Às vésperas de completar um ano de governo, em 10 de dezembro, o presidente da Argentina, Javier Milei, vem colecionando “troféus” na economia, ao contrário do que apontavam as previsões catastrofistas feitas por seus adversários à esquerda e até de centro e centro-direita.
Da queda significativa da inflação ao equilíbrio fiscal, da redução da dívida pública ao aumento das reservas internacionais, os resultados alcançados em pouco tempo por Milei surpreenderam até os analistas mais otimistas, com reflexos positivos nos juros, no dólar, na Bolsa e na taxa de risco do país.
O presidente argentino obteve até agora resultados tão expressivos ao cortar desperdícios e privilégios do setor público e enfrentar a “casta” burocrática do país, como ele diz, que sua experiência deverá servir de modelo para o novo Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês) a ser criado pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, e tocado pelos empresários Elon Musk e Vivek Ramaswamy.
“Isso não é mais só sobre a Argentina. Está se tornando um manual global”, afirmou Milei numa entrevista ao canal de TV LN+, do grupo de comunicação La Nación, em novembro. “E esse modelo está sendo copiado agora por um tal de Elon Musk”, brincou o presidente argentino.
Ainda há, é certo, muito coisa pela frente. Ainda é preciso, por exemplo, consolidar a recuperação da economia, esboçada no terceiro trimestre, para que o desemprego e a pobreza, que também já mostraram sinais de melhoria, continuem a cair. Falta também abrir a economia e turbinar as privatizações, para reduzir a interferência do Estado nos negócios. Mas o que Milei alcançou até agora já foi um passo importante para a Argentina sair do atoleiro em que se encontrava e retomar o caminho da prosperidade.
Confira a seguir oito gráficos produzidos pelo Estadão que mostram algumas das mudanças promovidas por Milei na economia e o efeito que elas tiveram nos principais ativos financeiros.
1. O tombo da inflação
Entre os grandes desafios de Milei ao desembarcar na Casa Rosada, sede da presidência argentina, talvez nenhum fosse tão importante quanto a derrubada a inflação, um problema que aflige o país há décadas. E, neste quesito, não dá para negar, ele conseguiu obter um resultado significativo.
Leia também a 1º parte desta reportagem
Em dezembro, seu primeiro mês no governo, a inflação ainda deu um salto. Passou de 12,8% no fim do mandato do peronista Alberto Fernández, para 25,5%, devido à maxidesvalorização do peso e à liberação de preços que ele promoveu. Isso turbinou a taxa de 2023 para 211% e contaminou todas as taxas anualizadas ao longo de 2024.
De lá para cá, porém, a inflação vem caindo mês a mês e chegou a 2,7% em outubro, segundo dados oficiais, o menor nível desde 2021. E, se essa taxa se repetir em novembro e dezembro, como esperam muitos analistas e também o governo, o índice deverá fechar o ano em 120%, sem que Milei tenha recorrido a truques como congelamento e controle de preços, ressuscitados por Fernández.
Para 2025, a previsão é de que a inflação continue a cair de forma consistente. As estimativas variam bastante, mas todas as projeções apontam que a taxa ainda deverá ficar nos dois dígitos, bem acima do patamar do Brasil e de outros países emergentes e desenvolvidos.
Nas contas do governo, a inflação deverá cair para 18,4% no ano que vem. O FMI (Fundo Monetário Internacional), por sua vez, prevê uma taxa de 45%, assim como o banco Itaú. Já o banco BBVA estima uma inflação de 40%. Agora, mesmo que a taxa fique um pouco acima da projetada pelo governo, já será um feito e tanto, se ela realmente continuar a cair, sem artifícios heterodoxos.
2. Superávit nas contas públicas
A queda significativa da inflação na Argentina não teria sido possível sem o esforço fiscal promovido por Milei em seu primeiro ano de governo. Afinal, era principalmente a gastança sem lastro realizada por seus antecessores que impulsionava a emissão de moeda, levando a inflação à estratosfera.
Ao contrário do que acontece hoje no Brasil com o governo Lula, que tem procurado reduzir o rombo nas contas públicas principalmente por meio do aumento de impostos, Milei concentrou o ajuste fiscal no corte de gastos. De acordo com números oficiais, a redução nas despesas chegou a 30% do total, o equivalente a cerca de 5% do PIB (Produto Interno Bruto), maior ajuste fiscal de que se tem notícia num único ano na história recente.
