O que acontece se o corte de gastos prometido pelo governo for insuficiente? 5 economistas respondem


Analistas alertam que uma política fiscal frouxa acarretará num ciclo bastante perverso, com impactos diretos sobre a inflação e na condução da política monetária

Por Luiz Guilherme Gerbelli e Alvaro Gribel
Atualização:

BRASÍLIA - Sem uma estratégia crível de corte de gastos, a economia brasileira deverá enfrentar um cenário de bastante dificuldade. Analistas alertam que uma política fiscal frouxa acarretará num ciclo bastante perverso já conhecido: a percepção de risco elevada manterá o real desvalorizado, o que trará impactos diretos sobre a inflação e na condução da política monetária.

Haddad se reúne hoje com o presidente Lula para definir sobre programa de corte de gastos  Foto: Wilton Junior/WILTON JUNIOR/Estadão

Hoje, o Brasil enfrenta um dilema em suas contas públicas. A economia brasileira já é bastante endividada para uma nação emergente, e percepção de risco é elevada, pois não há uma previsão clara de quando o endividamento do País vai ser estancado.

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O mercado e os analistas, portanto, aguardam com ansiedade o pacote de cortes de gastos que será apresentado pela equipe econômica. Nesta segunda-feira, 4, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou acreditar que as medidas devem ser anunciadas nesta semana.

Mais do que trazer previsibilidade para as contas públicas do País, as medidas são necessárias para fazer com que o arcabouço fiscal sobreviva num cenário em que as despesas obrigatórias estão esmagando as discricionárias. Uma das possibilidades em estudo é limitar as principais gastos do Orçamento a um crescimento real de 2,5% ao ano, o mesmo teto do arcabouço.

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Abaixo, analistas convidados pelo Estadão detalham o que pode acontecer se o pacote do governo for considerado tímido. Leia análises de Alessandra Ribeiro, sócia e diretora na Tendências Consultoria; Alexandre Manoel, economista-chefe da Az Quest; Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners; Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados; e Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management.

Alessandra Ribeiro: “Ideal é que o pacote seja ambicioso e enderece questões estruturais”

Alessandra Ribeiro, sócia e diretora na Tendências Consultoria Foto: Fabiane Lazzareschi - Fotografia/Fabiane Lazzareschi - fotografia
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Nas últimas semanas, há uma piora importante na percepção de risco com relação à economia brasileira, devido à junção de elementos externos e domésticos, com a potencial eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e seus efeitos adversos para economias emergentes e as consequências sobre um cenário interno já marcado por preocupação com a sustentabilidade do arcabouço fiscal e a dinâmica das contas públicas.

Neste contexto, é grande a expectativa em torno do anúncio do governo sobre o programa de corte de gastos. No entanto, dado o atual nível de deterioração das expectativas e precificação de risco nos ativos financeiros, o ideal é que o pacote seja ambicioso, endereçando questões estruturais como a vinculação do piso previdenciário à política de reajuste do salário mínimo, o Benefício de Prestação Continuada/Loas, pisos constitucionais de saúde e educação, atualmente atrelados ao desempenho das receitas federais, e reformulação do abono-salarial.

No momento, o principal risco é de anúncio de medidas de impacto pequeno ou moderado, na linha de um pente-fino de programas já existentes, ou de pouca factibilidade. Neste caso, deve ser observada nova onda de piora das expectativas, que deve se traduzir em novos movimentos de depreciação do real, de aumento dos juros futuros e de queda da bolsa. O Banco Central teria de ser ainda mais agressivo no ciclo atual de aperto da política monetária.

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A piora precificada pelos ativos financeiros afeta a economia real com alguma defasagem. Assim, esse cenário resultaria em queda da confiança dos agentes econômicos, piora nas condições de crédito às famílias e empresas e menor propensão ao consumo e investimentos, ou seja, menor crescimento econômico e efeitos adversos para o mercado de trabalho.

Para as contas públicas, o cenário desenhado torna o quadro ainda mais desafiador, dados os efeitos negativos para a arrecadação e para o aumento do custo financeiro de rolagem da dívida pública, na medida em que há exigência de juros mais altos para financiar um ativo percebido como mais arriscado. Em suma, delineia-se, assim, o caminho para um cenário pessimista para a economia brasileira, que pode ser potencializado por quadro externo ainda mais complicado.

Alexandre Manoel: ‘Governo precisa demonstrar um horizonte de sustentabilidade para as contas públicas’

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Alexandre Manoel, economista-chefe da Az Quest Foto: Gustavo Raniere/Ministério da Economia

O encerramento do mercado na última sexta-feira, 1º de novembro, refletiu um cenário preocupante para a economia brasileira, com o dólar cotado acima de R$ 5,80 e pressionado para cima, além dos juros longos superando 13%, o que indica uma taxa de juro real acima de 8%. Esse contexto sinaliza as dificuldades que o País pode enfrentar caso o pacote de ajuste nas despesas obrigatórias não se mostre eficaz para conter a crescente percepção de falta de sustentabilidade da dívida pública.

