Análise|COP-16: De Macondo a Cali, a restauração da vida


É necessário um chamado à ação para que o valor da restauração ecológica seja traduzido em uma classe de ativos, assim como tem sido feito em relação ao carbono

Por Roberto S. Waack, Sylvia Coutinho, Claudio Pádua e Bernardo Strassburg
Atualização:

Em Macondo, a cidade de Cem Anos de Solidão onde se ambienta a magistral obra do colombiano Gabriel García Márquez, padrões destrutivos marcam a família Buendía. É como se a dinastia estivesse condenada, pelo esquecimento, a repetir indefinidamente os mesmos erros ao longo das gerações, assombrada por fantasmas, invasões de formigas ruivas e chuvas intermináveis.

A estarrecedora notícia de que uma única espécie no planeta - a humana - levou ao declínio populacional de 73% da vida silvestre em apenas 50 anos, segundo estudo do WWF, lembra o enredo da repetição de erros destrutivos pelo qual a humanidade condena a si mesma. Somente a América Latina e Caribe, uma das regiões megabiodiversas do mundo, viu cair 95% dessas populações.

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COP-16 está sendo realizada em Cali, na Colômbia Foto: Joaquin Sarmiento/AFP

Em Cali, o realismo fantástico de Macondo precisa ser substituído por uma outra realidade, capaz de romper a sucessiva destruição da vida na Terra perpetrada pelos humanos. A cidade colombiana que sedia a 16.ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, a COP-16, teve seu mapa do caminho já traçado em Montreal durante a COP-15, onde se definiram os objetivos de frear e reverter a perda de ecossistemas naturais, e de acabar com extinções por ações humanas até 2050. Para tanto, os países se comprometeram a proteger e restaurar 30% dos ecossistemas até 2030. O desafio é implementar os compromissos.

Especialistas no campo da natureza e ciências biológicas apontam a restauração ecológica entre as mais efetivas maneiras de contribuir para os objetivos. Isso porque a via é de mão dupla: enquanto a recomposição dos ecossistemas e a rica interação entre a variedade de espécies fortalece a biodiversidade, esta contribui para o próprio sucesso da restauração, conferindo resistência e resiliência ao processo. Por exemplo: em projetos de restauração, mais de 20% dos novos espécimes encontrados não foram plantados por humanos, mas resultaram da própria natureza biodiversa em ação, incluindo aves, insetos e outros animais.

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O resultado dessa via dupla é o fortalecimento de serviços ambientais que derivam da biodiversidade: maior oferta de água limpa, solos mais protegidos para suportar os efeitos dos eventos climáticos extremos, polinização no cultivo de alimentos, combate natural de pragas, equilíbrio no regime de chuvas, maior produtividade em sistemas agroflorestais e integrados, e benefícios ao clima local e ao global, com o sequestro de carbono. Isso sem falar na geração de renda e empregos ligados à produção de sementes e mudas, e a pequenas organizações locais que fazem o plantio e a manutenção, com envolvimento social.

Cabe aos estudiosos da natureza, que já conhecem esses valores, demonstrá-los ao mundo da economia e finanças, a fim de viabilizar a atividade. Um chamado para ação é necessário para que o valor da restauração seja traduzido em uma classe de ativos, assim como tem sido feito em relação ao carbono no enfrentamento da crise climática. Há vultosos investimentos para buscar vida em outro planeta, enquanto o desafio é financiar a proteção e a restauração dos ecossistemas na Terra.

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Tangibilizar, valorar e transacionar os ativos naturais é uma fronteira de conhecimento sendo desbravada, a começar dos créditos de biodiversidade, e que inclui premium prices em projetos de carbono que conservem a riqueza de espécies, bem como a aplicação de taxas de financiamento mais favoráveis ou subsídios. Pelas novas regras contábeis internacionais, o capital natural passará a ser contabilizado em balanços de empresas e, espera-se que, no futuro, no produto nacional bruto. Ao mesmo tempo, o patrimônio genético tende a ser valorizado com a codificação genética e armazenamento de dados potencializados pela Inteligência Artificial. Tudo isso é capaz de mudar o jogo.

