Bastidores do mundo dos negócios

Recuperações judiciais são contestadas na Justiça por suspeita de fraude a fundos


Acusações envolvem desde uso de notas frias até adulteração de documentos contábeis

Por Marcela Villar e Gabriel Baldocchi
02/02/2023 Fabricante de calçados Dok, dona das marcas Ortopé e Dijean FOTO DIVULGAÇÃO Foto: Divulgação

Recuperações judiciais milionárias têm sido questionadas na Justiça por indícios de fraudes relacionadas ao mercado de capitais, em especial, a Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (Fidcs). Esses fundos são usados como alternativa para financiar negócios e triplicaram nos últimos anos - movimentaram quase R$ 100 bilhões no pico, em 2021, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Documentos obtidos pela Coluna apontam problemas em ao menos seis recuperações judiciais - Grupo DOK, Riopet, Graneleiro, Geoforest, Agroaraçá e Mixtel. O rombo potencial aos fundos de investimento é de, ao menos, R$ 840 milhões.

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A principal suspeita que recai sobre as companhias, segundo as peças juntadas aos processos, é semelhante ao do Grupo DOK, dono das marcas Dijean e Ortopé: emissão de notas frias e duplicatas sem lastro. Parte dos títulos fraudados teria passado a compor a carteira de fundos que emitiram cotas a investidores no mercado financeiro. Há também acusações de adulterações de documentos contábeis, de falsa devolução de mercadorias e de desvio de recursos pelos sócios.

Procuradas, as empresas citadas negam irregularidades e dizem que as suspeitas de fraudes devem ser apuradas independentemente, em ações penais. Para elas, as suspeitas não podem influenciar nas decisões tomadas pela Justiça nas recuperações judiciais.

Ao todo, mais de 90 Fidcs teriam sido lesados pelas operações. Segundo as acusações, as empresas teriam usado estratégias controversas para levantar um montante elevado de recursos no mercado de capitais e turbinado o endividamento com vistas, posteriormente, pedir proteção à Justiça. O instrumento da recuperação judicial, com tutela cautelar antecipada, seria a forma usada para não ter de honrar as dívidas - ou conseguir desconto e parcelamento.

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Alta das recuperações judiciais traz preocupação

Advogados demonstram preocupação sobre práticas fraudulentas semelhantes no momento em que o número de reestruturações e recuperações judiciais de empresas dispara no País. “É uma versão moderna da duplicata fria”, afirma Leandro Chiarottino, do Chiarotiino & Nicoletti e representante de um dos fundos. “É uma prática que está se tornando comum.”

Representantes legais de fundos e instituições financeiras têm se unido para trocar informações sobre casos suspeitos e tentar combater as fraudes. Segundo eles, novos indícios surgem a cada semana.

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“É certo que os pedidos recentes de recuperação judicial apresentam uma prática comum quanto à emissão e negociação de títulos sem lastros (duplicatas frias) em período imediatamente antecedente ao pedido de recuperação”, afirma José Luis Dias da Silva, consultor jurídico da Associação Nacional de Fomento Comercial. “Do ponto de vista ético e até criminal, (a prática) deve merecer a devida reprimenda da sociedade e do Judiciário.”

Entenda os casos

O caso mais emblemático é o do grupo Dok, recuperação judicial com dívidas de R$ 400 milhões, e com suspeita de uso de notas frias para a emissão das dívidas. O advogado da empresa, Daniel Amaral, afirma que as investigações criminais não devem influenciar na recuperação judicial.

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Há outros exemplos, como o da paranaense Mixtel, atacadista de equipamentos eletrônicos e de comunicação que revende para marcas como a TIM. Com faturamento de R$ 700 milhões, a Mixtel entrou com pedido de recuperação judicial em novembro. Nele, informou débitos de mais de R$ 600 milhões e a justificativa de desequilíbrio no caixa gerado pela crise econômica da pandemia. A Justiça concedeu a recuperação judicial, mas chegou a reverter a proteção por constatar “indícios contundentes de utilização fraudulenta da ação de recuperação judicial”.

