CEO da Americanas fez ‘insinuações falsas’ à CPI, diz sócia de auditoria da KPMG


Segundo Carla Bellangero, não havia indicações de irregularidades na varejista; ‘Se tem conluio para que os auditores não identifiquem a fraude, é difícil identificar’, afirmou

Por Juliana Garçon e Talita Nascimento
Atualização:

SÃO PAULO E RIO - As empresas PricewaterhouseCopers (PwC) e KPMG, que prestaram serviços de auditoria independente à Americanas no período em que a companhia admite ter fraudado resultados para inflar suas contas em R$ 25 bilhões, rebateram as acusações da varejista de conivência com o caso. Representantes das auditorias foram ouvidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados nesta terça-feira, 1º.

A sócia de auditoria da KPMG Carla Bellangero afirmou que o atual CEO da companhia, Leonardo Coelho Pereira, fez “insinuações falsas” à CPI em 13 de junho. Ela se referia ao fato de Pereira ter afirmado que havia indícios de participação da empresa na fraude. A KPMG foi responsável técnica pelas auditorias na Americanas de 2016 a 2018.

“Sobram motivos para repudiar insinuações contra a KPMG”, disse. A executiva afirmou que, durante o trabalho com a Americanas, chamou a atenção para “as deficiências e a necessidade de melhoria nos controles de verbas de propaganda cooperadas” da empresa.

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Apesar do alerta, porém, não havia indicações de irregularidades, segundo ela. “Nada indicava fraude, situação de ato intencional na Americanas.” Além disso, a executiva enfatizou uma declaração de Coelho também na CPI: “Posso dizer que a documentação que as auditorias receberam eram documentações fraudadas”.

Ela destacou que manteve os gestores da varejista conscientes dos processos que se passavam na companhia. “Foi insinuado pelo CEO que a mudança de ‘conselho de administração’ para ‘administração’ impedia a tomada de conhecimento. Isso é falso”. Bellangero informou que manteve 50 reuniões com os representantes da governança da Americanas.

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Carla Bellangero, da KPMG, afirmou à CPI que as auditorias não encontram fraudes se os clientes a escondem Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Em meados de junho, a CPI ouviu Leonardo Coelho Pereira, que afirmou que a fraude na varejista envolvia 30 pessoas. Ele apresentou parte das informações de relatório interno de um comitê independente que apura o desfalque internamente.

Dentre essas informações, está o dado de que a fraude ajudou a incrementar os resultados da companhia ao longo do tempo em R$ 25,3 bilhões até 30 de setembro de 2022. Segundo a varejista, tal resultado decorreu de diversos contratos de verbas de publicidade artificialmente criados para melhorar os resultados, que atingiram o saldo de R$ 21,7 bilhões, enquanto a ausência de lançamento de juros sobre operações financeiras totalizaram o saldo de R$ 3,6 bilhões.

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Contrato rescindido

Bellangero disse que, por enxergar necessidade de melhorias nos processos de controle da Americanas, redigiu uma carta interina, ou seja, no meio do processo de auditoria, e não no fim. “Isso não é comum”, disse. Após esse procedimento, ela afirmou ter sido “mandada embora”.

Segundo ela, a empresa rescindiu o contrato seis dias após a auditoria ter enviado uma carta de controle que apontou “deficiências” nos controles da companhia. A KPMG fez comentários, nessas comunicações com a companhia, sobre riscos ligados a verbas de propaganda cooperadas, que, como se soube mais tarde, deram origem ao escândalo.

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Documentos trazidos pelo CEO da Americanas à CPI, porém, mostram que a KPMG mudou a redação de uma carta entregue à companhia. O texto, que originalmente continha a expressão “deficiências significativas”, o que exigiria a comunicação ao conselho de administração, foi depois entregue com o termo “recomendações que merecem a atenção da administração”.

Segundo a executiva, a mudança, alvo de questionamento dos parlamentares, foi feita por não haver implicações materiais nas falhas encontradas pela administração, tratando-se de um montante de R$ 4 milhões. Ela disse ainda que houve entendimento de que, no termo “administração”, o conselho de administração estaria englobado. Ela afirmou ainda que comunicou os órgãos de governança da empresa.

A executiva disse que as auditorias não encontram fraudes se os clientes a escondem. “Se tem conluio para que os auditores não identifiquem a fraude, é difícil identificar.” Comentando o fracasso das auditorias nesta situação, frisou: “Nós executamos, sim, a auditoria conforme as normas”.

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Mudança em documento

O líder de auditoria da PwC, Fábio Cajazeira Mendes, afirmou que as mudanças sugeridas por uma funcionária da auditoria a um dos membros da diretoria da companhia diziam respeito a um documento que a Americanas apresentaria à PwC.

Em documento levado à CPI, a auditoria teria sugerido como redigir questões ligadas a operações de risco sacado, de forma que as operações não ficassem tão claras, segundo afirmações do CEO da companhia, Leonardo Coelho.

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O risco sacado é um tipo de financiamento que se converteu no rombo de R$ 20 bilhões da varejista informado em janeiro de 2023. Na operação, há antecipação de recebíveis. O banco faz quitações diretamente com os fornecedores da companhia e é remunerado com juros após determinado prazo. O relatório dos administradores judiciais informou que essas operações tiveram início em 2015 e alcançaram R$ 15,9 bilhões em dezembro de 2022.

