BRASÍLIA - O Congresso Nacional quer tirar recursos previstos para o pagamento de benefícios previdenciários e direcioná-los a obras e ações de interesse parlamentar, segundo apurou o Estadão/Broadcast com três fontes que acompanham as discussões. A estratégia é amparada em uma expectativa de economia maior com a reforma da Previdência aprovada em 2019, mas a área econômica é contra a medida porque a realocação de recursos pode colocar em risco uma despesa que é obrigatória. Além disso, o reajuste maior do salário mínimo, para R$ 1,1 mil, deixou quase nenhuma margem de manobra dentro do Orçamento.
Os parlamentares estão de olho nas despesas com a Previdência depois de verem frustrada a tentativa anterior de abrir espaço no Orçamento: patrocinados pelo presidente Jair Bolsonaro, eles queriam retirar os gastos com o Bolsa Família do alcance do teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação. Emendas parlamentares já estavam engatilhadas para preencher o espaço deixado pelos quase R$ 35 bilhões previstos para o programa social. Com a ameaça de chaminé no teto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, entrou em campo para desarmar a bomba.
Segundo apurou a reportagem, a pressão inicial mirava em R$ 16,5 bilhões em gastos com Previdência, mas fontes que participam das discussões reconhecem que até mesmo o relator do Orçamento, senador Marcio Bittar (MDB-AC), está reticente em bancar um remanejamento dessa monta. As despesas previdenciárias são obrigatórias, e uma reavaliação nesses números precisa ser criteriosa para não cair na vala da contabilidade criativa.
Técnicos da área econômica têm alertado que, para mexer em gastos como os previdenciários, é preciso ter “boas estimativas”, sob o risco de retomar a “magia do Orçamento” que antecedeu a criação do teto de gastos – quando parlamentares inflavam receitas apenas para prever mais despesas, sem garantias de que a arrecadação se concretizaria.
Restrições
A estratégia dos parlamentares também esbarra no Orçamento já apertado. Como mostrou a colunista Adriana Fernandes, do Estadão, a equipe econômica já calculava no início do mês um buraco de R$ 17 bilhões na regra do teto de gastos. Isso significa que, antes mesmo de qualquer remanejamento de recursos pelos parlamentares, já seria necessário cortar gastos nesse valor para evitar o descumprimento do limite. Enquanto isso, as chamadas despesas discricionárias (que incluem custeio e investimento) já estão no limite mínimo para garantir o funcionamento da máquina, ao redor de R$ 92 bilhões.
Na prática, qualquer mudança radical feita pelo Congresso pode acabar sendo revertida nos relatórios bimestrais de avaliação do Orçamento. Segundo uma fonte da área econômica, será preciso contingenciar os gastos agora “beneficiados” pelos parlamentares para devolver à Previdência, uma vez que são despesas obrigatórias e o governo tem o dever de atendê-las.
A explicação de técnicos é que a reforma da Previdência está de fato rendendo economia maior que o esperado, mas o repique da inflação no ano passado levou a um aumento acima do previsto no salário mínimo, elevando as despesas do governo. A proposta orçamentária foi enviada em agosto de 2020 com uma previsão de salário mínimo de R$ 1.067. O reajuste acabou resultando em um valor de R$ 1.100. Como cada R$ 1 a mais no piso eleva as despesas em R$ 351,1 milhões, a pressão gerada por esse fator seria de R$ 11,6 bilhões.
A Previdência não é a única despesa obrigatória na mira dos parlamentares. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, congressistas querem tirar também cerca de R$ 5 bilhões que estão destinados ao auxílio-doença e ao Plano Safra para contemplar ações de três ministérios do governo: Desenvolvimento Regional, Infraestrutura e Agricultura.
O que tem barrado o sucesso desses movimentos até agora é a dificuldade do relator em encontrar os espaços e justificar os cortes. Ao Estadão/Broadcast, Bittar disse que “tudo é legítimo, mas não tem cobertura”. “Vou fazer o melhor possível”, afirmou.
O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, diz não ver “muita gordura” nos gastos com o INSS, que na projeção da entidade devem ficar em R$ 704,6 bilhões, já considerando efeitos da reforma de 2019. “A despesa obrigatória só deveria ser revista se, de fato, houver justificativa técnica plausível, a exemplo de uma revisão de parâmetros macroeconômicos ou constatações sobre a evolução dos benefícios emitidos. Não dá para se cogitar mudar projeções de despesas como esta, a mais importante do orçamento primário, porque parlamentares querem”, diz Salto.
“Se o cálculo ficar subestimado no Orçamento, isso será péssimo para a transparência e a gestão fiscal. Espaço fiscal se abre com aumento de receita ou corte de despesa. Parece não haver disposição a isso”, alerta o diretor-executivo da IFI.