Para uma melhora na percepção do mercado sobre a situação fiscal do Brasil, o governo precisa demonstrar um horizonte de sustentabilidade para as contas públicas. Isso só será alcançado caso se torne crível que o déficit primário estrutural, projetado pelo mercado em cerca de 0,5% do PIB, será revertido, transformando-se em um superávit primário estrutural capaz de garantir a sustentabilidade da dívida ao longo do tempo.

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Durante o governo Jair Bolsonaro, a despesa primária em relação ao PIB era de 18%. A expectativa é que esse índice tenha se elevado permanentemente para 19% no governo atual, com perspectiva de crescimento especialmente pelas iniciativas de gastos parafiscais. Em contrapartida, a receita líquida, descontadas as transferências, passou de 17,5% para 18,5% do PIB, deixando, assim, um déficit primário estrutural de aproximadamente 0,5% do PIB.

Desde 2023, o atual governo ainda não demonstrou um compromisso claro com a restrição orçamentária. O ministro Fernando Haddad alega ter herdado despesas obrigatórias sem fonte de financiamento definida, como os custos adicionais da complementação federal do Fundeb e das emendas impositivas. Contudo, o governo anterior lidava com essas pressões controlando certos gastos, como a não valorização real do salário-mínimo e a suspensão dos pisos mínimos para saúde e educação.

Para que a sustentabilidade da dívida pública se torne credível, o governo atual precisará tomar decisões de política pública que respeitem a restrição orçamentária e sinalizem o compromisso com uma trajetória fiscal responsável.

Luis Otávio Leal: ‘Falta de ajuste vai aumentar a percepção de que a dívida pode entrar em uma trajetória explosiva’

Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners 

Um cenário no qual tenhamos um pacote fiscal sem grandes progressos em termos de ajuste fiscal ou que nem tenhamos tal pacote pode variar entre ruim e muito ruim. O motivo é que a falta de um ajuste fiscal vai aumentar a percepção de que a dívida pública brasileira pode entrar em uma trajetória explosiva e vai colocar o Brasil em um círculo vicioso que pode nos levar à temida “dominância fiscal”. Mas indo por partes.

O tal círculo vicioso teria como variável chave o câmbio. Quanto maior a percepção de descontrole fiscal, maior a percepção de insustentabilidade da dívida, maior o prêmio de risco sobre os ativos brasileiros, consequentemente, mais desvalorizado ficará o real, impactando a inflação, levando o Banco Central a elevar e/ou a manter os juros elevados durante mais tempo. Aqui é que esse círculo vicioso pode se transformar em “dominância fiscal”.

Atualmente o governo tem em estoque algo em torno de 40% de títulos indexados à Selic. Ou seja, uma política monetária mais apertada, com aumentos sucessivos da Selic, terá três efeitos. O primeiro é aumentar instantaneamente a dívida, piorando a relação (dívida/PIB) pelo numerador. O segundo é reduzindo o nível de atividade, piorando a relação supracitada pelo denominador.

O terceiro é produzir uma transferência de renda entra o governo e o setor privado. Os dois primeiros efeitos irão amplificar o círculo vicioso visto anteriormente e o último vai forçar o Banco Central a elevar ainda mais a Selic, piorando os dois primeiros efeitos. Tudo isso junto nos leva a tal “dominância fiscal”.

No início dissemos que os cenários iriam de ruins à muito ruins. A diferença, basicamente se refere ao cenário externo. Um cenário externo menos amigável a ativos arriscados como o brasileiro seria um catalizador dos cenários supracitados e dois riscos se sobressaem sobre os demais. Uma vitória de Donald Trump na eleição americana desta semana e uma política monetária nos EUA mais apertada do que o esperado, sendo que o primeiro risco, aumenta exponencialmente o segundo.

Sergio Vale: ‘Caso o pacote seja aquém do desejável, o governo continuará vendo o câmbio depreciar′

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados  Foto: Gabriela Biló/Estadão

O governo perdeu dois anos preciosos buscando o ajuste fiscal impossível via arrecadação. Agora, o controle do gasto se torna inadiável e quanto mais demorar para acontecer, maior terá que ser o ajuste.

Há duas opções aqui: uma, o governo faz ajustes pontuais, mas relevantes, como no Fundeb, no abono salarial, no salário desemprego e no BPC; outra opção, a ideal, seria um ajuste mais agressivo que envolvesse as questões anteriores e se adicionasse o limite de gasto de saúde e educação dentro do teto de crescimento de 2,5% e a desvinculação do salário mínimo da Previdência, que são medidas de longo prazo importantes para mudar a trajetória da dívida pública.

Dado que a percepção de risco por parte do governo ficou clara, espera-se que Lula aceite as propostas mais duras, necessárias para que seu governo chegue bem em 2026. Caso contrário, o próximo teste do câmbio será a R$ 6.