Mas a vida na Terra vai além dos aspectos utilitários ou tangíveis. Há razões éticas, emocionais e até espirituais para conservá-la pelo valor que tem em si mesma. Entre os autores deste artigo, a executiva e agrônoma de formação que esteve anos à frente de um banco, depõe sobre o sentimento que experimentou ao plantar mogno consorciado com uma agrofloresta diversa, e se maravilhar com as muitas espécies silvestres que ressurgiram no local: foi um dos investimento que mais lhe deram prazer ao longo da carreira.

Macondo é uma cidade isolada, imersa em guerras, progressos tecnológicos e decadência, tendo o sentimento de solidão como traço dos Buendía, para os quais “não será dada uma segunda oportunidade sobre a terra”.

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No mundo real, a espécie humana passou a ver as demais apenas como objetos a seu dispor, e com isso inventou o próprio desterro. Para romper tantos anos de solidão, será preciso uma reconexão com a natureza e apreciar a convivência com a diversidade. Cali será a oportunidade de mostrar que não estamos sozinhos.

Em Macondo, a cidade de Cem Anos de Solidão onde se ambienta a magistral obra do colombiano Gabriel García Márquez, padrões destrutivos marcam a família Buendía. É como se a dinastia estivesse condenada, pelo esquecimento, a repetir indefinidamente os mesmos erros ao longo das gerações, assombrada por fantasmas, invasões de formigas ruivas e chuvas intermináveis.

A estarrecedora notícia de que uma única espécie no planeta - a humana - levou ao declínio populacional de 73% da vida silvestre em apenas 50 anos, segundo estudo do WWF, lembra o enredo da repetição de erros destrutivos pelo qual a humanidade condena a si mesma. Somente a América Latina e Caribe, uma das regiões megabiodiversas do mundo, viu cair 95% dessas populações.

COP-16 está sendo realizada em Cali, na Colômbia Foto: Joaquin Sarmiento/AFP

Em Cali, o realismo fantástico de Macondo precisa ser substituído por uma outra realidade, capaz de romper a sucessiva destruição da vida na Terra perpetrada pelos humanos. A cidade colombiana que sedia a 16.ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, a COP-16, teve seu mapa do caminho já traçado em Montreal durante a COP-15, onde se definiram os objetivos de frear e reverter a perda de ecossistemas naturais, e de acabar com extinções por ações humanas até 2050. Para tanto, os países se comprometeram a proteger e restaurar 30% dos ecossistemas até 2030. O desafio é implementar os compromissos.

Especialistas no campo da natureza e ciências biológicas apontam a restauração ecológica entre as mais efetivas maneiras de contribuir para os objetivos. Isso porque a via é de mão dupla: enquanto a recomposição dos ecossistemas e a rica interação entre a variedade de espécies fortalece a biodiversidade, esta contribui para o próprio sucesso da restauração, conferindo resistência e resiliência ao processo. Por exemplo: em projetos de restauração, mais de 20% dos novos espécimes encontrados não foram plantados por humanos, mas resultaram da própria natureza biodiversa em ação, incluindo aves, insetos e outros animais.

O resultado dessa via dupla é o fortalecimento de serviços ambientais que derivam da biodiversidade: maior oferta de água limpa, solos mais protegidos para suportar os efeitos dos eventos climáticos extremos, polinização no cultivo de alimentos, combate natural de pragas, equilíbrio no regime de chuvas, maior produtividade em sistemas agroflorestais e integrados, e benefícios ao clima local e ao global, com o sequestro de carbono. Isso sem falar na geração de renda e empregos ligados à produção de sementes e mudas, e a pequenas organizações locais que fazem o plantio e a manutenção, com envolvimento social.

Cabe aos estudiosos da natureza, que já conhecem esses valores, demonstrá-los ao mundo da economia e finanças, a fim de viabilizar a atividade. Um chamado para ação é necessário para que o valor da restauração seja traduzido em uma classe de ativos, assim como tem sido feito em relação ao carbono no enfrentamento da crise climática. Há vultosos investimentos para buscar vida em outro planeta, enquanto o desafio é financiar a proteção e a restauração dos ecossistemas na Terra.

