O equilíbrio nas contas públicas do País será determinante para a continuidade do ritmo de cortes na taxa de juros pelo Banco Central, segundo especialistas. Nesta quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu a taxa Selic em 0,5 ponto porcentual, para 12,75% ao ano, no segundo corte de juros deste ciclo de afrouxamento monetário. No mercado financeiro, é consenso que cortes de 0,50 ponto porcentual e até 0,75 ponto porcentual devem levar a Selic para o patamar de um dígito no ano que vem.
O ritmo dos cortes, no entanto, tende a ser influenciado depois disso pela questão fiscal. Isso porque, na avaliação de especialistas, o governo tem um encontro marcado com o tema dos gastos públicos e ainda tem um longo caminho pela frente para conseguir sustentar e cumprir o arcabouço fiscal aprovado neste ano.
“A questão fiscal não está totalmente equacionada, ainda que o arcabouço tenha minimizado riscos de uma piora mais aguda. O BC deve continuar trabalhando com a meta fiscal de déficit zero ano que vem. Ao longo de 2024, com dificuldades de alcance dessa meta mais explícitas, é possível que seja um fator limitante à queda de juros”, afirma o sócio e economista sênior da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto.
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Para cumprir a previsão de zerar o déficit primário em 2024, a equipe econômica precisará trabalhar pela aprovação de um pacote arrecadatório bilionário ao mesmo tempo em que lida com pressões políticas pelo lado do gasto. O ministério da Fazenda promete compensar uma retomada de gastos com mais arrecadação, uma receita ainda considerada incerta por parte do mercado e por analistas.
A projeção da Tendências é de cortes de 0,5 ponto porcentual até 11,75% de taxa básica de juros ao ano, no fim de 2023. Para o fim do ano que vem, o economista prevê a Selic em 9,25%. A partir daí, deve haver uma redução no ritmo de cortes, até 8,5% no final de 2025.
“O BC não colocará isso como risco, pelo menos no primeiro momento, porque tem de trabalhar agora com os parâmetros do arcabouço fiscal aprovado. Mas é uma situação que ficou como ponto de interrogação. Há uma aposta no governo em um modelo de crescimento baseado no impulso de gastos, tentando financiar via aumento de receitas”, afirma o economista da Tendências.
“(O governo) Acha que o crescimento econômico do País depende dele. Não está disposto a transigir nos gastos. No que isso vai dar? Não vai cumprir a meta de superávit primário e a relação dívida/PIB vai subir. (...) Com a política fiscal expansionista, você cria um problema para o Banco Central. Ele vai ter de reduzir a taxa de juros menos do que ele iria reduzir.”, afirmou o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, em entrevista ao Estadão.
Já o economista-chefe e sócio da Warren Rena, Felipe Salto, pondera que a questão fiscal é um risco já mapeado pelo Banco Central. O cenário externo, segundo ele, é tão importante quanto a situação doméstica. “O risco fiscal está presente e o Bacen vai mapear sempre. Mas não vejo volta do risco de um quadro de deterioração nem nada parecido. O fato é que as atenções estão voltadas para a execução do arcabouço e da meta fiscal. Isso sem dúvida está presente na cabeça do Bacen e do mercado”, afirma Salto.
Segundo ele, a Warren Rena segue com a previsão de duas quedas de 0,50 ponto porcentual e uma de 0,75 ponto porcentual na Selic neste ano. No ano que vem, o economista projeta três cortes de 0,75 ponto porcentual e um de 0,25 ponto porcentual. “Ainda não há elementos para apostar numa mudança nesse ritmo previsto”, diz o economista.
Para aumentar a arrecadação, o ministério da Fazenda precisa contar com apoio do Congresso Nacional. Também estará nas mãos dos parlamentares a votação de “pautas-bomba” que podem onerar mais os cofres públicos. Os sinais enviados pelo governo sobre uma possível revisão de gastos são erráticos e há, ainda, a volta dos pisos constitucionais da saúde e educação, que devem consumir R$ 58,8 bilhões do espaço para ampliação das despesas no Orçamento de 2024.
O Estadão mapeou os sete desafios de Haddad para zerar o rombo nas contas públicas em 2024, conforme prometido. Leia aqui.
José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV), vê com ceticismo previsões de uma Selic em um dígito no fim do ciclo de flexibilização monetária. “Enquanto houver incertezas sobre as contas públicas, a coisa pode se agravar (...). Vai parar talvez em 10%”, disse Senna, em seminário na semana passada organizado pelo Estadão em parceria com o Ibre/FGV e moderado pela jornalista Adriana Fernandes, repórter especial e colunista do Estadão.