“Das provas contidas nos autos, inclusive do laudo de constatação prévia, é possível vislumbrar que a recuperanda utilizou-se de meios ilícitos, emissão de notas fiscais e duplicatas sem lastro, para o fim de alavancar valores de monta junto a inúmeras instituições financeiras e, logo após, se valeu da presente recuperação judicial com o fito de se blindar da cobrança, em evidente fraude contra credores”, afirmou a juíza da 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de Curitiba, Luciane Pereira Ramos, na decisão.

A Mixtel teria emitido duplicatas a empresas como Havan e Deltasul sem o consentimento dessas lojas e a devida comprovação de entrega das mercadorias. O volume de produtos devolvidos chegou até a superar o faturamento. O caso é apurado em inquérito pela Polícia Civil do Paraná.

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A recuperação judicial foi suspensa em fevereiro para realização da perícia. Carlos Eduardo Quadros Domingos, advogado da empresa, não quis comentar as acusações e afirmou que a Mixtel não se posicionará fora dos autos do processo. Ele disse que a empresa vai recorrer da suspensão da RJ “por não concordar com os termos nela contidos”.

Suspensão de edital

Já a gaúcha de alimentos Agroaraçá, fundada em 2001, teve o pedido de recuperação aceito em janeiro. O edital publicado em seguida apontava dívida de R$ 368 milhões - cerca de 30% do total junto aos Fidcs. O valor da dívida foi questionado várias vezes pela Justiça e, 11 dias depois do lançamento do edital, o juiz o cancelou, por falta de documentação obrigatória.

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Representantes dos Fidcs acusam a companhia de emitir duplicatas simuladas e não entregar as mercadorias. Na visão deles, a estratégia teria sido usada para criar uma falsa impressão de dificuldades.

“Os títulos foram tomados para justificar o ajuizamento da recuperação judicial”, afirmaram os advogados Felipe Zago e Ricardo de Barros Falcão Ferraz, do FZ Advogados Associados. O valor potencial do prejuízo aos fundos com as duplicatas simuladas é de R$ 104 milhões, segundo documentos do processo.

A Agroaraçá emprega mais de 1,6 mil funcionários e já exportou para mais de 30 países. O advogado da empresa, Guilherme Caprara, do Medeiros, Santos & Caprara Advogados, afirma que as acusações de fraudes precisam ser apuradas, mas em outro processo, que não atrapalhe o curso da recuperação judicial.

Mercadorias canceladas

Na recuperação judicial da madeireira catarinense Geoforest, aprovada em junho do ano passado, são citados casos de notas fiscais cujas mercadorias foram objeto de cancelamento minutos depois. As devoluções teriam causado prejuízo de R$ 50 milhões a fundos e securitizadoras, detentores de 56,4% das dívidas apontadas no processo à Justiça. Somente em um dos casos, o dano teria alcançado 64 instituições financeiras. A empresa é investigada pelo Ministério Público.

Perícia feita pelo administrador judicial encontrou inconsistências entre a lista de credores e o passivo, além de balanços “que não refletem a real situação patrimonial” da empresa. As apurações mostraram mais de 1,5 mil duplicatas cedidas para mais de uma instituição financeira e outras objeto de mercadorias devolvidas.

O advogado da Geoforest, Guilherme Caprara, que também defende a Agroaraçá, diz que as inconsistências apuradas precisam ser analisadas independentemente e não devem influenciar a recuperação judicial. “Os fatos são verdadeiros e incompatíveis com nossa legislação”, afirma. “O que deve ser apurado é a responsabilidade vinculada ao ator que efetivamente foi responsável pela constituição dos passivos, na esfera criminal.”

O juiz do caso afastou o dono da empresa, nomeou um gestor judicial e trocou o administrador judicial, mas não impediu o prosseguimento da RJ. A troca dos gestores é um pleito comum nos casos suspeitos, numa tentativa de evitar que as fraudes causem a falência e dificultem a recuperação dos créditos.

Regulador

Sobre o avanço de fraudes envolvendo Fdics, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) disse que “acompanha e analisa informações e movimentações no âmbito do mercado de valores mobiliários brasileiro, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário”, mas que “não comenta casos específicos”.