Tangibilizar, valorar e transacionar os ativos naturais é uma fronteira de conhecimento sendo desbravada, a começar dos créditos de biodiversidade, e que inclui premium prices em projetos de carbono que conservem a riqueza de espécies, bem como a aplicação de taxas de financiamento mais favoráveis ou subsídios. Pelas novas regras contábeis internacionais, o capital natural passará a ser contabilizado em balanços de empresas e, espera-se que, no futuro, no produto nacional bruto. Ao mesmo tempo, o patrimônio genético tende a ser valorizado com a codificação genética e armazenamento de dados potencializados pela Inteligência Artificial. Tudo isso é capaz de mudar o jogo.

Mas a vida na Terra vai além dos aspectos utilitários ou tangíveis. Há razões éticas, emocionais e até espirituais para conservá-la pelo valor que tem em si mesma. Entre os autores deste artigo, a executiva e agrônoma de formação que esteve anos à frente de um banco, depõe sobre o sentimento que experimentou ao plantar mogno consorciado com uma agrofloresta diversa, e se maravilhar com as muitas espécies silvestres que ressurgiram no local: foi um dos investimento que mais lhe deram prazer ao longo da carreira.

Macondo é uma cidade isolada, imersa em guerras, progressos tecnológicos e decadência, tendo o sentimento de solidão como traço dos Buendía, para os quais “não será dada uma segunda oportunidade sobre a terra”.

No mundo real, a espécie humana passou a ver as demais apenas como objetos a seu dispor, e com isso inventou o próprio desterro. Para romper tantos anos de solidão, será preciso uma reconexão com a natureza e apreciar a convivência com a diversidade. Cali será a oportunidade de mostrar que não estamos sozinhos.

Em Macondo, a cidade de Cem Anos de Solidão onde se ambienta a magistral obra do colombiano Gabriel García Márquez, padrões destrutivos marcam a família Buendía. É como se a dinastia estivesse condenada, pelo esquecimento, a repetir indefinidamente os mesmos erros ao longo das gerações, assombrada por fantasmas, invasões de formigas ruivas e chuvas intermináveis.

A estarrecedora notícia de que uma única espécie no planeta - a humana - levou ao declínio populacional de 73% da vida silvestre em apenas 50 anos, segundo estudo do WWF, lembra o enredo da repetição de erros destrutivos pelo qual a humanidade condena a si mesma. Somente a América Latina e Caribe, uma das regiões megabiodiversas do mundo, viu cair 95% dessas populações.

COP-16 está sendo realizada em Cali, na Colômbia Foto: Joaquin Sarmiento/AFP

Em Cali, o realismo fantástico de Macondo precisa ser substituído por uma outra realidade, capaz de romper a sucessiva destruição da vida na Terra perpetrada pelos humanos. A cidade colombiana que sedia a 16.ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, a COP-16, teve seu mapa do caminho já traçado em Montreal durante a COP-15, onde se definiram os objetivos de frear e reverter a perda de ecossistemas naturais, e de acabar com extinções por ações humanas até 2050. Para tanto, os países se comprometeram a proteger e restaurar 30% dos ecossistemas até 2030. O desafio é implementar os compromissos.

Especialistas no campo da natureza e ciências biológicas apontam a restauração ecológica entre as mais efetivas maneiras de contribuir para os objetivos. Isso porque a via é de mão dupla: enquanto a recomposição dos ecossistemas e a rica interação entre a variedade de espécies fortalece a biodiversidade, esta contribui para o próprio sucesso da restauração, conferindo resistência e resiliência ao processo. Por exemplo: em projetos de restauração, mais de 20% dos novos espécimes encontrados não foram plantados por humanos, mas resultaram da própria natureza biodiversa em ação, incluindo aves, insetos e outros animais.

O resultado dessa via dupla é o fortalecimento de serviços ambientais que derivam da biodiversidade: maior oferta de água limpa, solos mais protegidos para suportar os efeitos dos eventos climáticos extremos, polinização no cultivo de alimentos, combate natural de pragas, equilíbrio no regime de chuvas, maior produtividade em sistemas agroflorestais e integrados, e benefícios ao clima local e ao global, com o sequestro de carbono. Isso sem falar na geração de renda e empregos ligados à produção de sementes e mudas, e a pequenas organizações locais que fazem o plantio e a manutenção, com envolvimento social.

