Após 1964, em consonância com a índole autoritária do regime vigente, era comum a adoção de pacotes legislativos, que seduziam os crentes em poções mágicas e traziam insegurança para a sociedade. No fim de ano ou, como se dizia, em 32 de dezembro, eram editados pacotes tributários.
A partir de 1995, no governo FHC, não mais foram editados os tais pacotes tributários, ressalvadas eventuais medidas isoladas adotadas por seus sucessores.
Em 2023, a maldição dos pacotes ressurgiu. Eis que no último dia útil do ano foi editada MP que pretende estabelecer limites à compensação de tributos federais, reonerar a folha de salários, contrariando decisão do Congresso, e rever incentivos fiscais para eventos, bares e restaurantes.
Neste limitado espaço, cuido apenas dos limites à compensação e relembro fato que vivi, quando secretário da Receita Federal.
Um contribuinte pretendia autorização para proceder à compensação de créditos de IPI com débitos de PIS/Cofins. Disse-lhe que sua pretensão era inviável, pois ofendia a princípios constitucionais de vinculação e partilha de tributos.
Minha argumentação não o convenceu, porquanto não conseguia ele admitir-se devedor, sendo titular de créditos e débitos tributários federais de igual valor.
Logo percebi que minha tese era formalmente correta, porém injusta. Partilha e vinculação são institutos que aproveitam apenas ao federalismo fiscal, não devendo penalizar o contribuinte.
Resolvida a questão individual, foi desenvolvido um sistema que preservava a partilha e a vinculação e, ao mesmo tempo, permitia a compensação dos tributos, conforme a Lei n.º 9.430, de 1996, com a restrição estabelecida na Lei Complementar n.º 104, de 2001.
Fixar limites para compensação de créditos que foram definitivamente constituídos por decisão judicial é uma forma de o Fisco apropriar-se indevidamente de renda do contribuinte, o que pode ser visto, também, como um inconstitucional empréstimo compulsório.
O curioso é que uma das virtudes alegadas na recém-promulgada reforma tributária é a possibilidade de pronta devolução de créditos acumulados. Alguns veem essa intenção com ceticismo, pois sabem que ela está associada às enormes fraudes no IVA da civilizada Europa – em 2020, estimadas em 164 bilhões de euros.
Esse ceticismo ganhou reforço quando, em menos de 15 dias após a promulgação da reforma, é editada uma MP que prevê restrições à compensação de créditos que transitaram em julgado! Imaginem o que poderá acontecer com créditos que não são incontroversos.