Nas imagens apresentadas, é possível ver a sugestão de uma funcionária da auditoria para mudanças na redação da empresa. O texto inicialmente dizia: “Confirmamos que não temos, junto aos bancos com os quais temos relação, operações contratadas de antecipação de fornecedores nas quais é oferecido risco de crédito da companhia, operações denominadas ‘forfait’, ‘confirming’, ‘risco sacado’ ou ‘securitização de contas a pagar’”.

Com a sugestão, a versão ficou: “Informamos que não temos conhecimento de que as operações de cessão de crédito realizadas a pedido de fornecedores informadas por certos bancos com os quais a companhia opera possuem qualquer anuência da companhia ou envolva a assunção de risco de crédito por parte da companhia”.

Segundo Mendes, essa sugestão foi feita para deixar o texto mais preciso e faz parte de uma comunicação frequente entre a empresa auditada e a auditoria. Ele frisou que as sugestões não alteravam as cartas de recomendações da auditoria.

Os parlamentares, em especial o deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ), fizeram críticas duras a essa conduta, argumentando que sugerir mudanças em um documento a ser entregue à própria auditoria seria como um professor instruir um aluno sobre as respostas de uma prova.

Mendes disse ainda que os auditores independentes não fazem análise e revisões de todas as transações das empresas auditadas. Ele defendeu que o risco de uma fraude deliberada não ser identificada pelos auditores é maior do que a probabilidade de que erros não sejam apontados.

“Há risco inevitável de que distorções não sejam identificadas”, disse. Ele reforçou ainda que a responsabilidade sobre as fraudes é das empresas. E que, no caso da Americanas, se as denúncias forem confirmadas, o caso seria de uma fraude de “difícil detecção”.

Risco sacado

Bellangero, da KPMG, declarou que a Americanas negou ter um volume de recursos comprometidos em operações de risco sacado, enquanto os bancos confirmavam. “Houve confirmação de duas instituições financeiras, em 2016, sobre risco sacado”, afirmou. “Em 2018, três instituições confirmaram o risco sacado”.

Porém, disse a auditora, a Americanas reafirmou que “não havia risco sacado e o banco errou”. O erro teria sido sistêmico. Na versão da auditora, depois disso, as instituições financeiras mudaram a informação anterior quanto ao risco sacado e que, por se tratar da confirmação de um terceiro, a auditoria acatou a nova informação.

A KPMG não informou o nome dos bancos envolvidos, mas os documentos mostrados pela Americanas na CPI indicavam procedimentos parecidos citando os nomes do Itaú e do Santander. À época, as instituições rebateram em nota as acusações.

Acusações genéricas

O ex-diretor financeiro e de Relações com Investidores da Americanas, o executivo Fabio Abrate também compareceu à audiência pública. Este, porém, na condição de convocado. Ele afirmou ser alvo de acusações “feitas de forma genérica”.

Protegido por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal, Abrate optou por não responder às questões dos parlamentares. Disse apenas que não teve acesso aos documentos que suportam as acusações que o atingem. “As acusações são feitas com base em documentos aos quais não tive acesso”, declarou, para complementar: “Por não saber do que estou sendo acusado, não responderei às perguntas”.

Durante a sessão, o presidente da CPI, deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE), informou que Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas, adiou seu depoimento com um atestado médico, por estar em tratamento na Espanha. Gutierrez, que esteve à frente da Americanas, tem dupla cidadania, brasileira e espanhola.

O que diz a Americanas

A varejista informou em nota que “a substituição da auditoria externa KPMG pela PwC em 2019 contou com a anuência da própria empresa de auditoria, que posteriormente manteve relação contratual com a companhia”.

“Quanto aos indícios apresentados pelo presidente da companhia à CPI em 13.6.2023, acerca da alteração, pela KPMG, da Carta de Controles Internos, a Americanas reafirma que tal alteração foi realizada para reclassificar a VPC de ‘recomendações que merecem atenção da Administração’, para ‘Outras Recomendações’, fazendo com que tal item deixasse de ser considerado como deficiência significativa”, acrescenta a empresa.

A companhia diz ainda que “reitera que o relatório apresentado à CPI é preliminar e foi entregue às autoridades competentes, que realizam suas próprias investigações”.

SÃO PAULO E RIO - As empresas PricewaterhouseCopers (PwC) e KPMG, que prestaram serviços de auditoria independente à Americanas no período em que a companhia admite ter fraudado resultados para inflar suas contas em R$ 25 bilhões, rebateram as acusações da varejista de conivência com o caso. Representantes das auditorias foram ouvidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados nesta terça-feira, 1º.

A sócia de auditoria da KPMG Carla Bellangero afirmou que o atual CEO da companhia, Leonardo Coelho Pereira, fez “insinuações falsas” à CPI em 13 de junho. Ela se referia ao fato de Pereira ter afirmado que havia indícios de participação da empresa na fraude. A KPMG foi responsável técnica pelas auditorias na Americanas de 2016 a 2018.

“Sobram motivos para repudiar insinuações contra a KPMG”, disse. A executiva afirmou que, durante o trabalho com a Americanas, chamou a atenção para “as deficiências e a necessidade de melhoria nos controles de verbas de propaganda cooperadas” da empresa.