Cabe aos estudiosos da natureza, que já conhecem esses valores, demonstrá-los ao mundo da economia e finanças, a fim de viabilizar a atividade. Um chamado para ação é necessário para que o valor da restauração seja traduzido em uma classe de ativos, assim como tem sido feito em relação ao carbono no enfrentamento da crise climática. Há vultosos investimentos para buscar vida em outro planeta, enquanto o desafio é financiar a proteção e a restauração dos ecossistemas na Terra.

Tangibilizar, valorar e transacionar os ativos naturais é uma fronteira de conhecimento sendo desbravada, a começar dos créditos de biodiversidade, e que inclui premium prices em projetos de carbono que conservem a riqueza de espécies, bem como a aplicação de taxas de financiamento mais favoráveis ou subsídios. Pelas novas regras contábeis internacionais, o capital natural passará a ser contabilizado em balanços de empresas e, espera-se que, no futuro, no produto nacional bruto. Ao mesmo tempo, o patrimônio genético tende a ser valorizado com a codificação genética e armazenamento de dados potencializados pela Inteligência Artificial. Tudo isso é capaz de mudar o jogo.

Mas a vida na Terra vai além dos aspectos utilitários ou tangíveis. Há razões éticas, emocionais e até espirituais para conservá-la pelo valor que tem em si mesma. Entre os autores deste artigo, a executiva e agrônoma de formação que esteve anos à frente de um banco, depõe sobre o sentimento que experimentou ao plantar mogno consorciado com uma agrofloresta diversa, e se maravilhar com as muitas espécies silvestres que ressurgiram no local: foi um dos investimento que mais lhe deram prazer ao longo da carreira.

Macondo é uma cidade isolada, imersa em guerras, progressos tecnológicos e decadência, tendo o sentimento de solidão como traço dos Buendía, para os quais “não será dada uma segunda oportunidade sobre a terra”.

No mundo real, a espécie humana passou a ver as demais apenas como objetos a seu dispor, e com isso inventou o próprio desterro. Para romper tantos anos de solidão, será preciso uma reconexão com a natureza e apreciar a convivência com a diversidade. Cali será a oportunidade de mostrar que não estamos sozinhos.

Em Macondo, a cidade de Cem Anos de Solidão onde se ambienta a magistral obra do colombiano Gabriel García Márquez, padrões destrutivos marcam a família Buendía. É como se a dinastia estivesse condenada, pelo esquecimento, a repetir indefinidamente os mesmos erros ao longo das gerações, assombrada por fantasmas, invasões de formigas ruivas e chuvas intermináveis.

A estarrecedora notícia de que uma única espécie no planeta - a humana - levou ao declínio populacional de 73% da vida silvestre em apenas 50 anos, segundo estudo do WWF, lembra o enredo da repetição de erros destrutivos pelo qual a humanidade condena a si mesma. Somente a América Latina e Caribe, uma das regiões megabiodiversas do mundo, viu cair 95% dessas populações.

COP-16 está sendo realizada em Cali, na Colômbia Foto: Joaquin Sarmiento/AFP

Em Cali, o realismo fantástico de Macondo precisa ser substituído por uma outra realidade, capaz de romper a sucessiva destruição da vida na Terra perpetrada pelos humanos. A cidade colombiana que sedia a 16.ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, a COP-16, teve seu mapa do caminho já traçado em Montreal durante a COP-15, onde se definiram os objetivos de frear e reverter a perda de ecossistemas naturais, e de acabar com extinções por ações humanas até 2050. Para tanto, os países se comprometeram a proteger e restaurar 30% dos ecossistemas até 2030. O desafio é implementar os compromissos.