A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) afirmou que qualquer informação ou documento “precisam ser mantidos em sigilo absoluto até que seja realizada e concluída alguma ação de supervisão”.

02/02/2023 Fabricante de calçados Dok, dona das marcas Ortopé e Dijean FOTO DIVULGAÇÃO Foto: Divulgação

Recuperações judiciais milionárias têm sido questionadas na Justiça por indícios de fraudes relacionadas ao mercado de capitais, em especial, a Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (Fidcs). Esses fundos são usados como alternativa para financiar negócios e triplicaram nos últimos anos - movimentaram quase R$ 100 bilhões no pico, em 2021, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Documentos obtidos pela Coluna apontam problemas em ao menos seis recuperações judiciais - Grupo DOK, Riopet, Graneleiro, Geoforest, Agroaraçá e Mixtel. O rombo potencial aos fundos de investimento é de, ao menos, R$ 840 milhões.

A principal suspeita que recai sobre as companhias, segundo as peças juntadas aos processos, é semelhante ao do Grupo DOK, dono das marcas Dijean e Ortopé: emissão de notas frias e duplicatas sem lastro. Parte dos títulos fraudados teria passado a compor a carteira de fundos que emitiram cotas a investidores no mercado financeiro. Há também acusações de adulterações de documentos contábeis, de falsa devolução de mercadorias e de desvio de recursos pelos sócios.

Procuradas, as empresas citadas negam irregularidades e dizem que as suspeitas de fraudes devem ser apuradas independentemente, em ações penais. Para elas, as suspeitas não podem influenciar nas decisões tomadas pela Justiça nas recuperações judiciais.

Ao todo, mais de 90 Fidcs teriam sido lesados pelas operações. Segundo as acusações, as empresas teriam usado estratégias controversas para levantar um montante elevado de recursos no mercado de capitais e turbinado o endividamento com vistas, posteriormente, pedir proteção à Justiça. O instrumento da recuperação judicial, com tutela cautelar antecipada, seria a forma usada para não ter de honrar as dívidas - ou conseguir desconto e parcelamento.

Alta das recuperações judiciais traz preocupação

Advogados demonstram preocupação sobre práticas fraudulentas semelhantes no momento em que o número de reestruturações e recuperações judiciais de empresas dispara no País. “É uma versão moderna da duplicata fria”, afirma Leandro Chiarottino, do Chiarotiino & Nicoletti e representante de um dos fundos. “É uma prática que está se tornando comum.”

Representantes legais de fundos e instituições financeiras têm se unido para trocar informações sobre casos suspeitos e tentar combater as fraudes. Segundo eles, novos indícios surgem a cada semana.

“É certo que os pedidos recentes de recuperação judicial apresentam uma prática comum quanto à emissão e negociação de títulos sem lastros (duplicatas frias) em período imediatamente antecedente ao pedido de recuperação”, afirma José Luis Dias da Silva, consultor jurídico da Associação Nacional de Fomento Comercial. “Do ponto de vista ético e até criminal, (a prática) deve merecer a devida reprimenda da sociedade e do Judiciário.”

Entenda os casos

O caso mais emblemático é o do grupo Dok, recuperação judicial com dívidas de R$ 400 milhões, e com suspeita de uso de notas frias para a emissão das dívidas. O advogado da empresa, Daniel Amaral, afirma que as investigações criminais não devem influenciar na recuperação judicial.

Há outros exemplos, como o da paranaense Mixtel, atacadista de equipamentos eletrônicos e de comunicação que revende para marcas como a TIM. Com faturamento de R$ 700 milhões, a Mixtel entrou com pedido de recuperação judicial em novembro. Nele, informou débitos de mais de R$ 600 milhões e a justificativa de desequilíbrio no caixa gerado pela crise econômica da pandemia. A Justiça concedeu a recuperação judicial, mas chegou a reverter a proteção por constatar “indícios contundentes de utilização fraudulenta da ação de recuperação judicial”.

