Fernanda Bittencourt, de 33 anos, era advogada num escritório de advocacia no Rio de Janeiro, quando começou a pandemia. Na hora do almoço, sempre aproveitava o tempo livre para percorrer grandes magazines em busca de pechinchas para compor os looks da moda. Depois postava as dicas de compras para os seguidores do seu Instagram, “Achadinhos na hora do almoço”.
Quando veio a pandemia e o trabalho remoto, ela teve mais tempo para se dedicar a esse hobby. Na época, uma seguidora lhe deu a dica que havia um programa da Renner e que ela poderia ganhar dinheiro com isso. “A primeira vez que coloquei um link parametrizado na plataforma tomei um susto”, conta Fernanda. Ela não tinha ideia da sua influência sobre os seguidores na venda dos itens.
Daí em diante sua vida mudou, largou o escritório de advocacia e passou a se dedicar ao garimpo remunerado de itens de moda, cosméticos e artigos para casa. “Vendo mais de R$ 1 milhão para marcas parceiras em um mês por meio de programas de afiliados e as comissões (recebidas das varejistas) variam de 0,6% a 13%”, diz advogada, que atua para dez varejistas e tem 349 mil seguidores nas redes sociais Instagram, Tik Tok, WhatsApp.
O sucesso de Fernanda com as redes sociais faz parte de um movimento que não para de crescer no Brasil, com o avanço da internet e a popularização dos smartphones. Do outro lado, a disparada do custo de aquisição de novos clientes para o e-commerce tem levado redes de varejo a apostar nas vendas por meio de influenciadores digitais, grandes ou pequenos.
Batizado de marketing de afiliados, essa estratégia começou no final dos anos 1990. Ela remete ao antigo modelo do vendedor ambulante ou representante comercial, que ganhava uma comissão sobre cada negócio fechado.
Com multiplicação das redes sociais, a tradicional “venda porta a porta” se transformou na “venda clique a clique”. E o isolamento social imposto pela pandemia turbinou esse canal de vendas, que só tem aumentado desde então. Em muitos casos, ele se transformou na principal fonte de renda de vários brasileiros.
De acordo com a plataforma Glassdoor, a renda média de um profissional que atua somente com marketing de afiliados no Brasil é de R$ 8.731, mas pode variar entre R$ 195 e R$ 17.267 ao mês.
Outra caçadora de promoções online é Mariana Carvalho, de 32 anos. Ela, que cursou até o ensino médio, trabalhava como instrutora de informática. Em 2014, tinha casado e estava mobiliando a casa. Conheceu um grupo do Facebook, onde as pessoas compartilhavam promoções de móveis e eletrodomésticos.
Mariana passou a contribuir com as dicas de pechinchas que encontrava no comércio online. Os organizadores do grupo a alertaram que seria possível ganhar dinheiro com essas dicas se o link tivesse um código ligado à loja. “Eles me apresentaram o marketing de afiliados.”
Desde 2018, Mariana se dedica a procurar promoções infantis na internet: de fraldas a leite e brinquedos, exceto medicamentos. A sua marca “Baby Promo Kids” está presente nas redes sociais Tik Tok, Instagram, WhatsApp, Telegram e Facebook, com mais de três milhões de seguidores.
“Todos os dias começo a trabalhar entre 6h e 6h30, atrás das melhores promoções do dia”, conta. Sem sábado, domingo ou feriado, Mariana garimpa promoções em 30 a 40 lojas, em média, e recebe uma comissão a cada negócio. Ela vende o equivalente a R$ 5 milhões de mercadorias por mês e ganha 250 vezes o que recebia como instrutora de informática - ela preferiu não falar quanto ganha.
Alto custo de conquistar clientes
A investida das redes varejistas nos influenciadores cresceu nos últimos cinco anos por causa do aumentos do custo de marketing para conquistar novos cliente por meio de mídias digitais. “Nos últimos anos, o Custo de Aquisição de Clientes (CAC) só aumentou e tem inviabilizado muitas operações de e-commerce e marketplace”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra. Ele calcula que o CAC chega a representar, em alguns casos, de 15% a 20% do faturamento do e-commerce.
Por isso, as varejistas têm buscado outras alternativas, como aumentar a frequência de compras dos clientes já conquistados ou adquirir novos por meio do marketing de afiliados. Neste caso, a comissão paga é inferior às despesas com as mídias tradicionais.
Aliás, Terra observa que na China, que é o maior mercado de e-commerce do mundo, o marketplace que mais cresce no momento, que é o Pinduoduo, tem como base uma estratégia de marketing de afiliados.
No Brasil, o Magazine Luiza, por exemplo, atua nesse nicho há 12 anos. O Parceiro Magalu Divulgador tem hoje mais 280 mil pessoas que vendem anualmente na plataforma e recebem uma comissão que varia entre 2% e 12% pelos negócios fechados, dependendo do tipo de produto.
“A gente abrange desde a pessoa analógica que tem a plataforma como forma de renda extra, isto é, vende só para amigo, familiar, até o público de afiliados tradicionais, como publisher, site comparador de preços, players mais digitalizados e mais recentemente o mercado de vendas diretas de influenciadores por conta das redes sociais”, explica Kaio Caldas, gerente do Parceiro Magalu Divulgador.