Especialistas no campo da natureza e ciências biológicas apontam a restauração ecológica entre as mais efetivas maneiras de contribuir para os objetivos. Isso porque a via é de mão dupla: enquanto a recomposição dos ecossistemas e a rica interação entre a variedade de espécies fortalece a biodiversidade, esta contribui para o próprio sucesso da restauração, conferindo resistência e resiliência ao processo. Por exemplo: em projetos de restauração, mais de 20% dos novos espécimes encontrados não foram plantados por humanos, mas resultaram da própria natureza biodiversa em ação, incluindo aves, insetos e outros animais.

O resultado dessa via dupla é o fortalecimento de serviços ambientais que derivam da biodiversidade: maior oferta de água limpa, solos mais protegidos para suportar os efeitos dos eventos climáticos extremos, polinização no cultivo de alimentos, combate natural de pragas, equilíbrio no regime de chuvas, maior produtividade em sistemas agroflorestais e integrados, e benefícios ao clima local e ao global, com o sequestro de carbono. Isso sem falar na geração de renda e empregos ligados à produção de sementes e mudas, e a pequenas organizações locais que fazem o plantio e a manutenção, com envolvimento social.

Cabe aos estudiosos da natureza, que já conhecem esses valores, demonstrá-los ao mundo da economia e finanças, a fim de viabilizar a atividade. Um chamado para ação é necessário para que o valor da restauração seja traduzido em uma classe de ativos, assim como tem sido feito em relação ao carbono no enfrentamento da crise climática. Há vultosos investimentos para buscar vida em outro planeta, enquanto o desafio é financiar a proteção e a restauração dos ecossistemas na Terra.

Tangibilizar, valorar e transacionar os ativos naturais é uma fronteira de conhecimento sendo desbravada, a começar dos créditos de biodiversidade, e que inclui premium prices em projetos de carbono que conservem a riqueza de espécies, bem como a aplicação de taxas de financiamento mais favoráveis ou subsídios. Pelas novas regras contábeis internacionais, o capital natural passará a ser contabilizado em balanços de empresas e, espera-se que, no futuro, no produto nacional bruto. Ao mesmo tempo, o patrimônio genético tende a ser valorizado com a codificação genética e armazenamento de dados potencializados pela Inteligência Artificial. Tudo isso é capaz de mudar o jogo.

Mas a vida na Terra vai além dos aspectos utilitários ou tangíveis. Há razões éticas, emocionais e até espirituais para conservá-la pelo valor que tem em si mesma. Entre os autores deste artigo, a executiva e agrônoma de formação que esteve anos à frente de um banco, depõe sobre o sentimento que experimentou ao plantar mogno consorciado com uma agrofloresta diversa, e se maravilhar com as muitas espécies silvestres que ressurgiram no local: foi um dos investimento que mais lhe deram prazer ao longo da carreira.

Macondo é uma cidade isolada, imersa em guerras, progressos tecnológicos e decadência, tendo o sentimento de solidão como traço dos Buendía, para os quais “não será dada uma segunda oportunidade sobre a terra”.

No mundo real, a espécie humana passou a ver as demais apenas como objetos a seu dispor, e com isso inventou o próprio desterro. Para romper tantos anos de solidão, será preciso uma reconexão com a natureza e apreciar a convivência com a diversidade. Cali será a oportunidade de mostrar que não estamos sozinhos.

Em Macondo, a cidade de Cem Anos de Solidão onde se ambienta a magistral obra do colombiano Gabriel García Márquez, padrões destrutivos marcam a família Buendía. É como se a dinastia estivesse condenada, pelo esquecimento, a repetir indefinidamente os mesmos erros ao longo das gerações, assombrada por fantasmas, invasões de formigas ruivas e chuvas intermináveis.

A estarrecedora notícia de que uma única espécie no planeta - a humana - levou ao declínio populacional de 73% da vida silvestre em apenas 50 anos, segundo estudo do WWF, lembra o enredo da repetição de erros destrutivos pelo qual a humanidade condena a si mesma. Somente a América Latina e Caribe, uma das regiões megabiodiversas do mundo, viu cair 95% dessas populações.