Apesar do alerta, porém, não havia indicações de irregularidades, segundo ela. “Nada indicava fraude, situação de ato intencional na Americanas.” Além disso, a executiva enfatizou uma declaração de Coelho também na CPI: “Posso dizer que a documentação que as auditorias receberam eram documentações fraudadas”.

Ela destacou que manteve os gestores da varejista conscientes dos processos que se passavam na companhia. “Foi insinuado pelo CEO que a mudança de ‘conselho de administração’ para ‘administração’ impedia a tomada de conhecimento. Isso é falso”. Bellangero informou que manteve 50 reuniões com os representantes da governança da Americanas.

Carla Bellangero, da KPMG, afirmou à CPI que as auditorias não encontram fraudes se os clientes a escondem Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Em meados de junho, a CPI ouviu Leonardo Coelho Pereira, que afirmou que a fraude na varejista envolvia 30 pessoas. Ele apresentou parte das informações de relatório interno de um comitê independente que apura o desfalque internamente.

Dentre essas informações, está o dado de que a fraude ajudou a incrementar os resultados da companhia ao longo do tempo em R$ 25,3 bilhões até 30 de setembro de 2022. Segundo a varejista, tal resultado decorreu de diversos contratos de verbas de publicidade artificialmente criados para melhorar os resultados, que atingiram o saldo de R$ 21,7 bilhões, enquanto a ausência de lançamento de juros sobre operações financeiras totalizaram o saldo de R$ 3,6 bilhões.

Contrato rescindido

Bellangero disse que, por enxergar necessidade de melhorias nos processos de controle da Americanas, redigiu uma carta interina, ou seja, no meio do processo de auditoria, e não no fim. “Isso não é comum”, disse. Após esse procedimento, ela afirmou ter sido “mandada embora”.

Segundo ela, a empresa rescindiu o contrato seis dias após a auditoria ter enviado uma carta de controle que apontou “deficiências” nos controles da companhia. A KPMG fez comentários, nessas comunicações com a companhia, sobre riscos ligados a verbas de propaganda cooperadas, que, como se soube mais tarde, deram origem ao escândalo.

Documentos trazidos pelo CEO da Americanas à CPI, porém, mostram que a KPMG mudou a redação de uma carta entregue à companhia. O texto, que originalmente continha a expressão “deficiências significativas”, o que exigiria a comunicação ao conselho de administração, foi depois entregue com o termo “recomendações que merecem a atenção da administração”.

Segundo a executiva, a mudança, alvo de questionamento dos parlamentares, foi feita por não haver implicações materiais nas falhas encontradas pela administração, tratando-se de um montante de R$ 4 milhões. Ela disse ainda que houve entendimento de que, no termo “administração”, o conselho de administração estaria englobado. Ela afirmou ainda que comunicou os órgãos de governança da empresa.

A executiva disse que as auditorias não encontram fraudes se os clientes a escondem. “Se tem conluio para que os auditores não identifiquem a fraude, é difícil identificar.” Comentando o fracasso das auditorias nesta situação, frisou: “Nós executamos, sim, a auditoria conforme as normas”.

Mudança em documento

O líder de auditoria da PwC, Fábio Cajazeira Mendes, afirmou que as mudanças sugeridas por uma funcionária da auditoria a um dos membros da diretoria da companhia diziam respeito a um documento que a Americanas apresentaria à PwC.

Em documento levado à CPI, a auditoria teria sugerido como redigir questões ligadas a operações de risco sacado, de forma que as operações não ficassem tão claras, segundo afirmações do CEO da companhia, Leonardo Coelho.

O risco sacado é um tipo de financiamento que se converteu no rombo de R$ 20 bilhões da varejista informado em janeiro de 2023. Na operação, há antecipação de recebíveis. O banco faz quitações diretamente com os fornecedores da companhia e é remunerado com juros após determinado prazo. O relatório dos administradores judiciais informou que essas operações tiveram início em 2015 e alcançaram R$ 15,9 bilhões em dezembro de 2022.

Nas imagens apresentadas, é possível ver a sugestão de uma funcionária da auditoria para mudanças na redação da empresa. O texto inicialmente dizia: “Confirmamos que não temos, junto aos bancos com os quais temos relação, operações contratadas de antecipação de fornecedores nas quais é oferecido risco de crédito da companhia, operações denominadas ‘forfait’, ‘confirming’, ‘risco sacado’ ou ‘securitização de contas a pagar’”.

Com a sugestão, a versão ficou: “Informamos que não temos conhecimento de que as operações de cessão de crédito realizadas a pedido de fornecedores informadas por certos bancos com os quais a companhia opera possuem qualquer anuência da companhia ou envolva a assunção de risco de crédito por parte da companhia”.

Segundo Mendes, essa sugestão foi feita para deixar o texto mais preciso e faz parte de uma comunicação frequente entre a empresa auditada e a auditoria. Ele frisou que as sugestões não alteravam as cartas de recomendações da auditoria.

Os parlamentares, em especial o deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ), fizeram críticas duras a essa conduta, argumentando que sugerir mudanças em um documento a ser entregue à própria auditoria seria como um professor instruir um aluno sobre as respostas de uma prova.

Mendes disse ainda que os auditores independentes não fazem análise e revisões de todas as transações das empresas auditadas. Ele defendeu que o risco de uma fraude deliberada não ser identificada pelos auditores é maior do que a probabilidade de que erros não sejam apontados.

