Durante um bom tempo, eles reinaram sozinhos na vizinhança, primando por atendimento próximo, às vezes até sabendo o nome do cliente e o jeito que ele pedia os frios. Hoje, porém, os mercados de bairro – ou “mercadinhos”, como muita gente afetuosamente aprendeu a chamá-los – estão vivendo parte de uma grande competição no universo das compras por proximidade. Grandes redes varejistas, grupos de conveniência e até mesmo as indústrias, sem falar nos aplicativos de entrega, estão disputando espaço nesse setor, cada vez mais popular: segundo pesquisa recente feita pela Shopper Experience e pela Associação Paulista de Supermercados (Apas), 60% das pessoas fazem parte de suas compras em “estabelecimentos de bairro”.
“A vida moderna hoje favorece um consumo mais rápido e mais picado, diferente da compra de mês nos tempos de inflação alta. Hoje, o consumidor olha o que tá faltando, vai lá e compra”, comenta Samuel Carvalho, diretor de Postos e Conveniência na Linx, empresa do grupo Stone. Para Valéria Rodrigues, CEO da Shopper Experience, “a experiência de compra muda com as diferenças da economia, mas também nas oportunidades que temos em termos de canais”, citando como exemplos os mercados de proximidade abertos pelas grandes redes varejistas – caso, por exemplo, do Pão de Açúcar Minuto e do Carrefour Express, só para citar dois nomes.
O setor também tem sido movimentado por iniciativas como o Oxxo, uma joint venture entre Raízen e Femsa que pipoca aos baldes nas grandes cidades ao unir o conceito de mercado de proximidade com loja de conveniência, ou os aplicativos de entrega, que podem ser tocados tanto por startups – como iFood ou Daki – quanto pela própria indústria – e o caso mais exemplar é o Zé Delivery, da Ambev. Há ainda as lojas de proximidade de indústrias, como é o caso de Swift e Sadia.
Nesse contexto, a competição para os mercadinhos tradicionais se tornou bastante acirrada. “É um player que deixa de ter competitividade, dependendo da área em que está atuando, por não ter um grande poder de compra junto à indústria”, explica Valéria, que vê nesse formato de loja ainda uma boa presença nos cenários de compra de emergência – “quando alguém está fazendo receita em casa e esqueceu um ingrediente” – ou de reposição, como “quando o consumidor está voltando do trabalho e passa para pegar alguns itens básicos”, disserta a especialista da Shopper Experience.
Na visão de Carvalho, da Linx, a competitividade explodiu nos tempos da pandemia, em que novos hábitos surgiram. Para o especialista, o cenário hoje é de uma certa busca por estabilidade após a fragmentação. “O que é interessante é que essa competitividade fez os mercadinhos se mexerem, passando a trocar luz, cuidar dos produtos e até atacar operações diferentes”, afirma. “É um jogo em que os vencedores não estão definidos e tem espaço para todos. Mas o segredo pro dono de mercadinho de bairro ser competitivo passa por fazer uma gestão mais eficiente – e é a tecnologia que habilita isso.”
Cultura
Talvez o aspecto que mais dificulta esse processo é a cultura: muitas vezes, esses negócios são liderados hoje por empreendedores mais velhos, há algumas décadas no comando, e com menor contato com tecnologia. Por outro lado, na visão de Carvalho, há um movimento hoje no mercado que tem puxado esse tipo de empresário para os tempos modernos.
“Até dá para fazer uma gestão mais ou menos de um mercado sem tecnologia, mas, para concorrer com os grandes, precisa ganhar escala. Precisa de tecnologia para fazer gestão de estoque, entender ciclo de vida do produto, análise de vendas e até mesmo para fazer os pedidos para a indústria”, diz o executivo da Linx. “Hoje há fornecedores que só aceitam pedidos feitos de maneira online, não tem mais o vendedor que ia tirar nota no papel passando na loja.”
Por outro lado, nunca foi tão simples aderir à tecnologia. “O que antes era acessível para os grandes varejistas agora é acessível para o pequeno, seja com o uso de computação em nuvem ou a tecnologia de gestão e operação, fazendo vendas rápidas. Sai mais barato pagar um pouco para ter essa tecnologia do que não ter, especialmente porque, além da ineficiência, há uma chance grande de ruptura ou fraude”, explica Samuel Carvalho.
Além disso, digitalizar o fluxo de pedidos é uma forma de a indústria, de alguma forma, resolver também uma dor antiga: compreender melhor o fluxo dos seus produtos no varejo. “O sonho da indústria, que investe milhões em pesquisa, é ter a informação do comportamento do consumidor o mais rápido possível”, detalha Carvalho. Durante muito tempo, lidar com os mercadinhos pouco informatizados foi um desafio, mas aos poucos há formas de reverter esse cenário.
Ponte
Um bom exemplo é o BEES, plataforma criada pela Ambev para distribuir seus produtos a pequenos e médios empreendedores, além de ajudar na digitalização da gestão. Com mais de 1 milhão de pontos de venda cadastrados, entre mercadinhos, bares e restaurantes, o sistema distribui não só os itens da Ambev, mas também de uma rede de parceiros, como Diageo, Mondelez, Colgate, L’Oreal e Camil. “Pelo app, os lojistas podem fazer pedidos de forma rápida e prática, e acessar um catálogo diversificado de produtos. É uma categoria fundamental para a Ambev porque nos dá uma conexão direta com os consumidores, com menos intermediários, nos permitindo ter um termômetro mais preciso do comportamento do consumidor”, destaca Gustavo Assumpção, diretor de Estratégia Online do BEES.
Mais do que apenas entregar os produtos, a plataforma do BEES também entrega dados para os comerciantes. “Com nossa inteligência, fornecemos aos clientes informações para atender suas necessidades, sugerindo produtos com maior procura na região em que o PDV está inserido ou qual a melhor estratégia de sortimento para o negócio”, afirma. “No caso de comércios menos estruturados, existe uma oportunidade de sermos ativos para a inclusão digital e a sustentabilidade por meio da gestão.”