Como a Argentina chegou a uma inflação superior a 100%?


Patamar foi alcançado em fevereiro; desde outubro de 1991, a alta de preços no país não chegava aos três dígitos

Por Luciana Dyniewicz
Atualização:

A Argentina registrou, em fevereiro, uma inflação de 102,5% no acumulado de 12 meses. Apesar de ser a primeira vez desde outubro de 1991 que a alta dos preços no país ultrapassa 100%, há mais de uma década a Argentina enfrenta uma inflação elevada, de pelo menos 20%.

Os indicadores exatos do início dos anos 2010 são tidos como poucos confiáveis, pois o governo de Cristina Kirchner pressionava o órgão de estatística do país para manipular os dados. À época, o Congresso argentino criou um indicador paralelo que apontou que a inflação em 2012 estava em 24%. A inflação vinha ganhando força porque o governo, sem acesso ao mercado financeiro, usava o Banco Central para emitir moeda, se financiar e manter os gastos públicos – uma receita que, em geral, costuma elevar os preço em qualquer economia.

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No governo de Mauricio Macri, entre 2016 e 2019, o país voltou ao mercado internacional de crédito ao negociar o pagamento de uma dívida que tinha com os chamados fundos abutres (credores que compraram papéis “podres” da dívida externa argentina e não aceitaram as reestruturações em 2005 e 2010). Apesar do acesso ao mercado, o país continuou usando o BC para emitir moeda, dado que os gastos públicos seguiram elevados e havia a necessidade de financiamento.

A mesma ferramenta de financiamento continuou sendo adotada após a chegada de Alberto Fernández à Casa Rosada. A inflação se acelerou ainda mais após o ex-ministro da Economia Martín Guzmán deixar o cargo, em julho de 2022, em meio a uma crise política. A vice-presidente, Cristina Kirchner, se opunha ao acordo fechado por Guzmán com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que previa redução de gastos.

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Depois de a economista Silvina Batakis passar pelo cargo de ministra rapidamente - por 24 dias -, o político Sergio Massa assumiu a pasta. Massa vinha reduzindo os gastos públicos e havia fechado uma nova negociação com o FMI para a liberação de parcelas do financiamento.

Em meados de março, o FMI publicou relatório em que afirmou que “a gestão macroeconômica prudente na segunda metade de 2022 respaldou a estabilidade e ajudou com certa margem a assegurar os objetivos do programa (de reformas econômicas estabelecidas com o órgão) até o fim de 2022″.

Diante da inflação elevada, placa de loja em Buenos Aires lembra consumidor que comprar hoje sai 'mais barato do que amanhã'  Foto: Agustin Marcarian/Reuters
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A seca que vem abatendo a Argentina, no entanto, mudou o cenário. A produção agrícola do país despencou e, consequentemente, a arrecadação do governo.

As exportações de grãos são taxadas na Argentina e, assim, garantem recursos que financiam parte dos gastos públicos. Neste ano, porém, o governo não está contando com esses recursos. Sem dinheiro, ele depende ainda mais da emissão de moeda pelo Banco Central para se financiar. Uma emissão de moeda maior, por sua vez, pressiona a inflação cada vez mais.

A Argentina vive uma hiperinflação?

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Após estudar casos de hiperinflação na Europa, o economista americano Philip Cagan definiu que a hiperinflação ocorre quando a alta de preços ultrapassa 50% por mês. Segundo afirmou no clássico The Monetary Dynamics of Hyperinflation (”a dinâmica monetária da hiperinflação”, em tradução livre), a hiperinflação “começa no mês em que o aumento de preços ultrapassa 50% e termina no mês antes que o aumento caia abaixo desse valor e assim permaneça durante pelo menos um ano”.

Considerando essa definição, não é possível afirmar que a Argentina vive um processo hiperinflacionário hoje, assim como não se pode dizer dos países latino-americanos, incluindo o Brasil, nos anos 80. No período mais crítico da inflação brasileira (entre 1985 e 1990), o aumento médio mensal dos preços era de 20,7%.

No caso da Argentina atual, a inflação de fevereiro foi de 6,6%. Pode não ser o suficiente para os economistas classificarem como hiperinflação, mas é mais alto do que o registrado pelo Brasil nos últimos 12 meses (5,6%).

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De acordo com o livro de Cagan, que foi publicado pela primeira vez em 1956, processos hiperinflacionários ocorreram na Áustria, na Alemanha, na Hungria, na Polônia e na Rússia no pós-Primeira Guerra Mundial. Ele também estudou os casos da Hungria, da China, da Grécia e de Taiwan no pós-Segunda Guerra. Entre agosto de 1945 e julho de 1946, a Hungria bateu o recorde de aumento de preços que se tinha até então, com uma alta mensal de 19.800%.

