O mercado global de criptoativos passou por sua pior crise no início de novembro, quando a segunda maior exchange do mundo, a FTX, chegou à falência. No Brasil, onde já havia forte discussão no mercado por conta do golpe do Faraó do Bitcoin, a derrocada da FTX reforçou o debate sobre a necessidade de regulamentação do setor, e as empresas se mobilizaram para apressar a votação do marco legal de criptomoedas.
Especial Focas
O texto base do Projeto de Lei (PL) 4401/2021, que regulamenta os criptoativos no País, foi aprovado em 29 de novembro pela Câmara dos Deputados, depois de voltar do Senado. Agora, segue para sanção presidencial.
Bernardo Srur, diretor da associação ABCripto, reforça que a crise da FTX não se estende à tecnologia cripto como um todo. “Crise de credibilidade é normal, não em relação aos ativos digitais, e sim ao mercado. A tecnologia cripto está mais que provada”.
Apesar do “inverno cripto” no horizonte, há investidores que seguem confiantes. O técnico de TI Davi Mello, de 30 anos, conta que aproveitou o período de baixa para comprar ainda mais Bitcoins. “Estou acreditando que vai subir de novo.”
Mello começou a desbravar o universo das criptomoedas em 2020. Ele vinha de uma experiência negativa com o mercado de bolsas de valores e havia adotado um perfil de investidor mais conservador, aplicando o dinheiro entre fundos de renda fixa e poupança.
No início da pandemia da covid-19, trancado em casa, teve coragem de apostar também nos ativos digitais. Investiu aproximadamente R$ 250 em frações da moeda digital e, dentro de um mês, viu seu rendimento dobrar. “Na época, o BTC valia cerca de R$ 20 mil. Começou a subir e terminou o ano valendo uns R$ 150 mil”, relembra Mello.
O preço do Bitcoin disparou de vez em 2021, atingindo o pico de R$ 340 mil por moeda. Por mais que tenha desvalorizado (hoje vale R$ 89 mil), a cotação ainda satisfaz o rapaz. “Por mais que o investimento seja mais instável, continua valendo a pena”, acredita.
Mello conta que, embora mantenha aplicações em fundos de renda fixa, as criptomoedas já representam 70% dos seus investimentos. Ele armazena Bitcoins em quatro plataformas diferentes: em duas exchanges (a gigante Binance e a Crypto.com Exchange); na wallet da empresa de software Brave, que oferece cripto como cashback; e na conta digital da fintech brasileira Méliuz - que, inclusive, acrescentou aos seus serviços a funcionalidade do criptoback recentemente. “Não vou colocar todos os ovos na mesma cesta”, diz.
Lei a caminho
O Projeto de Lei (PL) 4401/2021 tem como objetivo regulamentar operações transacionais e de investimentos em criptoativos. É a segurança jurídica pela qual o setor esperava. A associação de fintechs Zetta, que representa quase 30 empresas, considera que a regulação faz o Brasil sair na frente no debate global e se colocar entre as nações com maior maturidade regulatória do mercado.
Quem usa ou quer usar criptomoedas tem a ganhar com o marco legal: de acordo com o consultor José Luiz Rodrigues, sócio da JL Rodrigues Consultores Associados, as diretrizes da legislação regulatória vão favorecer a oferta de produtos mais seguros.
“Também é bom pelo seguinte: hoje, se você tiver um problema com uma exchange (plataforma de negociação de criptomoedas) estrangeira que opera no Brasil via site, sem CNPJ ou sem segurança, com quem vai reclamar? A regulação servirá para te dar um canal de comunicação”, diz o consultor, que é também presidente do Conselho da ABFintechs.
Um ponto, porém, ainda causa polêmica no setor: a segregação patrimonial, que estava presente no projeto do Senado e foi retirado ao chegar na Câmara. A obrigação da segregação é muito relevante, segundo Julia Franco, sócia do Cescon Barrieu na área de Regulatório Mercado de Capitais, porque garante que o patrimônio dos clientes não se misture com o das exchanges.
“É interessante que a lei não tenha tanto detalhe, e que delegue ao regulador o poder para na prática estabelecer os termos da regulamentação, por estar mais próximo do mercado. Mas, no caso da segregação patrimonial, isso deveria estar na lei. Não é algo que o regulador, como o Banco Central, por exemplo, poderá prever na regulamentação própria com a mesma segurança”, explica Julia. Segundo ela, numa hipótese de liquidação extrajudicial de alguma corretora, é preciso estar claro qual é o patrimônio do cliente.
Mesmo com regulamentação à vista, é preciso se informar antes de investir. Para quem tem vontade de se aventurar no universo cripto, os especialistas recomendam cautela e muito estudo. “É como investir em ações na bolsa de valores”, compara o advogado Tiago Severo, sócio da CBS Advogados.
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Se você tem interesse em entrar no mercado cripto, a informação é a sua melhor amiga
Para Bernard Pedra, analista de criptoativos do Mercado Bitcoin, a regulamentação tende, além do mais, a diminuir a volatilidade. “Com a regulamentação, a volatilidade vai diminuindo para certos ativos e a criptoeconomia tende a ser uma plataforma central na base da web 3.0″.
Entenda o caso FTX
A exchange FTX, sediada nas Bahamas, mantinha US$ 16 bilhões em ativos de clientes (informações da Broadcast), mas usou parte desse dinheiro para financiar uma empresa filiada, a Alameda Research. O caso veio à tona quando a corretora Binance, que planejava comprar a empresa, anunciou que desistiria da aquisição após uma análise minuciosa de seu caixa.
A atuação da FTX prejudicou não apenas quem mantinha ativos sob sua gestão, mas o setor como um todo. Como grande parte das criptomoedas oscila bastante, uma crise de credibilidade tende a impactar negativamente sua cotação. Por isso, o caso pode estender ainda mais um período que já vinha sendo considerado de baixa no mundo das criptomoedas — o chamado “inverno cripto”.
A Binance, por sua vez, responsabiliza a FTX pelo impacto no mercado. “Toda vez que um grande player de um setor falhar, os consumidores de varejo sofrerão. Vimos nos últimos anos que o ecossistema de criptomoedas está se tornando mais resiliente e acreditamos que, com o tempo, os atores que fazem uso indevido dos fundos dos usuários serão eliminados pelo livre mercado”, afirma, em nota.
Expediente
Reportagem I Alunos da 12ª turma do Curso Estadão de Jornalismo Econômico: Adrielle Farias, Alex Braga, Ana Clara Praxedes, Ana Luiza Serrão, Ana Ritti, Beatriz Capirazi, Carolina Maingué Pires, Davi Valadares, Erick Souza, Fernanda Paixão, Gabriel Tassi, Guilherme Naldis, Jean Mendes, Jennifer Neves, Lara Castelo, Letícia Araújo, Luiz Araújo, Maria Clara Andrade, Maria Lígia Barros, Paulo Renato Nepomuceno, Pedro Pligher, Rebecca Crepaldi, Renata Leite, Zeca Ferreira Edição e coordenação I Carla Miranda e Luana Pavani