“Das provas contidas nos autos, inclusive do laudo de constatação prévia, é possível vislumbrar que a recuperanda utilizou-se de meios ilícitos, emissão de notas fiscais e duplicatas sem lastro, para o fim de alavancar valores de monta junto a inúmeras instituições financeiras e, logo após, se valeu da presente recuperação judicial com o fito de se blindar da cobrança, em evidente fraude contra credores”, afirmou a juíza da 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de Curitiba, Luciane Pereira Ramos, na decisão.

A Mixtel teria emitido duplicatas a empresas como Havan e Deltasul sem o consentimento dessas lojas e a devida comprovação de entrega das mercadorias. O volume de produtos devolvidos chegou até a superar o faturamento. O caso é apurado em inquérito pela Polícia Civil do Paraná.

A recuperação judicial foi suspensa em fevereiro para realização da perícia. Carlos Eduardo Quadros Domingos, advogado da empresa, não quis comentar as acusações e afirmou que a Mixtel não se posicionará fora dos autos do processo. Ele disse que a empresa vai recorrer da suspensão da RJ “por não concordar com os termos nela contidos”.

Suspensão de edital

Já a gaúcha de alimentos Agroaraçá, fundada em 2001, teve o pedido de recuperação aceito em janeiro. O edital publicado em seguida apontava dívida de R$ 368 milhões - cerca de 30% do total junto aos Fidcs. O valor da dívida foi questionado várias vezes pela Justiça e, 11 dias depois do lançamento do edital, o juiz o cancelou, por falta de documentação obrigatória.

Representantes dos Fidcs acusam a companhia de emitir duplicatas simuladas e não entregar as mercadorias. Na visão deles, a estratégia teria sido usada para criar uma falsa impressão de dificuldades.

“Os títulos foram tomados para justificar o ajuizamento da recuperação judicial”, afirmaram os advogados Felipe Zago e Ricardo de Barros Falcão Ferraz, do FZ Advogados Associados. O valor potencial do prejuízo aos fundos com as duplicatas simuladas é de R$ 104 milhões, segundo documentos do processo.

A Agroaraçá emprega mais de 1,6 mil funcionários e já exportou para mais de 30 países. O advogado da empresa, Guilherme Caprara, do Medeiros, Santos & Caprara Advogados, afirma que as acusações de fraudes precisam ser apuradas, mas em outro processo, que não atrapalhe o curso da recuperação judicial.

Mercadorias canceladas

Na recuperação judicial da madeireira catarinense Geoforest, aprovada em junho do ano passado, são citados casos de notas fiscais cujas mercadorias foram objeto de cancelamento minutos depois. As devoluções teriam causado prejuízo de R$ 50 milhões a fundos e securitizadoras, detentores de 56,4% das dívidas apontadas no processo à Justiça. Somente em um dos casos, o dano teria alcançado 64 instituições financeiras. A empresa é investigada pelo Ministério Público.

Perícia feita pelo administrador judicial encontrou inconsistências entre a lista de credores e o passivo, além de balanços “que não refletem a real situação patrimonial” da empresa. As apurações mostraram mais de 1,5 mil duplicatas cedidas para mais de uma instituição financeira e outras objeto de mercadorias devolvidas.

O advogado da Geoforest, Guilherme Caprara, que também defende a Agroaraçá, diz que as inconsistências apuradas precisam ser analisadas independentemente e não devem influenciar a recuperação judicial. “Os fatos são verdadeiros e incompatíveis com nossa legislação”, afirma. “O que deve ser apurado é a responsabilidade vinculada ao ator que efetivamente foi responsável pela constituição dos passivos, na esfera criminal.”

O juiz do caso afastou o dono da empresa, nomeou um gestor judicial e trocou o administrador judicial, mas não impediu o prosseguimento da RJ. A troca dos gestores é um pleito comum nos casos suspeitos, numa tentativa de evitar que as fraudes causem a falência e dificultem a recuperação dos créditos.

Regulador

Sobre o avanço de fraudes envolvendo Fdics, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) disse que “acompanha e analisa informações e movimentações no âmbito do mercado de valores mobiliários brasileiro, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário”, mas que “não comenta casos específicos”.