“Há risco inevitável de que distorções não sejam identificadas”, disse. Ele reforçou ainda que a responsabilidade sobre as fraudes é das empresas. E que, no caso da Americanas, se as denúncias forem confirmadas, o caso seria de uma fraude de “difícil detecção”.

Risco sacado

Bellangero, da KPMG, declarou que a Americanas negou ter um volume de recursos comprometidos em operações de risco sacado, enquanto os bancos confirmavam. “Houve confirmação de duas instituições financeiras, em 2016, sobre risco sacado”, afirmou. “Em 2018, três instituições confirmaram o risco sacado”.

Porém, disse a auditora, a Americanas reafirmou que “não havia risco sacado e o banco errou”. O erro teria sido sistêmico. Na versão da auditora, depois disso, as instituições financeiras mudaram a informação anterior quanto ao risco sacado e que, por se tratar da confirmação de um terceiro, a auditoria acatou a nova informação.

A KPMG não informou o nome dos bancos envolvidos, mas os documentos mostrados pela Americanas na CPI indicavam procedimentos parecidos citando os nomes do Itaú e do Santander. À época, as instituições rebateram em nota as acusações.

Acusações genéricas

O ex-diretor financeiro e de Relações com Investidores da Americanas, o executivo Fabio Abrate também compareceu à audiência pública. Este, porém, na condição de convocado. Ele afirmou ser alvo de acusações “feitas de forma genérica”.

Protegido por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal, Abrate optou por não responder às questões dos parlamentares. Disse apenas que não teve acesso aos documentos que suportam as acusações que o atingem. “As acusações são feitas com base em documentos aos quais não tive acesso”, declarou, para complementar: “Por não saber do que estou sendo acusado, não responderei às perguntas”.

Durante a sessão, o presidente da CPI, deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE), informou que Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas, adiou seu depoimento com um atestado médico, por estar em tratamento na Espanha. Gutierrez, que esteve à frente da Americanas, tem dupla cidadania, brasileira e espanhola.

O que diz a Americanas

A varejista informou em nota que “a substituição da auditoria externa KPMG pela PwC em 2019 contou com a anuência da própria empresa de auditoria, que posteriormente manteve relação contratual com a companhia”.

“Quanto aos indícios apresentados pelo presidente da companhia à CPI em 13.6.2023, acerca da alteração, pela KPMG, da Carta de Controles Internos, a Americanas reafirma que tal alteração foi realizada para reclassificar a VPC de ‘recomendações que merecem atenção da Administração’, para ‘Outras Recomendações’, fazendo com que tal item deixasse de ser considerado como deficiência significativa”, acrescenta a empresa.

A companhia diz ainda que “reitera que o relatório apresentado à CPI é preliminar e foi entregue às autoridades competentes, que realizam suas próprias investigações”.

SÃO PAULO E RIO - As empresas PricewaterhouseCopers (PwC) e KPMG, que prestaram serviços de auditoria independente à Americanas no período em que a companhia admite ter fraudado resultados para inflar suas contas em R$ 25 bilhões, rebateram as acusações da varejista de conivência com o caso. Representantes das auditorias foram ouvidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados nesta terça-feira, 1º.

A sócia de auditoria da KPMG Carla Bellangero afirmou que o atual CEO da companhia, Leonardo Coelho Pereira, fez “insinuações falsas” à CPI em 13 de junho. Ela se referia ao fato de Pereira ter afirmado que havia indícios de participação da empresa na fraude. A KPMG foi responsável técnica pelas auditorias na Americanas de 2016 a 2018.

“Sobram motivos para repudiar insinuações contra a KPMG”, disse. A executiva afirmou que, durante o trabalho com a Americanas, chamou a atenção para “as deficiências e a necessidade de melhoria nos controles de verbas de propaganda cooperadas” da empresa.

Apesar do alerta, porém, não havia indicações de irregularidades, segundo ela. “Nada indicava fraude, situação de ato intencional na Americanas.” Além disso, a executiva enfatizou uma declaração de Coelho também na CPI: “Posso dizer que a documentação que as auditorias receberam eram documentações fraudadas”.

Ela destacou que manteve os gestores da varejista conscientes dos processos que se passavam na companhia. “Foi insinuado pelo CEO que a mudança de ‘conselho de administração’ para ‘administração’ impedia a tomada de conhecimento. Isso é falso”. Bellangero informou que manteve 50 reuniões com os representantes da governança da Americanas.

Carla Bellangero, da KPMG, afirmou à CPI que as auditorias não encontram fraudes se os clientes a escondem Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Em meados de junho, a CPI ouviu Leonardo Coelho Pereira, que afirmou que a fraude na varejista envolvia 30 pessoas. Ele apresentou parte das informações de relatório interno de um comitê independente que apura o desfalque internamente.

Dentre essas informações, está o dado de que a fraude ajudou a incrementar os resultados da companhia ao longo do tempo em R$ 25,3 bilhões até 30 de setembro de 2022. Segundo a varejista, tal resultado decorreu de diversos contratos de verbas de publicidade artificialmente criados para melhorar os resultados, que atingiram o saldo de R$ 21,7 bilhões, enquanto a ausência de lançamento de juros sobre operações financeiras totalizaram o saldo de R$ 3,6 bilhões.

Contrato rescindido

Bellangero disse que, por enxergar necessidade de melhorias nos processos de controle da Americanas, redigiu uma carta interina, ou seja, no meio do processo de auditoria, e não no fim. “Isso não é comum”, disse. Após esse procedimento, ela afirmou ter sido “mandada embora”.

