Passados os primeiros meses de recrudescimento da crise global, o impacto para o Brasil ainda é restrito e não atingiu de forma significativa os dois canais de contágio para a economia real: inflação e exportação. Indicadores mostram que a inflação segue pressionada e as exportações continuam robustas.Segundo analistas, os dados disponíveis hoje não confirmam o pessimismo da equipe econômica, que previa um contágio mais forte, com queda dos preços. Com base nesse diagnóstico, o Banco Central iniciou um ciclo de corte de juros. O cenário da autoridade monetária, no entanto, não está descartado."O efeito líquido da crise para o Brasil, por enquanto, é inflacionário", diz Zenia Latif, economista-chefe para América Latina do Royal Bank of Scotland (RBS). De acordo com ela, a desvalorização do real, provocada pela fuga dos investidores de ativos de risco, mais do que compensou a queda dos commodities no mercado internacional. "E já temos alguma contaminação da inflação doméstica", completa.O IC-BR, índice do BC que reúne as commodities que mais influenciam a inflação brasileira, subiu 7,83% em setembro. Em dólares, recuou 1,21%. Os preços já subiram para os produtores agrícolas no País, o que impulsionou uma alta de 0,75% no Índice Geral de Preços -Disponibilidade Interna (IGP-DI). Para Bernardo Wjuniski, analista sênior para América Latina da Medley Global Advisors, "a hipótese do BC de que pode haver uma contração desinflacionária vinda do exterior é válida, mas ainda não é observada". Ele concorda que o cenário é ruim para as commodities, por causa da estagnação nos países ricos e do menor crescimento até da China, mas reforça que a turbulência desvaloriza o real."A questão é quem vai ser mais forte: o câmbio ou as commodities?", diz Wjuniski. Para Zenia, o impacto das duas variáveis para a inflação será neutro no médio prazo, mas o câmbio tende a prevalecer no início, o que complica a tarefa do BC de impedir que a inflação estoure o teto da meta (6,5%) este ano.O economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, compartilha o diagnóstico do governo e avalia que a crise vai "fazer o trabalho sujo da Selic", reduzindo o crédito e deixando os empresários menos otimistas. Ele também acredita que o real vai voltar a se valorizar ante o dólar, porque o Brasil continua atraindo capitais e porque o BC está atuando no mercado. Balança. A crise global também ainda não atingiu o comércio exterior. As exportações do País somaram US$ 18,8 bilhões em setembro, 23,6% acima de setembro de 2010. De janeiro a setembro, o superávit da balança já atingiu US$ 23 bilhões, acima de todo o ano passado."Ainda não há impacto para a balança. O efeito só deve começar a ser percebido em novembro. Em 2012, teremos a dimensão completa", diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).Como os contratos são antigos, os exportadores receberam em setembro valores mais altos que os atuais. Em setembro, a tonelada de soja exportada pelo Brasil estava em US$ 521, bem acima dos US$ 420 praticados hoje no mercado.