A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) afirmou que qualquer informação ou documento “precisam ser mantidos em sigilo absoluto até que seja realizada e concluída alguma ação de supervisão”.

02/02/2023 Fabricante de calçados Dok, dona das marcas Ortopé e Dijean FOTO DIVULGAÇÃO Foto: Divulgação

Recuperações judiciais milionárias têm sido questionadas na Justiça por indícios de fraudes relacionadas ao mercado de capitais, em especial, a Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (Fidcs). Esses fundos são usados como alternativa para financiar negócios e triplicaram nos últimos anos - movimentaram quase R$ 100 bilhões no pico, em 2021, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Documentos obtidos pela Coluna apontam problemas em ao menos seis recuperações judiciais - Grupo DOK, Riopet, Graneleiro, Geoforest, Agroaraçá e Mixtel. O rombo potencial aos fundos de investimento é de, ao menos, R$ 840 milhões.

A principal suspeita que recai sobre as companhias, segundo as peças juntadas aos processos, é semelhante ao do Grupo DOK, dono das marcas Dijean e Ortopé: emissão de notas frias e duplicatas sem lastro. Parte dos títulos fraudados teria passado a compor a carteira de fundos que emitiram cotas a investidores no mercado financeiro. Há também acusações de adulterações de documentos contábeis, de falsa devolução de mercadorias e de desvio de recursos pelos sócios.

Procuradas, as empresas citadas negam irregularidades e dizem que as suspeitas de fraudes devem ser apuradas independentemente, em ações penais. Para elas, as suspeitas não podem influenciar nas decisões tomadas pela Justiça nas recuperações judiciais.

Ao todo, mais de 90 Fidcs teriam sido lesados pelas operações. Segundo as acusações, as empresas teriam usado estratégias controversas para levantar um montante elevado de recursos no mercado de capitais e turbinado o endividamento com vistas, posteriormente, pedir proteção à Justiça. O instrumento da recuperação judicial, com tutela cautelar antecipada, seria a forma usada para não ter de honrar as dívidas - ou conseguir desconto e parcelamento.

Alta das recuperações judiciais traz preocupação

Advogados demonstram preocupação sobre práticas fraudulentas semelhantes no momento em que o número de reestruturações e recuperações judiciais de empresas dispara no País. “É uma versão moderna da duplicata fria”, afirma Leandro Chiarottino, do Chiarotiino & Nicoletti e representante de um dos fundos. “É uma prática que está se tornando comum.”

Representantes legais de fundos e instituições financeiras têm se unido para trocar informações sobre casos suspeitos e tentar combater as fraudes. Segundo eles, novos indícios surgem a cada semana.

“É certo que os pedidos recentes de recuperação judicial apresentam uma prática comum quanto à emissão e negociação de títulos sem lastros (duplicatas frias) em período imediatamente antecedente ao pedido de recuperação”, afirma José Luis Dias da Silva, consultor jurídico da Associação Nacional de Fomento Comercial. “Do ponto de vista ético e até criminal, (a prática) deve merecer a devida reprimenda da sociedade e do Judiciário.”

Entenda os casos

O caso mais emblemático é o do grupo Dok, recuperação judicial com dívidas de R$ 400 milhões, e com suspeita de uso de notas frias para a emissão das dívidas. O advogado da empresa, Daniel Amaral, afirma que as investigações criminais não devem influenciar na recuperação judicial.

Há outros exemplos, como o da paranaense Mixtel, atacadista de equipamentos eletrônicos e de comunicação que revende para marcas como a TIM. Com faturamento de R$ 700 milhões, a Mixtel entrou com pedido de recuperação judicial em novembro. Nele, informou débitos de mais de R$ 600 milhões e a justificativa de desequilíbrio no caixa gerado pela crise econômica da pandemia. A Justiça concedeu a recuperação judicial, mas chegou a reverter a proteção por constatar “indícios contundentes de utilização fraudulenta da ação de recuperação judicial”.