Com o risco internacional aumentando com uma possível vitória de Donald Trump, deveríamos aproveitar esse momento nebuloso para sermos mais ousados no ajuste fiscal. É o velho Brasil que chega à beira do abismo, mas não pula. Mas será importante que esse ajuste seja realmente relevante e não mais do mesmo do que vimos até agora.

Caso o pacote seja aquém do desejável, o governo continuará vendo o câmbio depreciar, e os juros se manterão elevados por mais tempo. Com o câmbio depreciado e chegando a R$ 6, se o governo entregar um pacote fraco, veremos a inflação no ano que vem caminhar para 5%. Depende do governo ter um 2026 bom na economia, mas isso só vai acontecer se houver um ajuste fiscal de qualidade a partir de agora.

Solange Srour: ‘Sem ajuste fiscal crível, corremos o risco de enfrentar uma crise econômica’

Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management Foto: Wilton Junior/ESTADÃO CONTEÚDO

Caso o Brasil não implemente um ajuste fiscal crível, que sinalize um compromisso sério com a sustentabilidade fiscal, corremos o risco de enfrentar uma crise econômica. Sem medidas sólidas de contenção de gastos, o contínuo aumento do endividamento público pode ser visto como “fora de controle”. O prêmio de risco exigido pelos investidores que financiam a dívida pública aumentará, assim como a busca por proteção do patrimônio e dos investimentos (o chamado “hedge”), o que geralmente resulta em uma forte depreciação cambial. O quanto a economia desacelerará e o quanto a inflação subirá também dependerão dos desdobramentos do cenário externo, que apresenta um elevado nível de incerteza devido aos resultados das eleições nos EUA. No entanto, é praticamente impossível escaparmos dessa combinação perversa.

Em um ambiente de baixa confiança fiscal, o Tesouro Nacional enfrentará dificuldades para rolar a dívida pública. A redução da demanda por títulos públicos, além de encarecer sua colocação, tende a piorar seu perfil (com a participação de títulos pré-fixados diminuindo consideravelmente, enquanto aumenta a participação de títulos indexados à Selic) e a encurtar seu prazo de vencimento. Em períodos de alta volatilidade, a concentração de vencimentos em prazos curtos cria um desafio adicional para o Tesouro, que inevitavelmente, em algum momento, acaba sancionando as condições do mercado.

A continuidade da ausência de uma âncora fiscal também pressiona as expectativas de inflação, que já estão bastante desancoradas, ao mesmo tempo em que a desvalorização do câmbio é repassada para os preços. Neste cenário, o Banco Central não tem outra alternativa a não ser adotar uma política monetária mais restritiva, mesmo que esta já se encontre em território restritivo. Se a política fiscal expansionista não for freada, a restrição da política monetária precisará ser maior.

Dependendo de quanto a Selic subir e de quanto a curva de juros projetar para o futuro, voltaremos a discutir seriamente se estamos entrando em um cenário de dominância fiscal. Chegaremos, então, a um momento em que a combinação perversa de mais inflação e menos crescimento se acentua, exigindo por fim um ajuste fiscal muito mais intenso e rápido do que o esperado atualmente para garantir a estabilidade da dívida.

Em momentos de crise de confiança, a implementação de reformas dos fatores que causam o aumento real dos gastos obrigatórios acima do permitido pelo arcabouço é essencial para ancorar as expectativas de inflação, estabilizar a moeda e reduzir os juros demandados pelos investidores. O modelo de aumento de despesas e busca de mais receitas (muitas vezes não recorrentes) está definitivamente esgotado. Se conseguirmos um choque de credibilidade agora, teremos tempo para discutir se o arcabouço atual é suficiente pra estabilizar a dívida. Cada coisa a seu tempo.

BRASÍLIA - Sem uma estratégia crível de corte de gastos, a economia brasileira deverá enfrentar um cenário de bastante dificuldade. Analistas alertam que uma política fiscal frouxa acarretará num ciclo bastante perverso já conhecido: a percepção de risco elevada manterá o real desvalorizado, o que trará impactos diretos sobre a inflação e na condução da política monetária.

Haddad se reúne hoje com o presidente Lula para definir sobre programa de corte de gastos  Foto: Wilton Junior/WILTON JUNIOR/Estadão

Hoje, o Brasil enfrenta um dilema em suas contas públicas. A economia brasileira já é bastante endividada para uma nação emergente, e percepção de risco é elevada, pois não há uma previsão clara de quando o endividamento do País vai ser estancado.

O mercado e os analistas, portanto, aguardam com ansiedade o pacote de cortes de gastos que será apresentado pela equipe econômica. Nesta segunda-feira, 4, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou acreditar que as medidas devem ser anunciadas nesta semana.

Mais do que trazer previsibilidade para as contas públicas do País, as medidas são necessárias para fazer com que o arcabouço fiscal sobreviva num cenário em que as despesas obrigatórias estão esmagando as discricionárias. Uma das possibilidades em estudo é limitar as principais gastos do Orçamento a um crescimento real de 2,5% ao ano, o mesmo teto do arcabouço.