Além disso, para buscar seu objetivo de “emissão monetária zero”, considerado fundamental para conter a espiral inflacionária, Milei acabou com o financiamento do Tesouro pelo Banco Central, pagou uma parte dos compromissos do passado e reduziu de forma significativa os passivos do Banco Central, que chegaram a 10% do PIB, segundo ele, no governo de Fernández, como resultado da emissão direta de títulos remunerados pela instituição. Os papéis, em tese, deveriam servir para enxugar o excesso de liquidez da economia, mas acabavam turbinando a emissão de moeda, com o pagamento de juros aos investidores, e consequentemente a inflação.
Com isso, a Argentina deverá fechar as contas públicas de 2024 no azul, pela primeira vez desde 2008. A previsão do governo é de um superávit primário, que exclui os juros da dívida pública, de 1,5% do PIB no ano. E mesmo o resultado nominal, que inclui os juros, deverá ser positivo.
Para 2025, conforme os números embutidos no Orçamento entregue pelo governo ao Congresso, a previsão é de um resultado nominal igual a zero, já que a maior parte dos cortes já foi feita neste ano e Milei, com suas ideias libertárias, dificilmente deverá promover um aumento de tributos para alcançar o equilíbrio fiscal, como o governo Lula tem feito no Brasil. A tendência, se ele seguir o receituário que sempre pregou, como tudo indica que deverá ocorrer, é de haver, com o tempo, uma redução na carga de impostos que recai sobre os cidadãos e as empresas.
3. Reservas internacionais
Desde a posse de Milei, as reservas internacionais da Argentina, que estavam em US$ 21,5 bilhões no fim do governo peronista, tiveram um aumento de 47%, chegando a US$ 31,6 bilhões em novembro, conforme os dados do Banco Central, graças ao aumento das exportações, à queda nas importações causada pela recessão e à anistia fiscal concedida aos argentinos que depositassem nos bancos os dólares que deixavam embaixo do colchão, para se proteger da inflação.
Isso já permitiu ao Banco Central uma margem de manobra maior para gerenciar a taxa de câmbio. Permitiu também que o governo isentasse de imposto as importações de bens de uso pessoal de até US$ 400, facilitando as compras das blusinhas e bugigangas chinesas na Shein, Shopee e AliExpress, e aumentasse de US$ 1 mil para US$ 3 mil o limite de importações eventuais por pacote, na direção oposta à que o governo Lula fez no Brasil, ao taxar as comprinhas feitas pela internet no exterior em 20%.
Mas, embora o crescimento das reservas tenha sido considerável, ele ainda não foi suficiente para que seja possível abrir a economia e acabar com as restrições cambiais, como Milei prometeu na campanha – uma “perna” importante do plano de ajuste e de estabilização da inflação. Além disso, o nível atual das reservas ainda não dá muita folga para a Argentina honrar seus compromissos com vencimento em 2025, estimados em US$ 16,5 bilhões no total, incluindo as pendências com o FMI. Ainda mais levando em conta que, do total das reservas, US$ 18,3 bilhões são resultado de uma operação de swap (troca) com a China e não podem ser usados livremente e que outros US$ 5,4 bilhões estão imobilizados em ouro e precisariam ser vendidos primeiro, segundo informações da Fitch, umas das principais agências internacionais de avaliação de risco.
O ministro da Economia, Luis Caputo, vem negociando um novo acordo com a instituição que ofereça condições mais favoráveis que o atual, permitindo menor desembolsos de dólares, e a liberação de dinheiro novo para reforçar as reservas cambiais e o balanço do Banco Central. O país também vem negociando uma troca de papéis que vencem no ano que vem com os detentores de títulos soberanos, para conter a sangria de moeda forte. Até agora, no entanto, nenhuma dessas soluções se concretizou.
Ao contrário do Brasil, cuja dívida pública é quase totalmente em reais, mais da metade da dívida argentina é em moeda forte, o que acaba exigindo reservas mais robustas para o país não ter de “apagar incêndio” toda hora, como tem acontecido nas últimas décadas. De qualquer forma, o aumento das reservas registrado até agora não deixa de ser uma boa notícia, ainda que não resolva totalmente o problema cambial do país.
4. O tombo dos juros
Em novembro de 2023, no fim do governo Fernández, em meio à explosão da inflação, a Taxa de Política Monetária (TPM), definida pelo Banco Central argentino, equivalente à taxa básica no Brasil, estava em 133% ao ano. Desde a posse de Milei, porém, com o equilíbrio fiscal, a redução da inflação e a recessão, a TPM vem caindo em ritmo acelerado.
Hoje, depois dos sete cortes consecutivos nos juros promovidos no atual governo, a TPM está em 35% ao ano, o que significa que a taxa está negativa em relação à inflação passada, de 193% nos 12 meses encerrados em outubro. E que ela pode estar negativa também em relação à inflação futura, dependendo da estimativa feita para 2025, que varia de 18% a 45%, conforme a fonte.
