A MRV, maior construtora residencial da América Latina, assinou um acordo com o governo federal em que se dispõe a pagar pouco mais de R$ 10 milhões para encerrar processos em que contestava autuações por infrações a direitos trabalhistas. O trato também garante à empresa seguir fora do cadastro de empregadores que submeteram pessoas a condições de trabalho análogas à escravidão - a chamada lista suja do trabalho escravo. A informação foi antecipada pelo site Repórter Brasil e confirmada pela Coluna do Broadcast, que acessou os documentos dos processos.
O acordo foi fechado após um histórico de mais de dez anos de autuações por parte de auditores fiscais do trabalho, mas que nunca foram reconhecidas pela MRV. A empresa foi autuada nas cidades de Curitiba, Goiânia, Bauru (SP) e Americana (SP) em 2011 por infrações que a levariam para a lista suja, mas isso não ocorreu porque ela obteve mandatos de segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A MRV foi autuada novamente por supostamente submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão em Contagem (MG) em 2013; Macaé (RJ), em 2014; e Porto Alegre e São Leopoldo (RS), em 2021. Todas as ocorrências também foram alvo de questionamentos na Justiça, que acolheu os pleitos da companhia nas primeiras instâncias.
Inclusão na lista poderia levar a restrições para tomada de crédito
Por meio do acordo, a MRV se compromete a extinguir todos os processos nos quais questionava sua inserção na lista. Em troca, seguirá de fora da chamada lista suja. Além de afetar a reputação da construtora, uma inserção no cadastro pode levar a restrições para tomada de crédito, inclusive dentro do programa Casa Verde e Amarela, do qual é a maior operadora no País.
“O objetivo primordial do acordo judicial é o engajamento e a promoção no combate ao trabalho análogo ao escravo e promover conduta empresarial responsável, o que requer a adoção de medidas preventivas e corretivas por parte da MRV”, descreve o documento.
Do total de R$ 8 milhões, que serão pagos à União, o montante de R$ 7 milhões se refere à indenização por dano moral coletivo aos trabalhadores, enquanto R$ 1 milhão será usado para ressarcir a União pelos custos envolvidos nas ações. A construtora também terá que pagar R$ 10 mil de indenização a cada um dos cerca de 270 trabalhadores lesados e envolvidos no conjunto de processos, o que representa mais R$ 2,7 milhões, aproximadamente.
Pelo acordo, empresa terá de criar programa de proteção ao trabalho
A MRV também terá que criar um programa de proteção ao trabalho para os funcionários próprios e de terceiros, criar um canal interno para denúncias, elaborar um relatório periódico de riscos de novos incidentes e manter um órgão interno responsável pelo acompanhamento dessas medidas. Se o programa não for implantado, a empresa fica sujeita a multa de R$ 5 milhões. Também ficou acordado que os contratos da MRV prevejam que as empresas terceirizadas devem respeitar os direitos humanos, sob o risco de rescisão em caso de descumprimento.
O acordo foi assinado em agosto, homologado pela Justiça do Trabalho em outubro e disponibilizado para consulta esta semana pelo Ministério do Trabalho. Do lado do governo federal, assinaram: o advogado-geral da União, Bruno Bianco Leal; ministro do Trabalho, José Carlos Oliveira; secretário nacional de proteção global do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, Eduardo Miranda. Do lado da MRV, assinaram: o diretor de relações institucionais, Raphael Lafetá; e o advogado contratado pela companhia, José Francisco Siqueira Neto.
MRV reitera não reconhecer as infrações
Procurada pela reportagem, a MRV reiterou que não reconhece as práticas mencionadas nas fiscalizações e reforçou que obteve inclusive decisões judiciais favoráveis reconhecendo a ausência de infração nesse sentido.
A construtora afirmou que o acordo foi construído para encerrar uma discussão judicial que já se arrastava havia anos. “Com o acordo se encerra um conflito de entendimentos de forma negocial, honesta e transparente, sendo que as obrigações assumidas por ambas as partes trazem inovações e dinamismo para a promoção do trabalho digno”, descreveu a companhia, em nota.
A MRV também negou que o maior benefício para ela tenha sido o direito de não entrar na lista suja. “O principal benefício foi justamente encerrar uma discussão judicial e assim desenvolver e aprimorar mecanismos de promoção do trabalho digno, em conjunto com técnicos da AGU, do Ministério do Trabalho e Previdência e do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos”.
Conforme estabelece o acordo, a empresa informou que já modernizou o seu programa de conformidade trabalhista e reforçou o órgão interno de acompanhamento. O programa será apresentado em breve para análise da Advocacia Geral da União.
A MRV é signatária do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) e certificada pelo Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3.
Esta nota foi publicada no Broadcast no dia 18/11/2022, às 17h00
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