Mais recentemente, países como Venezuela e Zimbábue registraram hiperinflação.

A Argentina registrou, em fevereiro, uma inflação de 102,5% no acumulado de 12 meses. Apesar de ser a primeira vez desde outubro de 1991 que a alta dos preços no país ultrapassa 100%, há mais de uma década a Argentina enfrenta uma inflação elevada, de pelo menos 20%.

Os indicadores exatos do início dos anos 2010 são tidos como poucos confiáveis, pois o governo de Cristina Kirchner pressionava o órgão de estatística do país para manipular os dados. À época, o Congresso argentino criou um indicador paralelo que apontou que a inflação em 2012 estava em 24%. A inflação vinha ganhando força porque o governo, sem acesso ao mercado financeiro, usava o Banco Central para emitir moeda, se financiar e manter os gastos públicos – uma receita que, em geral, costuma elevar os preço em qualquer economia.

No governo de Mauricio Macri, entre 2016 e 2019, o país voltou ao mercado internacional de crédito ao negociar o pagamento de uma dívida que tinha com os chamados fundos abutres (credores que compraram papéis “podres” da dívida externa argentina e não aceitaram as reestruturações em 2005 e 2010). Apesar do acesso ao mercado, o país continuou usando o BC para emitir moeda, dado que os gastos públicos seguiram elevados e havia a necessidade de financiamento.

A mesma ferramenta de financiamento continuou sendo adotada após a chegada de Alberto Fernández à Casa Rosada. A inflação se acelerou ainda mais após o ex-ministro da Economia Martín Guzmán deixar o cargo, em julho de 2022, em meio a uma crise política. A vice-presidente, Cristina Kirchner, se opunha ao acordo fechado por Guzmán com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que previa redução de gastos.

Depois de a economista Silvina Batakis passar pelo cargo de ministra rapidamente - por 24 dias -, o político Sergio Massa assumiu a pasta. Massa vinha reduzindo os gastos públicos e havia fechado uma nova negociação com o FMI para a liberação de parcelas do financiamento.

Em meados de março, o FMI publicou relatório em que afirmou que “a gestão macroeconômica prudente na segunda metade de 2022 respaldou a estabilidade e ajudou com certa margem a assegurar os objetivos do programa (de reformas econômicas estabelecidas com o órgão) até o fim de 2022″.

Diante da inflação elevada, placa de loja em Buenos Aires lembra consumidor que comprar hoje sai 'mais barato do que amanhã'  Foto: Agustin Marcarian/Reuters

A seca que vem abatendo a Argentina, no entanto, mudou o cenário. A produção agrícola do país despencou e, consequentemente, a arrecadação do governo.

As exportações de grãos são taxadas na Argentina e, assim, garantem recursos que financiam parte dos gastos públicos. Neste ano, porém, o governo não está contando com esses recursos. Sem dinheiro, ele depende ainda mais da emissão de moeda pelo Banco Central para se financiar. Uma emissão de moeda maior, por sua vez, pressiona a inflação cada vez mais.

A Argentina vive uma hiperinflação?

Após estudar casos de hiperinflação na Europa, o economista americano Philip Cagan definiu que a hiperinflação ocorre quando a alta de preços ultrapassa 50% por mês. Segundo afirmou no clássico The Monetary Dynamics of Hyperinflation (”a dinâmica monetária da hiperinflação”, em tradução livre), a hiperinflação “começa no mês em que o aumento de preços ultrapassa 50% e termina no mês antes que o aumento caia abaixo desse valor e assim permaneça durante pelo menos um ano”.

Considerando essa definição, não é possível afirmar que a Argentina vive um processo hiperinflacionário hoje, assim como não se pode dizer dos países latino-americanos, incluindo o Brasil, nos anos 80. No período mais crítico da inflação brasileira (entre 1985 e 1990), o aumento médio mensal dos preços era de 20,7%.

No caso da Argentina atual, a inflação de fevereiro foi de 6,6%. Pode não ser o suficiente para os economistas classificarem como hiperinflação, mas é mais alto do que o registrado pelo Brasil nos últimos 12 meses (5,6%).

De acordo com o livro de Cagan, que foi publicado pela primeira vez em 1956, processos hiperinflacionários ocorreram na Áustria, na Alemanha, na Hungria, na Polônia e na Rússia no pós-Primeira Guerra Mundial. Ele também estudou os casos da Hungria, da China, da Grécia e de Taiwan no pós-Segunda Guerra. Entre agosto de 1945 e julho de 1946, a Hungria bateu o recorde de aumento de preços que se tinha até então, com uma alta mensal de 19.800%.