Segundo ela, a empresa rescindiu o contrato seis dias após a auditoria ter enviado uma carta de controle que apontou “deficiências” nos controles da companhia. A KPMG fez comentários, nessas comunicações com a companhia, sobre riscos ligados a verbas de propaganda cooperadas, que, como se soube mais tarde, deram origem ao escândalo.

Documentos trazidos pelo CEO da Americanas à CPI, porém, mostram que a KPMG mudou a redação de uma carta entregue à companhia. O texto, que originalmente continha a expressão “deficiências significativas”, o que exigiria a comunicação ao conselho de administração, foi depois entregue com o termo “recomendações que merecem a atenção da administração”.

Segundo a executiva, a mudança, alvo de questionamento dos parlamentares, foi feita por não haver implicações materiais nas falhas encontradas pela administração, tratando-se de um montante de R$ 4 milhões. Ela disse ainda que houve entendimento de que, no termo “administração”, o conselho de administração estaria englobado. Ela afirmou ainda que comunicou os órgãos de governança da empresa.

A executiva disse que as auditorias não encontram fraudes se os clientes a escondem. “Se tem conluio para que os auditores não identifiquem a fraude, é difícil identificar.” Comentando o fracasso das auditorias nesta situação, frisou: “Nós executamos, sim, a auditoria conforme as normas”.

Mudança em documento

O líder de auditoria da PwC, Fábio Cajazeira Mendes, afirmou que as mudanças sugeridas por uma funcionária da auditoria a um dos membros da diretoria da companhia diziam respeito a um documento que a Americanas apresentaria à PwC.

Em documento levado à CPI, a auditoria teria sugerido como redigir questões ligadas a operações de risco sacado, de forma que as operações não ficassem tão claras, segundo afirmações do CEO da companhia, Leonardo Coelho.

O risco sacado é um tipo de financiamento que se converteu no rombo de R$ 20 bilhões da varejista informado em janeiro de 2023. Na operação, há antecipação de recebíveis. O banco faz quitações diretamente com os fornecedores da companhia e é remunerado com juros após determinado prazo. O relatório dos administradores judiciais informou que essas operações tiveram início em 2015 e alcançaram R$ 15,9 bilhões em dezembro de 2022.

Nas imagens apresentadas, é possível ver a sugestão de uma funcionária da auditoria para mudanças na redação da empresa. O texto inicialmente dizia: “Confirmamos que não temos, junto aos bancos com os quais temos relação, operações contratadas de antecipação de fornecedores nas quais é oferecido risco de crédito da companhia, operações denominadas ‘forfait’, ‘confirming’, ‘risco sacado’ ou ‘securitização de contas a pagar’”.

Com a sugestão, a versão ficou: “Informamos que não temos conhecimento de que as operações de cessão de crédito realizadas a pedido de fornecedores informadas por certos bancos com os quais a companhia opera possuem qualquer anuência da companhia ou envolva a assunção de risco de crédito por parte da companhia”.

Segundo Mendes, essa sugestão foi feita para deixar o texto mais preciso e faz parte de uma comunicação frequente entre a empresa auditada e a auditoria. Ele frisou que as sugestões não alteravam as cartas de recomendações da auditoria.

Os parlamentares, em especial o deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ), fizeram críticas duras a essa conduta, argumentando que sugerir mudanças em um documento a ser entregue à própria auditoria seria como um professor instruir um aluno sobre as respostas de uma prova.

Mendes disse ainda que os auditores independentes não fazem análise e revisões de todas as transações das empresas auditadas. Ele defendeu que o risco de uma fraude deliberada não ser identificada pelos auditores é maior do que a probabilidade de que erros não sejam apontados.

“Há risco inevitável de que distorções não sejam identificadas”, disse. Ele reforçou ainda que a responsabilidade sobre as fraudes é das empresas. E que, no caso da Americanas, se as denúncias forem confirmadas, o caso seria de uma fraude de “difícil detecção”.

Risco sacado

Bellangero, da KPMG, declarou que a Americanas negou ter um volume de recursos comprometidos em operações de risco sacado, enquanto os bancos confirmavam. “Houve confirmação de duas instituições financeiras, em 2016, sobre risco sacado”, afirmou. “Em 2018, três instituições confirmaram o risco sacado”.

Porém, disse a auditora, a Americanas reafirmou que “não havia risco sacado e o banco errou”. O erro teria sido sistêmico. Na versão da auditora, depois disso, as instituições financeiras mudaram a informação anterior quanto ao risco sacado e que, por se tratar da confirmação de um terceiro, a auditoria acatou a nova informação.

A KPMG não informou o nome dos bancos envolvidos, mas os documentos mostrados pela Americanas na CPI indicavam procedimentos parecidos citando os nomes do Itaú e do Santander. À época, as instituições rebateram em nota as acusações.

Acusações genéricas

O ex-diretor financeiro e de Relações com Investidores da Americanas, o executivo Fabio Abrate também compareceu à audiência pública. Este, porém, na condição de convocado. Ele afirmou ser alvo de acusações “feitas de forma genérica”.

Protegido por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal, Abrate optou por não responder às questões dos parlamentares. Disse apenas que não teve acesso aos documentos que suportam as acusações que o atingem. “As acusações são feitas com base em documentos aos quais não tive acesso”, declarou, para complementar: “Por não saber do que estou sendo acusado, não responderei às perguntas”.