“Das provas contidas nos autos, inclusive do laudo de constatação prévia, é possível vislumbrar que a recuperanda utilizou-se de meios ilícitos, emissão de notas fiscais e duplicatas sem lastro, para o fim de alavancar valores de monta junto a inúmeras instituições financeiras e, logo após, se valeu da presente recuperação judicial com o fito de se blindar da cobrança, em evidente fraude contra credores”, afirmou a juíza da 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de Curitiba, Luciane Pereira Ramos, na decisão.

A Mixtel teria emitido duplicatas a empresas como Havan e Deltasul sem o consentimento dessas lojas e a devida comprovação de entrega das mercadorias. O volume de produtos devolvidos chegou até a superar o faturamento. O caso é apurado em inquérito pela Polícia Civil do Paraná.

A recuperação judicial foi suspensa em fevereiro para realização da perícia. Carlos Eduardo Quadros Domingos, advogado da empresa, não quis comentar as acusações e afirmou que a Mixtel não se posicionará fora dos autos do processo. Ele disse que a empresa vai recorrer da suspensão da RJ “por não concordar com os termos nela contidos”.

Suspensão de edital

Já a gaúcha de alimentos Agroaraçá, fundada em 2001, teve o pedido de recuperação aceito em janeiro. O edital publicado em seguida apontava dívida de R$ 368 milhões - cerca de 30% do total junto aos Fidcs. O valor da dívida foi questionado várias vezes pela Justiça e, 11 dias depois do lançamento do edital, o juiz o cancelou, por falta de documentação obrigatória.

Representantes dos Fidcs acusam a companhia de emitir duplicatas simuladas e não entregar as mercadorias. Na visão deles, a estratégia teria sido usada para criar uma falsa impressão de dificuldades.

“Os títulos foram tomados para justificar o ajuizamento da recuperação judicial”, afirmaram os advogados Felipe Zago e Ricardo de Barros Falcão Ferraz, do FZ Advogados Associados. O valor potencial do prejuízo aos fundos com as duplicatas simuladas é de R$ 104 milhões, segundo documentos do processo.

A Agroaraçá emprega mais de 1,6 mil funcionários e já exportou para mais de 30 países. O advogado da empresa, Guilherme Caprara, do Medeiros, Santos & Caprara Advogados, afirma que as acusações de fraudes precisam ser apuradas, mas em outro processo, que não atrapalhe o curso da recuperação judicial.

Mercadorias canceladas

Na recuperação judicial da madeireira catarinense Geoforest, aprovada em junho do ano passado, são citados casos de notas fiscais cujas mercadorias foram objeto de cancelamento minutos depois. As devoluções teriam causado prejuízo de R$ 50 milhões a fundos e securitizadoras, detentores de 56,4% das dívidas apontadas no processo à Justiça. Somente em um dos casos, o dano teria alcançado 64 instituições financeiras. A empresa é investigada pelo Ministério Público.

Perícia feita pelo administrador judicial encontrou inconsistências entre a lista de credores e o passivo, além de balanços “que não refletem a real situação patrimonial” da empresa. As apurações mostraram mais de 1,5 mil duplicatas cedidas para mais de uma instituição financeira e outras objeto de mercadorias devolvidas.

O advogado da Geoforest, Guilherme Caprara, que também defende a Agroaraçá, diz que as inconsistências apuradas precisam ser analisadas independentemente e não devem influenciar a recuperação judicial. “Os fatos são verdadeiros e incompatíveis com nossa legislação”, afirma. “O que deve ser apurado é a responsabilidade vinculada ao ator que efetivamente foi responsável pela constituição dos passivos, na esfera criminal.”

O juiz do caso afastou o dono da empresa, nomeou um gestor judicial e trocou o administrador judicial, mas não impediu o prosseguimento da RJ. A troca dos gestores é um pleito comum nos casos suspeitos, numa tentativa de evitar que as fraudes causem a falência e dificultem a recuperação dos créditos.

Regulador

Sobre o avanço de fraudes envolvendo Fdics, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) disse que “acompanha e analisa informações e movimentações no âmbito do mercado de valores mobiliários brasileiro, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário”, mas que “não comenta casos específicos”.

A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) afirmou que qualquer informação ou documento “precisam ser mantidos em sigilo absoluto até que seja realizada e concluída alguma ação de supervisão”.

