atraem as empresas. O mesmo acontece com o Porto do Açu (RJ), que torna Rio e Espírito Santo pontos atraentes à indústria. O Rio Grande do Norte corre por fora, por ter menos infraestrutura, mas ser o principal “hotspot” do País para eólica offshore devido às condições da costa, mais rasa, com ventos fortes, constantes e pouca variação de direção.
Além de Shell e Equinor, outra grande petroleira dona de projetos de eólica offshore é a francesa Total. Há ainda empresas mais afeitas à energia elétrica, como Engie e EDP, que atuam juntas, por meio da joint venture Ocean Winds, com cinco projetos que somam 15 GW em capacidade.
Petrobras deve acelerar aportes na área
Embora a Petrobras tenha acumulado pesquisa e desenvolvimento relacionados à eólica offshore nos últimos anos, sobretudo no mapeamento de áreas, as últimas gestões da estatal reduziram o ritmo de desenvolvimento dessa frente de negócio para focar em exploração e produção de petróleo e ampliar as margens da companhia. Isso deve mudar no novo governo, do presidente Lula (PT).
No plano estratégico até 2027, divulgado em novembro, a eólica offshore aparece como opção para diversificação rentável de portfólio, mas somente para aprofundamento de estudos. Sob a diretriz de reforçar atuação em renováveis e, pelo domínio da infraestrutura offshore, a Petrobras deve acelerar investimentos nessa área, acirrando ainda mais a competição em um mercado por nascer no País.
Mostra do protagonismo que a Petrobras pode alcançar a partir de uma reorientação estratégica está no desenvolvimento de uma tecnologia de medição de ventos no mar, que entrou em fase de testes no fim de dezembro. A Bravo, Boia Remota de Avaliação de Ventos Offshore, foi desenvolvida pela Petrobras em parceria com institutos de inovação do Senai no Rio Grande do Norte e Santa Catarina.
No mundo, boias desse tipo são uma alternativa às torres fixas de medição, com alto custo de instalação. Até então, essas tecnologias não existiam no Brasil e deveriam ser contratadas no exterior. Segundo a Petrobras, a futura entrada da Bravo no mercado, deve baratear em cerca de 40% os custos envolvidos no aluguel de equipamentos do tipo.
Este texto foi publicado no Broadcast Energia no dia 29/12/2022, às 09h00
O Broadcast+ é uma plataforma líder no mercado financeiro com notícias e cotações em tempo real, além de análises e outras funcionalidades para auxiliar na tomada de decisão.
Para saber mais sobre o Broadcast+ e solicitar uma demonstração, acesse.