Durante a sessão, o presidente da CPI, deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE), informou que Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas, adiou seu depoimento com um atestado médico, por estar em tratamento na Espanha. Gutierrez, que esteve à frente da Americanas, tem dupla cidadania, brasileira e espanhola.

O que diz a Americanas

A varejista informou em nota que “a substituição da auditoria externa KPMG pela PwC em 2019 contou com a anuência da própria empresa de auditoria, que posteriormente manteve relação contratual com a companhia”.

“Quanto aos indícios apresentados pelo presidente da companhia à CPI em 13.6.2023, acerca da alteração, pela KPMG, da Carta de Controles Internos, a Americanas reafirma que tal alteração foi realizada para reclassificar a VPC de ‘recomendações que merecem atenção da Administração’, para ‘Outras Recomendações’, fazendo com que tal item deixasse de ser considerado como deficiência significativa”, acrescenta a empresa.

A companhia diz ainda que “reitera que o relatório apresentado à CPI é preliminar e foi entregue às autoridades competentes, que realizam suas próprias investigações”.

SÃO PAULO E RIO - As empresas PricewaterhouseCopers (PwC) e KPMG, que prestaram serviços de auditoria independente à Americanas no período em que a companhia admite ter fraudado resultados para inflar suas contas em R$ 25 bilhões, rebateram as acusações da varejista de conivência com o caso. Representantes das auditorias foram ouvidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados nesta terça-feira, 1º.

A sócia de auditoria da KPMG Carla Bellangero afirmou que o atual CEO da companhia, Leonardo Coelho Pereira, fez “insinuações falsas” à CPI em 13 de junho. Ela se referia ao fato de Pereira ter afirmado que havia indícios de participação da empresa na fraude. A KPMG foi responsável técnica pelas auditorias na Americanas de 2016 a 2018.

“Sobram motivos para repudiar insinuações contra a KPMG”, disse. A executiva afirmou que, durante o trabalho com a Americanas, chamou a atenção para “as deficiências e a necessidade de melhoria nos controles de verbas de propaganda cooperadas” da empresa.

Apesar do alerta, porém, não havia indicações de irregularidades, segundo ela. “Nada indicava fraude, situação de ato intencional na Americanas.” Além disso, a executiva enfatizou uma declaração de Coelho também na CPI: “Posso dizer que a documentação que as auditorias receberam eram documentações fraudadas”.

Ela destacou que manteve os gestores da varejista conscientes dos processos que se passavam na companhia. “Foi insinuado pelo CEO que a mudança de ‘conselho de administração’ para ‘administração’ impedia a tomada de conhecimento. Isso é falso”. Bellangero informou que manteve 50 reuniões com os representantes da governança da Americanas.

Carla Bellangero, da KPMG, afirmou à CPI que as auditorias não encontram fraudes se os clientes a escondem Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Em meados de junho, a CPI ouviu Leonardo Coelho Pereira, que afirmou que a fraude na varejista envolvia 30 pessoas. Ele apresentou parte das informações de relatório interno de um comitê independente que apura o desfalque internamente.

Dentre essas informações, está o dado de que a fraude ajudou a incrementar os resultados da companhia ao longo do tempo em R$ 25,3 bilhões até 30 de setembro de 2022. Segundo a varejista, tal resultado decorreu de diversos contratos de verbas de publicidade artificialmente criados para melhorar os resultados, que atingiram o saldo de R$ 21,7 bilhões, enquanto a ausência de lançamento de juros sobre operações financeiras totalizaram o saldo de R$ 3,6 bilhões.

Contrato rescindido

Bellangero disse que, por enxergar necessidade de melhorias nos processos de controle da Americanas, redigiu uma carta interina, ou seja, no meio do processo de auditoria, e não no fim. “Isso não é comum”, disse. Após esse procedimento, ela afirmou ter sido “mandada embora”.

Segundo ela, a empresa rescindiu o contrato seis dias após a auditoria ter enviado uma carta de controle que apontou “deficiências” nos controles da companhia. A KPMG fez comentários, nessas comunicações com a companhia, sobre riscos ligados a verbas de propaganda cooperadas, que, como se soube mais tarde, deram origem ao escândalo.

Documentos trazidos pelo CEO da Americanas à CPI, porém, mostram que a KPMG mudou a redação de uma carta entregue à companhia. O texto, que originalmente continha a expressão “deficiências significativas”, o que exigiria a comunicação ao conselho de administração, foi depois entregue com o termo “recomendações que merecem a atenção da administração”.

Segundo a executiva, a mudança, alvo de questionamento dos parlamentares, foi feita por não haver implicações materiais nas falhas encontradas pela administração, tratando-se de um montante de R$ 4 milhões. Ela disse ainda que houve entendimento de que, no termo “administração”, o conselho de administração estaria englobado. Ela afirmou ainda que comunicou os órgãos de governança da empresa.

A executiva disse que as auditorias não encontram fraudes se os clientes a escondem. “Se tem conluio para que os auditores não identifiquem a fraude, é difícil identificar.” Comentando o fracasso das auditorias nesta situação, frisou: “Nós executamos, sim, a auditoria conforme as normas”.