Abaixo, analistas convidados pelo Estadão detalham o que pode acontecer se o pacote do governo for considerado tímido. Leia análises de Alessandra Ribeiro, sócia e diretora na Tendências Consultoria; Alexandre Manoel, economista-chefe da Az Quest; Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners; Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados; e Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management.

Alessandra Ribeiro: “Ideal é que o pacote seja ambicioso e enderece questões estruturais”

Alessandra Ribeiro, sócia e diretora na Tendências Consultoria Foto: Fabiane Lazzareschi - Fotografia/Fabiane Lazzareschi - fotografia

Nas últimas semanas, há uma piora importante na percepção de risco com relação à economia brasileira, devido à junção de elementos externos e domésticos, com a potencial eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e seus efeitos adversos para economias emergentes e as consequências sobre um cenário interno já marcado por preocupação com a sustentabilidade do arcabouço fiscal e a dinâmica das contas públicas.

Neste contexto, é grande a expectativa em torno do anúncio do governo sobre o programa de corte de gastos. No entanto, dado o atual nível de deterioração das expectativas e precificação de risco nos ativos financeiros, o ideal é que o pacote seja ambicioso, endereçando questões estruturais como a vinculação do piso previdenciário à política de reajuste do salário mínimo, o Benefício de Prestação Continuada/Loas, pisos constitucionais de saúde e educação, atualmente atrelados ao desempenho das receitas federais, e reformulação do abono-salarial.

No momento, o principal risco é de anúncio de medidas de impacto pequeno ou moderado, na linha de um pente-fino de programas já existentes, ou de pouca factibilidade. Neste caso, deve ser observada nova onda de piora das expectativas, que deve se traduzir em novos movimentos de depreciação do real, de aumento dos juros futuros e de queda da bolsa. O Banco Central teria de ser ainda mais agressivo no ciclo atual de aperto da política monetária.

A piora precificada pelos ativos financeiros afeta a economia real com alguma defasagem. Assim, esse cenário resultaria em queda da confiança dos agentes econômicos, piora nas condições de crédito às famílias e empresas e menor propensão ao consumo e investimentos, ou seja, menor crescimento econômico e efeitos adversos para o mercado de trabalho.

Para as contas públicas, o cenário desenhado torna o quadro ainda mais desafiador, dados os efeitos negativos para a arrecadação e para o aumento do custo financeiro de rolagem da dívida pública, na medida em que há exigência de juros mais altos para financiar um ativo percebido como mais arriscado. Em suma, delineia-se, assim, o caminho para um cenário pessimista para a economia brasileira, que pode ser potencializado por quadro externo ainda mais complicado.

Alexandre Manoel: ‘Governo precisa demonstrar um horizonte de sustentabilidade para as contas públicas’

Alexandre Manoel, economista-chefe da Az Quest Foto: Gustavo Raniere/Ministério da Economia

O encerramento do mercado na última sexta-feira, 1º de novembro, refletiu um cenário preocupante para a economia brasileira, com o dólar cotado acima de R$ 5,80 e pressionado para cima, além dos juros longos superando 13%, o que indica uma taxa de juro real acima de 8%. Esse contexto sinaliza as dificuldades que o País pode enfrentar caso o pacote de ajuste nas despesas obrigatórias não se mostre eficaz para conter a crescente percepção de falta de sustentabilidade da dívida pública.

Para uma melhora na percepção do mercado sobre a situação fiscal do Brasil, o governo precisa demonstrar um horizonte de sustentabilidade para as contas públicas. Isso só será alcançado caso se torne crível que o déficit primário estrutural, projetado pelo mercado em cerca de 0,5% do PIB, será revertido, transformando-se em um superávit primário estrutural capaz de garantir a sustentabilidade da dívida ao longo do tempo.

Durante o governo Jair Bolsonaro, a despesa primária em relação ao PIB era de 18%. A expectativa é que esse índice tenha se elevado permanentemente para 19% no governo atual, com perspectiva de crescimento especialmente pelas iniciativas de gastos parafiscais. Em contrapartida, a receita líquida, descontadas as transferências, passou de 17,5% para 18,5% do PIB, deixando, assim, um déficit primário estrutural de aproximadamente 0,5% do PIB.

Desde 2023, o atual governo ainda não demonstrou um compromisso claro com a restrição orçamentária. O ministro Fernando Haddad alega ter herdado despesas obrigatórias sem fonte de financiamento definida, como os custos adicionais da complementação federal do Fundeb e das emendas impositivas. Contudo, o governo anterior lidava com essas pressões controlando certos gastos, como a não valorização real do salário-mínimo e a suspensão dos pisos mínimos para saúde e educação.

Para que a sustentabilidade da dívida pública se torne credível, o governo atual precisará tomar decisões de política pública que respeitem a restrição orçamentária e sinalizem o compromisso com uma trajetória fiscal responsável.