02/02/2023 Fabricante de calçados Dok, dona das marcas Ortopé e Dijean FOTO DIVULGAÇÃO Foto: Divulgação

Recuperações judiciais milionárias têm sido questionadas na Justiça por indícios de fraudes relacionadas ao mercado de capitais, em especial, a Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (Fidcs). Esses fundos são usados como alternativa para financiar negócios e triplicaram nos últimos anos - movimentaram quase R$ 100 bilhões no pico, em 2021, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Documentos obtidos pela Coluna apontam problemas em ao menos seis recuperações judiciais - Grupo DOK, Riopet, Graneleiro, Geoforest, Agroaraçá e Mixtel. O rombo potencial aos fundos de investimento é de, ao menos, R$ 840 milhões.

A principal suspeita que recai sobre as companhias, segundo as peças juntadas aos processos, é semelhante ao do Grupo DOK, dono das marcas Dijean e Ortopé: emissão de notas frias e duplicatas sem lastro. Parte dos títulos fraudados teria passado a compor a carteira de fundos que emitiram cotas a investidores no mercado financeiro. Há também acusações de adulterações de documentos contábeis, de falsa devolução de mercadorias e de desvio de recursos pelos sócios.

Procuradas, as empresas citadas negam irregularidades e dizem que as suspeitas de fraudes devem ser apuradas independentemente, em ações penais. Para elas, as suspeitas não podem influenciar nas decisões tomadas pela Justiça nas recuperações judiciais.

Ao todo, mais de 90 Fidcs teriam sido lesados pelas operações. Segundo as acusações, as empresas teriam usado estratégias controversas para levantar um montante elevado de recursos no mercado de capitais e turbinado o endividamento com vistas, posteriormente, pedir proteção à Justiça. O instrumento da recuperação judicial, com tutela cautelar antecipada, seria a forma usada para não ter de honrar as dívidas - ou conseguir desconto e parcelamento.

Alta das recuperações judiciais traz preocupação

Advogados demonstram preocupação sobre práticas fraudulentas semelhantes no momento em que o número de reestruturações e recuperações judiciais de empresas dispara no País. “É uma versão moderna da duplicata fria”, afirma Leandro Chiarottino, do Chiarotiino & Nicoletti e representante de um dos fundos. “É uma prática que está se tornando comum.”

Representantes legais de fundos e instituições financeiras têm se unido para trocar informações sobre casos suspeitos e tentar combater as fraudes. Segundo eles, novos indícios surgem a cada semana.

“É certo que os pedidos recentes de recuperação judicial apresentam uma prática comum quanto à emissão e negociação de títulos sem lastros (duplicatas frias) em período imediatamente antecedente ao pedido de recuperação”, afirma José Luis Dias da Silva, consultor jurídico da Associação Nacional de Fomento Comercial. “Do ponto de vista ético e até criminal, (a prática) deve merecer a devida reprimenda da sociedade e do Judiciário.”

Entenda os casos

O caso mais emblemático é o do grupo Dok, recuperação judicial com dívidas de R$ 400 milhões, e com suspeita de uso de notas frias para a emissão das dívidas. O advogado da empresa, Daniel Amaral, afirma que as investigações criminais não devem influenciar na recuperação judicial.

Há outros exemplos, como o da paranaense Mixtel, atacadista de equipamentos eletrônicos e de comunicação que revende para marcas como a TIM. Com faturamento de R$ 700 milhões, a Mixtel entrou com pedido de recuperação judicial em novembro. Nele, informou débitos de mais de R$ 600 milhões e a justificativa de desequilíbrio no caixa gerado pela crise econômica da pandemia. A Justiça concedeu a recuperação judicial, mas chegou a reverter a proteção por constatar “indícios contundentes de utilização fraudulenta da ação de recuperação judicial”.