Mudança em documento

O líder de auditoria da PwC, Fábio Cajazeira Mendes, afirmou que as mudanças sugeridas por uma funcionária da auditoria a um dos membros da diretoria da companhia diziam respeito a um documento que a Americanas apresentaria à PwC.

Em documento levado à CPI, a auditoria teria sugerido como redigir questões ligadas a operações de risco sacado, de forma que as operações não ficassem tão claras, segundo afirmações do CEO da companhia, Leonardo Coelho.

O risco sacado é um tipo de financiamento que se converteu no rombo de R$ 20 bilhões da varejista informado em janeiro de 2023. Na operação, há antecipação de recebíveis. O banco faz quitações diretamente com os fornecedores da companhia e é remunerado com juros após determinado prazo. O relatório dos administradores judiciais informou que essas operações tiveram início em 2015 e alcançaram R$ 15,9 bilhões em dezembro de 2022.

Nas imagens apresentadas, é possível ver a sugestão de uma funcionária da auditoria para mudanças na redação da empresa. O texto inicialmente dizia: “Confirmamos que não temos, junto aos bancos com os quais temos relação, operações contratadas de antecipação de fornecedores nas quais é oferecido risco de crédito da companhia, operações denominadas ‘forfait’, ‘confirming’, ‘risco sacado’ ou ‘securitização de contas a pagar’”.

Com a sugestão, a versão ficou: “Informamos que não temos conhecimento de que as operações de cessão de crédito realizadas a pedido de fornecedores informadas por certos bancos com os quais a companhia opera possuem qualquer anuência da companhia ou envolva a assunção de risco de crédito por parte da companhia”.

Segundo Mendes, essa sugestão foi feita para deixar o texto mais preciso e faz parte de uma comunicação frequente entre a empresa auditada e a auditoria. Ele frisou que as sugestões não alteravam as cartas de recomendações da auditoria.

Os parlamentares, em especial o deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ), fizeram críticas duras a essa conduta, argumentando que sugerir mudanças em um documento a ser entregue à própria auditoria seria como um professor instruir um aluno sobre as respostas de uma prova.

Mendes disse ainda que os auditores independentes não fazem análise e revisões de todas as transações das empresas auditadas. Ele defendeu que o risco de uma fraude deliberada não ser identificada pelos auditores é maior do que a probabilidade de que erros não sejam apontados.

“Há risco inevitável de que distorções não sejam identificadas”, disse. Ele reforçou ainda que a responsabilidade sobre as fraudes é das empresas. E que, no caso da Americanas, se as denúncias forem confirmadas, o caso seria de uma fraude de “difícil detecção”.

Risco sacado

Bellangero, da KPMG, declarou que a Americanas negou ter um volume de recursos comprometidos em operações de risco sacado, enquanto os bancos confirmavam. “Houve confirmação de duas instituições financeiras, em 2016, sobre risco sacado”, afirmou. “Em 2018, três instituições confirmaram o risco sacado”.

Porém, disse a auditora, a Americanas reafirmou que “não havia risco sacado e o banco errou”. O erro teria sido sistêmico. Na versão da auditora, depois disso, as instituições financeiras mudaram a informação anterior quanto ao risco sacado e que, por se tratar da confirmação de um terceiro, a auditoria acatou a nova informação.

A KPMG não informou o nome dos bancos envolvidos, mas os documentos mostrados pela Americanas na CPI indicavam procedimentos parecidos citando os nomes do Itaú e do Santander. À época, as instituições rebateram em nota as acusações.

Acusações genéricas

O ex-diretor financeiro e de Relações com Investidores da Americanas, o executivo Fabio Abrate também compareceu à audiência pública. Este, porém, na condição de convocado. Ele afirmou ser alvo de acusações “feitas de forma genérica”.

Protegido por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal, Abrate optou por não responder às questões dos parlamentares. Disse apenas que não teve acesso aos documentos que suportam as acusações que o atingem. “As acusações são feitas com base em documentos aos quais não tive acesso”, declarou, para complementar: “Por não saber do que estou sendo acusado, não responderei às perguntas”.

Durante a sessão, o presidente da CPI, deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE), informou que Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas, adiou seu depoimento com um atestado médico, por estar em tratamento na Espanha. Gutierrez, que esteve à frente da Americanas, tem dupla cidadania, brasileira e espanhola.

O que diz a Americanas

A varejista informou em nota que “a substituição da auditoria externa KPMG pela PwC em 2019 contou com a anuência da própria empresa de auditoria, que posteriormente manteve relação contratual com a companhia”.

“Quanto aos indícios apresentados pelo presidente da companhia à CPI em 13.6.2023, acerca da alteração, pela KPMG, da Carta de Controles Internos, a Americanas reafirma que tal alteração foi realizada para reclassificar a VPC de ‘recomendações que merecem atenção da Administração’, para ‘Outras Recomendações’, fazendo com que tal item deixasse de ser considerado como deficiência significativa”, acrescenta a empresa.

A companhia diz ainda que “reitera que o relatório apresentado à CPI é preliminar e foi entregue às autoridades competentes, que realizam suas próprias investigações”.

SÃO PAULO E RIO - As empresas PricewaterhouseCopers (PwC) e KPMG, que prestaram serviços de auditoria independente à Americanas no período em que a companhia admite ter fraudado resultados para inflar suas contas em R$ 25 bilhões, rebateram as acusações da varejista de conivência com o caso. Representantes das auditorias foram ouvidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados nesta terça-feira, 1º.