Luis Otávio Leal: ‘Falta de ajuste vai aumentar a percepção de que a dívida pode entrar em uma trajetória explosiva’

Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners 

Um cenário no qual tenhamos um pacote fiscal sem grandes progressos em termos de ajuste fiscal ou que nem tenhamos tal pacote pode variar entre ruim e muito ruim. O motivo é que a falta de um ajuste fiscal vai aumentar a percepção de que a dívida pública brasileira pode entrar em uma trajetória explosiva e vai colocar o Brasil em um círculo vicioso que pode nos levar à temida “dominância fiscal”. Mas indo por partes.

O tal círculo vicioso teria como variável chave o câmbio. Quanto maior a percepção de descontrole fiscal, maior a percepção de insustentabilidade da dívida, maior o prêmio de risco sobre os ativos brasileiros, consequentemente, mais desvalorizado ficará o real, impactando a inflação, levando o Banco Central a elevar e/ou a manter os juros elevados durante mais tempo. Aqui é que esse círculo vicioso pode se transformar em “dominância fiscal”.

Atualmente o governo tem em estoque algo em torno de 40% de títulos indexados à Selic. Ou seja, uma política monetária mais apertada, com aumentos sucessivos da Selic, terá três efeitos. O primeiro é aumentar instantaneamente a dívida, piorando a relação (dívida/PIB) pelo numerador. O segundo é reduzindo o nível de atividade, piorando a relação supracitada pelo denominador.

O terceiro é produzir uma transferência de renda entra o governo e o setor privado. Os dois primeiros efeitos irão amplificar o círculo vicioso visto anteriormente e o último vai forçar o Banco Central a elevar ainda mais a Selic, piorando os dois primeiros efeitos. Tudo isso junto nos leva a tal “dominância fiscal”.

No início dissemos que os cenários iriam de ruins à muito ruins. A diferença, basicamente se refere ao cenário externo. Um cenário externo menos amigável a ativos arriscados como o brasileiro seria um catalizador dos cenários supracitados e dois riscos se sobressaem sobre os demais. Uma vitória de Donald Trump na eleição americana desta semana e uma política monetária nos EUA mais apertada do que o esperado, sendo que o primeiro risco, aumenta exponencialmente o segundo.

Sergio Vale: ‘Caso o pacote seja aquém do desejável, o governo continuará vendo o câmbio depreciar′

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados  Foto: Gabriela Biló/Estadão

O governo perdeu dois anos preciosos buscando o ajuste fiscal impossível via arrecadação. Agora, o controle do gasto se torna inadiável e quanto mais demorar para acontecer, maior terá que ser o ajuste.

Há duas opções aqui: uma, o governo faz ajustes pontuais, mas relevantes, como no Fundeb, no abono salarial, no salário desemprego e no BPC; outra opção, a ideal, seria um ajuste mais agressivo que envolvesse as questões anteriores e se adicionasse o limite de gasto de saúde e educação dentro do teto de crescimento de 2,5% e a desvinculação do salário mínimo da Previdência, que são medidas de longo prazo importantes para mudar a trajetória da dívida pública.

Dado que a percepção de risco por parte do governo ficou clara, espera-se que Lula aceite as propostas mais duras, necessárias para que seu governo chegue bem em 2026. Caso contrário, o próximo teste do câmbio será a R$ 6.

Com o risco internacional aumentando com uma possível vitória de Donald Trump, deveríamos aproveitar esse momento nebuloso para sermos mais ousados no ajuste fiscal. É o velho Brasil que chega à beira do abismo, mas não pula. Mas será importante que esse ajuste seja realmente relevante e não mais do mesmo do que vimos até agora.

Caso o pacote seja aquém do desejável, o governo continuará vendo o câmbio depreciar, e os juros se manterão elevados por mais tempo. Com o câmbio depreciado e chegando a R$ 6, se o governo entregar um pacote fraco, veremos a inflação no ano que vem caminhar para 5%. Depende do governo ter um 2026 bom na economia, mas isso só vai acontecer se houver um ajuste fiscal de qualidade a partir de agora.

Solange Srour: ‘Sem ajuste fiscal crível, corremos o risco de enfrentar uma crise econômica’

Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management Foto: Wilton Junior/ESTADÃO CONTEÚDO

Caso o Brasil não implemente um ajuste fiscal crível, que sinalize um compromisso sério com a sustentabilidade fiscal, corremos o risco de enfrentar uma crise econômica. Sem medidas sólidas de contenção de gastos, o contínuo aumento do endividamento público pode ser visto como “fora de controle”. O prêmio de risco exigido pelos investidores que financiam a dívida pública aumentará, assim como a busca por proteção do patrimônio e dos investimentos (o chamado “hedge”), o que geralmente resulta em uma forte depreciação cambial. O quanto a economia desacelerará e o quanto a inflação subirá também dependerão dos desdobramentos do cenário externo, que apresenta um elevado nível de incerteza devido aos resultados das eleições nos EUA. No entanto, é praticamente impossível escaparmos dessa combinação perversa.