Mais recentemente, países como Venezuela e Zimbábue registraram hiperinflação.

A Argentina registrou, em fevereiro, uma inflação de 102,5% no acumulado de 12 meses. Apesar de ser a primeira vez desde outubro de 1991 que a alta dos preços no país ultrapassa 100%, há mais de uma década a Argentina enfrenta uma inflação elevada, de pelo menos 20%.

Os indicadores exatos do início dos anos 2010 são tidos como poucos confiáveis, pois o governo de Cristina Kirchner pressionava o órgão de estatística do país para manipular os dados. À época, o Congresso argentino criou um indicador paralelo que apontou que a inflação em 2012 estava em 24%. A inflação vinha ganhando força porque o governo, sem acesso ao mercado financeiro, usava o Banco Central para emitir moeda, se financiar e manter os gastos públicos – uma receita que, em geral, costuma elevar os preço em qualquer economia.

No governo de Mauricio Macri, entre 2016 e 2019, o país voltou ao mercado internacional de crédito ao negociar o pagamento de uma dívida que tinha com os chamados fundos abutres (credores que compraram papéis “podres” da dívida externa argentina e não aceitaram as reestruturações em 2005 e 2010). Apesar do acesso ao mercado, o país continuou usando o BC para emitir moeda, dado que os gastos públicos seguiram elevados e havia a necessidade de financiamento.

A mesma ferramenta de financiamento continuou sendo adotada após a chegada de Alberto Fernández à Casa Rosada. A inflação se acelerou ainda mais após o ex-ministro da Economia Martín Guzmán deixar o cargo, em julho de 2022, em meio a uma crise política. A vice-presidente, Cristina Kirchner, se opunha ao acordo fechado por Guzmán com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que previa redução de gastos.

Depois de a economista Silvina Batakis passar pelo cargo de ministra rapidamente - por 24 dias -, o político Sergio Massa assumiu a pasta. Massa vinha reduzindo os gastos públicos e havia fechado uma nova negociação com o FMI para a liberação de parcelas do financiamento.

Em meados de março, o FMI publicou relatório em que afirmou que “a gestão macroeconômica prudente na segunda metade de 2022 respaldou a estabilidade e ajudou com certa margem a assegurar os objetivos do programa (de reformas econômicas estabelecidas com o órgão) até o fim de 2022″.

Diante da inflação elevada, placa de loja em Buenos Aires lembra consumidor que comprar hoje sai 'mais barato do que amanhã'  Foto: Agustin Marcarian/Reuters

A seca que vem abatendo a Argentina, no entanto, mudou o cenário. A produção agrícola do país despencou e, consequentemente, a arrecadação do governo.

As exportações de grãos são taxadas na Argentina e, assim, garantem recursos que financiam parte dos gastos públicos. Neste ano, porém, o governo não está contando com esses recursos. Sem dinheiro, ele depende ainda mais da emissão de moeda pelo Banco Central para se financiar. Uma emissão de moeda maior, por sua vez, pressiona a inflação cada vez mais.

A Argentina vive uma hiperinflação?

Após estudar casos de hiperinflação na Europa, o economista americano Philip Cagan definiu que a hiperinflação ocorre quando a alta de preços ultrapassa 50% por mês. Segundo afirmou no clássico The Monetary Dynamics of Hyperinflation (”a dinâmica monetária da hiperinflação”, em tradução livre), a hiperinflação “começa no mês em que o aumento de preços ultrapassa 50% e termina no mês antes que o aumento caia abaixo desse valor e assim permaneça durante pelo menos um ano”.

Considerando essa definição, não é possível afirmar que a Argentina vive um processo hiperinflacionário hoje, assim como não se pode dizer dos países latino-americanos, incluindo o Brasil, nos anos 80. No período mais crítico da inflação brasileira (entre 1985 e 1990), o aumento médio mensal dos preços era de 20,7%.

No caso da Argentina atual, a inflação de fevereiro foi de 6,6%. Pode não ser o suficiente para os economistas classificarem como hiperinflação, mas é mais alto do que o registrado pelo Brasil nos últimos 12 meses (5,6%).

De acordo com o livro de Cagan, que foi publicado pela primeira vez em 1956, processos hiperinflacionários ocorreram na Áustria, na Alemanha, na Hungria, na Polônia e na Rússia no pós-Primeira Guerra Mundial. Ele também estudou os casos da Hungria, da China, da Grécia e de Taiwan no pós-Segunda Guerra. Entre agosto de 1945 e julho de 1946, a Hungria bateu o recorde de aumento de preços que se tinha até então, com uma alta mensal de 19.800%.

Mais recentemente, países como Venezuela e Zimbábue registraram hiperinflação.

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