Sem revelar cifras, o executivo diz que o marketing de afiliados responde atualmente por 8% da vendas do e-commerce da empresa, incluindo o site da rede e o marketplace. Do total vendido por esse canal, 80% da cifra é feita por 20% dos influenciadores mais engajados. Por isso, desde o mês passado, a companhia lançou um programa de treinamento nas redes sociais voltado para essa fatia de profissionais.
O programa passa por uma curadoria maior de produtos, treinamento de redes sociais para que ele entenda melhor os algoritmos das plataformas, produza conteúdos mais assertivos para que o grupo dele tenha mais ferramentas para realizar a venda, explica Caldas. “O que fizemos foi transformar esse programa num modelo acessível de renda extra para alavancar as vendas.”
Ao perceber o potencial do marketing de afiliados para aumentar as vendas online, a rede de farmácias Pague Menos começou um projeto de criação de lojas virtuais com seleção de produtos personalizada no segundo trimestre do ano passado. Hoje, são quase 30 mil lojinhas criadas dentro da plataforma chamada Minha Pague Menos. As categorias mais vendidas são produtos infantis, como fraldas, seguidos por artigos dermatológicos e de higiene e beleza.
O diretor digital e inteligência de vendas da Pague Menos & Extrafarma, Rafael Cipriano Torres, afirma que o programa é uma importante ferramenta para aumentar as vendas online da empresa e que o valor da comissão varia de 1% a 10%, com a margem de lucro maior para produtos de maior preço. Cada lojinha pode ter até 30 produtos, que podem ser trocados a qualquer momento pelo revendedor.
“A remuneração é baseada em venda e sucesso. após determinado patamar, há benefícios adicionais. Mudam taxas de remuneração e os revendedores ganham recursos, como cursos e um disparo de uma mensagem padronizada nos grupos que usam para anunciar as mercadorias”, diz Torres.
No Brasil desde o final de 2019, a Shopee também conta com um programa para remunerar pessoas que indicam seus produtos a amigos ou seguidores em redes sociais ou grupos de mensagens. De acordo com a empresa, mais de 1,5 milhão de pessoas já se cadastraram para participar do programa e os vendedores de maior sucesso chegam a receber comissão de mais de R$ 20 mil mensais. “Esse programa é uma oportunidade de gerar renda extra e nos ajuda a chegar a mais pessoas. No Brasil, ainda há muitas pessoas que compram online pela primeira vez”, afirma Felipe Piringer, líder de marketing e crescimento na Shopee.
A Renner tem um programa de marketing de afiliados desde 2020. O Programa Favoritos Renner faz parte dessa estratégia e do propósito de se conectar com os clientes de maneira próxima e autêntica, explica Maria Cristina Merçon, diretora de Marketing Corporativo da Lojas Renner.
O programa da varejista envolve itens de moda feminina, masculina, infantil, beleza e perfumaria. A empresa não revela o número de afiliados participantes do programa nem as comissões pagas. Mas, segundo a diretora, no primeiro semestre deste ano, o programa registrou um crescimento de 56% no número de afiliados, em comparação com o mesmo período de 2022.
Bruno Peres, professor de marketing digital da ESPM, frisa que o marketing de afiliados não é algo novo. Surgiu nos anos 1990 nos Estados Unidos com a Amazon e no Brasil com o Submarino. Ele está crescendo de forma mais acelerada porque hoje há um número maior de brasileiros em contato com o mundo digital.
Os links de afiliados estão se popularizando principalmente pela quantidade de influenciadores digitais que há no Brasil. Segundo Peres, mais de meio milhão de influenciadores com altos números usam esses links para ganhar uma comissão sobre a sua base de seguidores.
Para os varejistas e donos de marcas esse canal de vendas é estratégico, diz o professor da ESPM. Quando a pessoa se cadastra na plataforma, ela começa a fazer parte da força de vendas, sem nenhum vínculo empregatício. O varejista só vai pagar a comissão quando a venda, de fato, acontecer. “É extremamente vantajoso para a empresa”, diz ele, observando que a verba de marketing não é utilizada.
O especialista em branding da TM20 Branding, Eduardo Tomiya, diz que o marketing de afiliados tende a crescer no Brasil nos próximos anos para atingir públicos que as empresas não conseguem atingir sozinhas, mas é preciso uma melhora na remuneração para fortalecer a comunidade de promotores digitais. Para ele, os pequenos influenciadores ganham, em média, 5% do valor de venda de cada produto.
“Esse tipo de programa é uma forma de reduzir o custo de conquistar clientes. O grande interesse é levar mais pessoas para o site ou aplicativo da varejista. As pessoas buscam renda extra com esse tipo de atividade, mas, no futuro, isso pode ser a principal fonte de renda, como aconteceu com os revendedores da Natura”, diz Tomiya.
Procurada, a Amazon, dona de um dos maiores programas de afiliados do mundo, não respondeu a tempo para participar da reportagem.