Em um ambiente de baixa confiança fiscal, o Tesouro Nacional enfrentará dificuldades para rolar a dívida pública. A redução da demanda por títulos públicos, além de encarecer sua colocação, tende a piorar seu perfil (com a participação de títulos pré-fixados diminuindo consideravelmente, enquanto aumenta a participação de títulos indexados à Selic) e a encurtar seu prazo de vencimento. Em períodos de alta volatilidade, a concentração de vencimentos em prazos curtos cria um desafio adicional para o Tesouro, que inevitavelmente, em algum momento, acaba sancionando as condições do mercado.

A continuidade da ausência de uma âncora fiscal também pressiona as expectativas de inflação, que já estão bastante desancoradas, ao mesmo tempo em que a desvalorização do câmbio é repassada para os preços. Neste cenário, o Banco Central não tem outra alternativa a não ser adotar uma política monetária mais restritiva, mesmo que esta já se encontre em território restritivo. Se a política fiscal expansionista não for freada, a restrição da política monetária precisará ser maior.

Dependendo de quanto a Selic subir e de quanto a curva de juros projetar para o futuro, voltaremos a discutir seriamente se estamos entrando em um cenário de dominância fiscal. Chegaremos, então, a um momento em que a combinação perversa de mais inflação e menos crescimento se acentua, exigindo por fim um ajuste fiscal muito mais intenso e rápido do que o esperado atualmente para garantir a estabilidade da dívida.

Em momentos de crise de confiança, a implementação de reformas dos fatores que causam o aumento real dos gastos obrigatórios acima do permitido pelo arcabouço é essencial para ancorar as expectativas de inflação, estabilizar a moeda e reduzir os juros demandados pelos investidores. O modelo de aumento de despesas e busca de mais receitas (muitas vezes não recorrentes) está definitivamente esgotado. Se conseguirmos um choque de credibilidade agora, teremos tempo para discutir se o arcabouço atual é suficiente pra estabilizar a dívida. Cada coisa a seu tempo.

BRASÍLIA - Sem uma estratégia crível de corte de gastos, a economia brasileira deverá enfrentar um cenário de bastante dificuldade. Analistas alertam que uma política fiscal frouxa acarretará num ciclo bastante perverso já conhecido: a percepção de risco elevada manterá o real desvalorizado, o que trará impactos diretos sobre a inflação e na condução da política monetária.

Haddad se reúne hoje com o presidente Lula para definir sobre programa de corte de gastos  Foto: Wilton Junior/WILTON JUNIOR/Estadão

Hoje, o Brasil enfrenta um dilema em suas contas públicas. A economia brasileira já é bastante endividada para uma nação emergente, e percepção de risco é elevada, pois não há uma previsão clara de quando o endividamento do País vai ser estancado.

O mercado e os analistas, portanto, aguardam com ansiedade o pacote de cortes de gastos que será apresentado pela equipe econômica. Nesta segunda-feira, 4, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou acreditar que as medidas devem ser anunciadas nesta semana.

Mais do que trazer previsibilidade para as contas públicas do País, as medidas são necessárias para fazer com que o arcabouço fiscal sobreviva num cenário em que as despesas obrigatórias estão esmagando as discricionárias. Uma das possibilidades em estudo é limitar as principais gastos do Orçamento a um crescimento real de 2,5% ao ano, o mesmo teto do arcabouço.

Abaixo, analistas convidados pelo Estadão detalham o que pode acontecer se o pacote do governo for considerado tímido. Leia análises de Alessandra Ribeiro, sócia e diretora na Tendências Consultoria; Alexandre Manoel, economista-chefe da Az Quest; Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners; Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados; e Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management.

Alessandra Ribeiro: “Ideal é que o pacote seja ambicioso e enderece questões estruturais”

Alessandra Ribeiro, sócia e diretora na Tendências Consultoria Foto: Fabiane Lazzareschi - Fotografia/Fabiane Lazzareschi - fotografia

Nas últimas semanas, há uma piora importante na percepção de risco com relação à economia brasileira, devido à junção de elementos externos e domésticos, com a potencial eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e seus efeitos adversos para economias emergentes e as consequências sobre um cenário interno já marcado por preocupação com a sustentabilidade do arcabouço fiscal e a dinâmica das contas públicas.

Neste contexto, é grande a expectativa em torno do anúncio do governo sobre o programa de corte de gastos. No entanto, dado o atual nível de deterioração das expectativas e precificação de risco nos ativos financeiros, o ideal é que o pacote seja ambicioso, endereçando questões estruturais como a vinculação do piso previdenciário à política de reajuste do salário mínimo, o Benefício de Prestação Continuada/Loas, pisos constitucionais de saúde e educação, atualmente atrelados ao desempenho das receitas federais, e reformulação do abono-salarial.

No momento, o principal risco é de anúncio de medidas de impacto pequeno ou moderado, na linha de um pente-fino de programas já existentes, ou de pouca factibilidade. Neste caso, deve ser observada nova onda de piora das expectativas, que deve se traduzir em novos movimentos de depreciação do real, de aumento dos juros futuros e de queda da bolsa. O Banco Central teria de ser ainda mais agressivo no ciclo atual de aperto da política monetária.