COP-16 está sendo realizada em Cali, na Colômbia Foto: Joaquin Sarmiento/AFP

Em Cali, o realismo fantástico de Macondo precisa ser substituído por uma outra realidade, capaz de romper a sucessiva destruição da vida na Terra perpetrada pelos humanos. A cidade colombiana que sedia a 16.ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, a COP-16, teve seu mapa do caminho já traçado em Montreal durante a COP-15, onde se definiram os objetivos de frear e reverter a perda de ecossistemas naturais, e de acabar com extinções por ações humanas até 2050. Para tanto, os países se comprometeram a proteger e restaurar 30% dos ecossistemas até 2030. O desafio é implementar os compromissos.

Especialistas no campo da natureza e ciências biológicas apontam a restauração ecológica entre as mais efetivas maneiras de contribuir para os objetivos. Isso porque a via é de mão dupla: enquanto a recomposição dos ecossistemas e a rica interação entre a variedade de espécies fortalece a biodiversidade, esta contribui para o próprio sucesso da restauração, conferindo resistência e resiliência ao processo. Por exemplo: em projetos de restauração, mais de 20% dos novos espécimes encontrados não foram plantados por humanos, mas resultaram da própria natureza biodiversa em ação, incluindo aves, insetos e outros animais.

O resultado dessa via dupla é o fortalecimento de serviços ambientais que derivam da biodiversidade: maior oferta de água limpa, solos mais protegidos para suportar os efeitos dos eventos climáticos extremos, polinização no cultivo de alimentos, combate natural de pragas, equilíbrio no regime de chuvas, maior produtividade em sistemas agroflorestais e integrados, e benefícios ao clima local e ao global, com o sequestro de carbono. Isso sem falar na geração de renda e empregos ligados à produção de sementes e mudas, e a pequenas organizações locais que fazem o plantio e a manutenção, com envolvimento social.

Cabe aos estudiosos da natureza, que já conhecem esses valores, demonstrá-los ao mundo da economia e finanças, a fim de viabilizar a atividade. Um chamado para ação é necessário para que o valor da restauração seja traduzido em uma classe de ativos, assim como tem sido feito em relação ao carbono no enfrentamento da crise climática. Há vultosos investimentos para buscar vida em outro planeta, enquanto o desafio é financiar a proteção e a restauração dos ecossistemas na Terra.

Tangibilizar, valorar e transacionar os ativos naturais é uma fronteira de conhecimento sendo desbravada, a começar dos créditos de biodiversidade, e que inclui premium prices em projetos de carbono que conservem a riqueza de espécies, bem como a aplicação de taxas de financiamento mais favoráveis ou subsídios. Pelas novas regras contábeis internacionais, o capital natural passará a ser contabilizado em balanços de empresas e, espera-se que, no futuro, no produto nacional bruto. Ao mesmo tempo, o patrimônio genético tende a ser valorizado com a codificação genética e armazenamento de dados potencializados pela Inteligência Artificial. Tudo isso é capaz de mudar o jogo.

Mas a vida na Terra vai além dos aspectos utilitários ou tangíveis. Há razões éticas, emocionais e até espirituais para conservá-la pelo valor que tem em si mesma. Entre os autores deste artigo, a executiva e agrônoma de formação que esteve anos à frente de um banco, depõe sobre o sentimento que experimentou ao plantar mogno consorciado com uma agrofloresta diversa, e se maravilhar com as muitas espécies silvestres que ressurgiram no local: foi um dos investimento que mais lhe deram prazer ao longo da carreira.

Macondo é uma cidade isolada, imersa em guerras, progressos tecnológicos e decadência, tendo o sentimento de solidão como traço dos Buendía, para os quais “não será dada uma segunda oportunidade sobre a terra”.

No mundo real, a espécie humana passou a ver as demais apenas como objetos a seu dispor, e com isso inventou o próprio desterro. Para romper tantos anos de solidão, será preciso uma reconexão com a natureza e apreciar a convivência com a diversidade. Cali será a oportunidade de mostrar que não estamos sozinhos.

Análise por Roberto S. Waack

Conselheiro da Marfrig e do Instituto Arapyaú

Sylvia Coutinho

EX-presidente do UBS no Brasil e conselheira de empresas

Claudio Pádua

Cofundador do Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Biofílica

Bernardo Strassburg

Fundador da re.green e do Instituto Internacional para a Sustentabilidade

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