De acordo com alguns analistas, isso pode ser uma estratégia para reduzir os desembolsos do Banco Central com o pagamento de juros sobre os títulos remunerados emitidos pela instituição, que acabam turbinando a inflação, por envolver emissão de moeda, e comprometendo os objetivos monetários do governo. Só o comportamento efetivo da inflação nos próximos meses é que vai mostrar se a TPM está positiva ou negativa.
Daqui para a frente, a grande questão será definir a calibragem ideal da taxa para manter a inflação em queda e ao mesmo tempo não brecar a retomada mais do que desejada da economia, depois da recessão registrada em 2024. Outro ponto que pode influir na definição da TPM no ano que vem é a necessidade de a Argentina atrair dólares para reforçar as reservas cambiais do país.
5. A estabilização do dólar
Milei ainda não liberou o câmbio, como prometeu na campanha eleitoral, até porque a Argentina ainda tem um problema sério de reservas em moeda forte, apesar do aumento registrado na área desde a sua posse. No entanto, para o cidadão comum, a situação já melhorou de forma sensível.
O ágio entre a cotação do dólar oficial e a do chamado dólar blue, negociado no mercado paralelo, que era de 172% no fim do governo peronista, estava em apenas 8,9% no dia 29 de novembro, indicando uma estabilidade cambial que os argentinos não viam há muito tempo.
Logo na largada, Milei deu um choque no câmbio, que estava sobrevalorizado no governo Fernández, promovendo uma maxidesvalorização de 120% no peso em relação ao dólar, o que elevou a cotação oficial da moeda argentina de 363,9 pesos para 800 pesos da noite para o dia.
Desde então, com a política de “minidesvalorizações” de 2% ao mês que vem sendo praticada pelo Banco Central, o peso têm variado em nível bem inferior à inflação. Com isso, a queda do peso em relação à moeda americana no câmbio oficial de 13 de dezembro de 2023, quando houve a grande desvalorização, até 29 de novembro ficou em 26,3%. Já o dólar blue, que estava cotado a 1.100 pesos no fim do mês passado, acumulou uma desvalorização de 17% no mesmo período.
No meio do caminho, uma onda especulativa pareceu colocar em xeque o programa de ajuste de Milei. Em julho, a cotação do dólar deu um salto, com a moeda americana no paralelo chegando a valer 1.490 pesos. Mas, a partir daí, a moeda argentina vem se valorizando de forma constante no mercado livre, aproximando-se do câmbio oficial.
6. Risco reduzido
O chamado risco-país da Argentina, calculado pelo banco JP Morgan, que reflete o “ágio” cobrado sobre a taxa dos títulos do Tesouro americano nas emissões soberanas de papéis no mercado global, caiu 60,9% desde a posse de Milei até 29 de novembro. Passou de 1.923 pontos-base no fim do governo Fernández para 751 pontos-base, refletindo a melhora da percepção dos investidores externos em relação à economia do país.
No início de agosto, em meio à mesma onda especulativa que levou o dólar blue a disparar, o risco-país da Argentina também atingiu seu pico no atual governo, ao bater em 1.653 pontos. A partir daí, o índice caiu de forma praticamente contínua até o seu nível atual, o mais baixo em cinco anos, o que deve viabilizar o retorno da Argentina ao mercado internacional de capitais em 2025.
Com a melhora no quadro macroeconômico, as principais agências internacionais de avaliação de risco, como a Standard & Poor’s e a Fitch deram um pequeno upgrade na nota de crédito da Argentina, que estava no fundo do poço, o que deve contribuir para reduzir as taxas do país nas captações de recursos no exterior.
7. A disparada da Bolsa
Diante das medidas implementadas por Milei para sanear o setor público, da queda significativa da inflação e das perspectivas de uma retomada robusta da economia em 2025, com impacto positivo nos balanços das empresas, a Bolsa argentina teve um desempenho espetacular.
Segundo um levantamento realizado pela Elos Ayta Consultoria, o índice Merval, que reflete a valorização média dos principais papéis negociados nos pregões, acumulava uma alta de 91,5% em dólar em 2024, até 27 de novembro, a maior do mundo no ano entre as principais Bolsas do planeta.
No mesmo período, para efeito de comparação, o Ibovespa, que indica o desempenho médio das ações mais negociadas na B3, a Bolsa de São Paulo, registrava uma queda de 21% em dólar, uma performance melhor apenas que a da Bolsa mexicana, entre os maiores pregões do planeta, refletindo as incertezas que cercam a economia do País no governo Lula.