A piora precificada pelos ativos financeiros afeta a economia real com alguma defasagem. Assim, esse cenário resultaria em queda da confiança dos agentes econômicos, piora nas condições de crédito às famílias e empresas e menor propensão ao consumo e investimentos, ou seja, menor crescimento econômico e efeitos adversos para o mercado de trabalho.

Para as contas públicas, o cenário desenhado torna o quadro ainda mais desafiador, dados os efeitos negativos para a arrecadação e para o aumento do custo financeiro de rolagem da dívida pública, na medida em que há exigência de juros mais altos para financiar um ativo percebido como mais arriscado. Em suma, delineia-se, assim, o caminho para um cenário pessimista para a economia brasileira, que pode ser potencializado por quadro externo ainda mais complicado.

Alexandre Manoel: ‘Governo precisa demonstrar um horizonte de sustentabilidade para as contas públicas’

Alexandre Manoel, economista-chefe da Az Quest Foto: Gustavo Raniere/Ministério da Economia

O encerramento do mercado na última sexta-feira, 1º de novembro, refletiu um cenário preocupante para a economia brasileira, com o dólar cotado acima de R$ 5,80 e pressionado para cima, além dos juros longos superando 13%, o que indica uma taxa de juro real acima de 8%. Esse contexto sinaliza as dificuldades que o País pode enfrentar caso o pacote de ajuste nas despesas obrigatórias não se mostre eficaz para conter a crescente percepção de falta de sustentabilidade da dívida pública.

Para uma melhora na percepção do mercado sobre a situação fiscal do Brasil, o governo precisa demonstrar um horizonte de sustentabilidade para as contas públicas. Isso só será alcançado caso se torne crível que o déficit primário estrutural, projetado pelo mercado em cerca de 0,5% do PIB, será revertido, transformando-se em um superávit primário estrutural capaz de garantir a sustentabilidade da dívida ao longo do tempo.

Durante o governo Jair Bolsonaro, a despesa primária em relação ao PIB era de 18%. A expectativa é que esse índice tenha se elevado permanentemente para 19% no governo atual, com perspectiva de crescimento especialmente pelas iniciativas de gastos parafiscais. Em contrapartida, a receita líquida, descontadas as transferências, passou de 17,5% para 18,5% do PIB, deixando, assim, um déficit primário estrutural de aproximadamente 0,5% do PIB.

Desde 2023, o atual governo ainda não demonstrou um compromisso claro com a restrição orçamentária. O ministro Fernando Haddad alega ter herdado despesas obrigatórias sem fonte de financiamento definida, como os custos adicionais da complementação federal do Fundeb e das emendas impositivas. Contudo, o governo anterior lidava com essas pressões controlando certos gastos, como a não valorização real do salário-mínimo e a suspensão dos pisos mínimos para saúde e educação.

Para que a sustentabilidade da dívida pública se torne credível, o governo atual precisará tomar decisões de política pública que respeitem a restrição orçamentária e sinalizem o compromisso com uma trajetória fiscal responsável.

Luis Otávio Leal: ‘Falta de ajuste vai aumentar a percepção de que a dívida pode entrar em uma trajetória explosiva’

Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners 

Um cenário no qual tenhamos um pacote fiscal sem grandes progressos em termos de ajuste fiscal ou que nem tenhamos tal pacote pode variar entre ruim e muito ruim. O motivo é que a falta de um ajuste fiscal vai aumentar a percepção de que a dívida pública brasileira pode entrar em uma trajetória explosiva e vai colocar o Brasil em um círculo vicioso que pode nos levar à temida “dominância fiscal”. Mas indo por partes.

O tal círculo vicioso teria como variável chave o câmbio. Quanto maior a percepção de descontrole fiscal, maior a percepção de insustentabilidade da dívida, maior o prêmio de risco sobre os ativos brasileiros, consequentemente, mais desvalorizado ficará o real, impactando a inflação, levando o Banco Central a elevar e/ou a manter os juros elevados durante mais tempo. Aqui é que esse círculo vicioso pode se transformar em “dominância fiscal”.

Atualmente o governo tem em estoque algo em torno de 40% de títulos indexados à Selic. Ou seja, uma política monetária mais apertada, com aumentos sucessivos da Selic, terá três efeitos. O primeiro é aumentar instantaneamente a dívida, piorando a relação (dívida/PIB) pelo numerador. O segundo é reduzindo o nível de atividade, piorando a relação supracitada pelo denominador.

O terceiro é produzir uma transferência de renda entra o governo e o setor privado. Os dois primeiros efeitos irão amplificar o círculo vicioso visto anteriormente e o último vai forçar o Banco Central a elevar ainda mais a Selic, piorando os dois primeiros efeitos. Tudo isso junto nos leva a tal “dominância fiscal”.

No início dissemos que os cenários iriam de ruins à muito ruins. A diferença, basicamente se refere ao cenário externo. Um cenário externo menos amigável a ativos arriscados como o brasileiro seria um catalizador dos cenários supracitados e dois riscos se sobressaem sobre os demais. Uma vitória de Donald Trump na eleição americana desta semana e uma política monetária nos EUA mais apertada do que o esperado, sendo que o primeiro risco, aumenta exponencialmente o segundo.