“Das provas contidas nos autos, inclusive do laudo de constatação prévia, é possível vislumbrar que a recuperanda utilizou-se de meios ilícitos, emissão de notas fiscais e duplicatas sem lastro, para o fim de alavancar valores de monta junto a inúmeras instituições financeiras e, logo após, se valeu da presente recuperação judicial com o fito de se blindar da cobrança, em evidente fraude contra credores”, afirmou a juíza da 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de Curitiba, Luciane Pereira Ramos, na decisão.

A Mixtel teria emitido duplicatas a empresas como Havan e Deltasul sem o consentimento dessas lojas e a devida comprovação de entrega das mercadorias. O volume de produtos devolvidos chegou até a superar o faturamento. O caso é apurado em inquérito pela Polícia Civil do Paraná.

A recuperação judicial foi suspensa em fevereiro para realização da perícia. Carlos Eduardo Quadros Domingos, advogado da empresa, não quis comentar as acusações e afirmou que a Mixtel não se posicionará fora dos autos do processo. Ele disse que a empresa vai recorrer da suspensão da RJ “por não concordar com os termos nela contidos”.

Suspensão de edital

Já a gaúcha de alimentos Agroaraçá, fundada em 2001, teve o pedido de recuperação aceito em janeiro. O edital publicado em seguida apontava dívida de R$ 368 milhões - cerca de 30% do total junto aos Fidcs. O valor da dívida foi questionado várias vezes pela Justiça e, 11 dias depois do lançamento do edital, o juiz o cancelou, por falta de documentação obrigatória.

Representantes dos Fidcs acusam a companhia de emitir duplicatas simuladas e não entregar as mercadorias. Na visão deles, a estratégia teria sido usada para criar uma falsa impressão de dificuldades.

“Os títulos foram tomados para justificar o ajuizamento da recuperação judicial”, afirmaram os advogados Felipe Zago e Ricardo de Barros Falcão Ferraz, do FZ Advogados Associados. O valor potencial do prejuízo aos fundos com as duplicatas simuladas é de R$ 104 milhões, segundo documentos do processo.

A Agroaraçá emprega mais de 1,6 mil funcionários e já exportou para mais de 30 países. O advogado da empresa, Guilherme Caprara, do Medeiros, Santos & Caprara Advogados, afirma que as acusações de fraudes precisam ser apuradas, mas em outro processo, que não atrapalhe o curso da recuperação judicial.

Mercadorias canceladas

Na recuperação judicial da madeireira catarinense Geoforest, aprovada em junho do ano passado, são citados casos de notas fiscais cujas mercadorias foram objeto de cancelamento minutos depois. As devoluções teriam causado prejuízo de R$ 50 milhões a fundos e securitizadoras, detentores de 56,4% das dívidas apontadas no processo à Justiça. Somente em um dos casos, o dano teria alcançado 64 instituições financeiras. A empresa é investigada pelo Ministério Público.

Perícia feita pelo administrador judicial encontrou inconsistências entre a lista de credores e o passivo, além de balanços “que não refletem a real situação patrimonial” da empresa. As apurações mostraram mais de 1,5 mil duplicatas cedidas para mais de uma instituição financeira e outras objeto de mercadorias devolvidas.

O advogado da Geoforest, Guilherme Caprara, que também defende a Agroaraçá, diz que as inconsistências apuradas precisam ser analisadas independentemente e não devem influenciar a recuperação judicial. “Os fatos são verdadeiros e incompatíveis com nossa legislação”, afirma. “O que deve ser apurado é a responsabilidade vinculada ao ator que efetivamente foi responsável pela constituição dos passivos, na esfera criminal.”

O juiz do caso afastou o dono da empresa, nomeou um gestor judicial e trocou o administrador judicial, mas não impediu o prosseguimento da RJ. A troca dos gestores é um pleito comum nos casos suspeitos, numa tentativa de evitar que as fraudes causem a falência e dificultem a recuperação dos créditos.

Regulador

Sobre o avanço de fraudes envolvendo Fdics, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) disse que “acompanha e analisa informações e movimentações no âmbito do mercado de valores mobiliários brasileiro, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário”, mas que “não comenta casos específicos”.

A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) afirmou que qualquer informação ou documento “precisam ser mantidos em sigilo absoluto até que seja realizada e concluída alguma ação de supervisão”.

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