Sergio Vale: ‘Caso o pacote seja aquém do desejável, o governo continuará vendo o câmbio depreciar′

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados  Foto: Gabriela Biló/Estadão

O governo perdeu dois anos preciosos buscando o ajuste fiscal impossível via arrecadação. Agora, o controle do gasto se torna inadiável e quanto mais demorar para acontecer, maior terá que ser o ajuste.

Há duas opções aqui: uma, o governo faz ajustes pontuais, mas relevantes, como no Fundeb, no abono salarial, no salário desemprego e no BPC; outra opção, a ideal, seria um ajuste mais agressivo que envolvesse as questões anteriores e se adicionasse o limite de gasto de saúde e educação dentro do teto de crescimento de 2,5% e a desvinculação do salário mínimo da Previdência, que são medidas de longo prazo importantes para mudar a trajetória da dívida pública.

Dado que a percepção de risco por parte do governo ficou clara, espera-se que Lula aceite as propostas mais duras, necessárias para que seu governo chegue bem em 2026. Caso contrário, o próximo teste do câmbio será a R$ 6.

Com o risco internacional aumentando com uma possível vitória de Donald Trump, deveríamos aproveitar esse momento nebuloso para sermos mais ousados no ajuste fiscal. É o velho Brasil que chega à beira do abismo, mas não pula. Mas será importante que esse ajuste seja realmente relevante e não mais do mesmo do que vimos até agora.

Caso o pacote seja aquém do desejável, o governo continuará vendo o câmbio depreciar, e os juros se manterão elevados por mais tempo. Com o câmbio depreciado e chegando a R$ 6, se o governo entregar um pacote fraco, veremos a inflação no ano que vem caminhar para 5%. Depende do governo ter um 2026 bom na economia, mas isso só vai acontecer se houver um ajuste fiscal de qualidade a partir de agora.

Solange Srour: ‘Sem ajuste fiscal crível, corremos o risco de enfrentar uma crise econômica’

Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management Foto: Wilton Junior/ESTADÃO CONTEÚDO

Caso o Brasil não implemente um ajuste fiscal crível, que sinalize um compromisso sério com a sustentabilidade fiscal, corremos o risco de enfrentar uma crise econômica. Sem medidas sólidas de contenção de gastos, o contínuo aumento do endividamento público pode ser visto como “fora de controle”. O prêmio de risco exigido pelos investidores que financiam a dívida pública aumentará, assim como a busca por proteção do patrimônio e dos investimentos (o chamado “hedge”), o que geralmente resulta em uma forte depreciação cambial. O quanto a economia desacelerará e o quanto a inflação subirá também dependerão dos desdobramentos do cenário externo, que apresenta um elevado nível de incerteza devido aos resultados das eleições nos EUA. No entanto, é praticamente impossível escaparmos dessa combinação perversa.

Em um ambiente de baixa confiança fiscal, o Tesouro Nacional enfrentará dificuldades para rolar a dívida pública. A redução da demanda por títulos públicos, além de encarecer sua colocação, tende a piorar seu perfil (com a participação de títulos pré-fixados diminuindo consideravelmente, enquanto aumenta a participação de títulos indexados à Selic) e a encurtar seu prazo de vencimento. Em períodos de alta volatilidade, a concentração de vencimentos em prazos curtos cria um desafio adicional para o Tesouro, que inevitavelmente, em algum momento, acaba sancionando as condições do mercado.

A continuidade da ausência de uma âncora fiscal também pressiona as expectativas de inflação, que já estão bastante desancoradas, ao mesmo tempo em que a desvalorização do câmbio é repassada para os preços. Neste cenário, o Banco Central não tem outra alternativa a não ser adotar uma política monetária mais restritiva, mesmo que esta já se encontre em território restritivo. Se a política fiscal expansionista não for freada, a restrição da política monetária precisará ser maior.

Dependendo de quanto a Selic subir e de quanto a curva de juros projetar para o futuro, voltaremos a discutir seriamente se estamos entrando em um cenário de dominância fiscal. Chegaremos, então, a um momento em que a combinação perversa de mais inflação e menos crescimento se acentua, exigindo por fim um ajuste fiscal muito mais intenso e rápido do que o esperado atualmente para garantir a estabilidade da dívida.

Em momentos de crise de confiança, a implementação de reformas dos fatores que causam o aumento real dos gastos obrigatórios acima do permitido pelo arcabouço é essencial para ancorar as expectativas de inflação, estabilizar a moeda e reduzir os juros demandados pelos investidores. O modelo de aumento de despesas e busca de mais receitas (muitas vezes não recorrentes) está definitivamente esgotado. Se conseguirmos um choque de credibilidade agora, teremos tempo para discutir se o arcabouço atual é suficiente pra estabilizar a dívida. Cada coisa a seu tempo.

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