A sócia de auditoria da KPMG Carla Bellangero afirmou que o atual CEO da companhia, Leonardo Coelho Pereira, fez “insinuações falsas” à CPI em 13 de junho. Ela se referia ao fato de Pereira ter afirmado que havia indícios de participação da empresa na fraude. A KPMG foi responsável técnica pelas auditorias na Americanas de 2016 a 2018.

“Sobram motivos para repudiar insinuações contra a KPMG”, disse. A executiva afirmou que, durante o trabalho com a Americanas, chamou a atenção para “as deficiências e a necessidade de melhoria nos controles de verbas de propaganda cooperadas” da empresa.

Apesar do alerta, porém, não havia indicações de irregularidades, segundo ela. “Nada indicava fraude, situação de ato intencional na Americanas.” Além disso, a executiva enfatizou uma declaração de Coelho também na CPI: “Posso dizer que a documentação que as auditorias receberam eram documentações fraudadas”.

Ela destacou que manteve os gestores da varejista conscientes dos processos que se passavam na companhia. “Foi insinuado pelo CEO que a mudança de ‘conselho de administração’ para ‘administração’ impedia a tomada de conhecimento. Isso é falso”. Bellangero informou que manteve 50 reuniões com os representantes da governança da Americanas.

Carla Bellangero, da KPMG, afirmou à CPI que as auditorias não encontram fraudes se os clientes a escondem Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Em meados de junho, a CPI ouviu Leonardo Coelho Pereira, que afirmou que a fraude na varejista envolvia 30 pessoas. Ele apresentou parte das informações de relatório interno de um comitê independente que apura o desfalque internamente.

Dentre essas informações, está o dado de que a fraude ajudou a incrementar os resultados da companhia ao longo do tempo em R$ 25,3 bilhões até 30 de setembro de 2022. Segundo a varejista, tal resultado decorreu de diversos contratos de verbas de publicidade artificialmente criados para melhorar os resultados, que atingiram o saldo de R$ 21,7 bilhões, enquanto a ausência de lançamento de juros sobre operações financeiras totalizaram o saldo de R$ 3,6 bilhões.

Contrato rescindido

Bellangero disse que, por enxergar necessidade de melhorias nos processos de controle da Americanas, redigiu uma carta interina, ou seja, no meio do processo de auditoria, e não no fim. “Isso não é comum”, disse. Após esse procedimento, ela afirmou ter sido “mandada embora”.

Segundo ela, a empresa rescindiu o contrato seis dias após a auditoria ter enviado uma carta de controle que apontou “deficiências” nos controles da companhia. A KPMG fez comentários, nessas comunicações com a companhia, sobre riscos ligados a verbas de propaganda cooperadas, que, como se soube mais tarde, deram origem ao escândalo.

Documentos trazidos pelo CEO da Americanas à CPI, porém, mostram que a KPMG mudou a redação de uma carta entregue à companhia. O texto, que originalmente continha a expressão “deficiências significativas”, o que exigiria a comunicação ao conselho de administração, foi depois entregue com o termo “recomendações que merecem a atenção da administração”.

Segundo a executiva, a mudança, alvo de questionamento dos parlamentares, foi feita por não haver implicações materiais nas falhas encontradas pela administração, tratando-se de um montante de R$ 4 milhões. Ela disse ainda que houve entendimento de que, no termo “administração”, o conselho de administração estaria englobado. Ela afirmou ainda que comunicou os órgãos de governança da empresa.

A executiva disse que as auditorias não encontram fraudes se os clientes a escondem. “Se tem conluio para que os auditores não identifiquem a fraude, é difícil identificar.” Comentando o fracasso das auditorias nesta situação, frisou: “Nós executamos, sim, a auditoria conforme as normas”.

Mudança em documento

O líder de auditoria da PwC, Fábio Cajazeira Mendes, afirmou que as mudanças sugeridas por uma funcionária da auditoria a um dos membros da diretoria da companhia diziam respeito a um documento que a Americanas apresentaria à PwC.

Em documento levado à CPI, a auditoria teria sugerido como redigir questões ligadas a operações de risco sacado, de forma que as operações não ficassem tão claras, segundo afirmações do CEO da companhia, Leonardo Coelho.

O risco sacado é um tipo de financiamento que se converteu no rombo de R$ 20 bilhões da varejista informado em janeiro de 2023. Na operação, há antecipação de recebíveis. O banco faz quitações diretamente com os fornecedores da companhia e é remunerado com juros após determinado prazo. O relatório dos administradores judiciais informou que essas operações tiveram início em 2015 e alcançaram R$ 15,9 bilhões em dezembro de 2022.

Nas imagens apresentadas, é possível ver a sugestão de uma funcionária da auditoria para mudanças na redação da empresa. O texto inicialmente dizia: “Confirmamos que não temos, junto aos bancos com os quais temos relação, operações contratadas de antecipação de fornecedores nas quais é oferecido risco de crédito da companhia, operações denominadas ‘forfait’, ‘confirming’, ‘risco sacado’ ou ‘securitização de contas a pagar’”.

Com a sugestão, a versão ficou: “Informamos que não temos conhecimento de que as operações de cessão de crédito realizadas a pedido de fornecedores informadas por certos bancos com os quais a companhia opera possuem qualquer anuência da companhia ou envolva a assunção de risco de crédito por parte da companhia”.

Segundo Mendes, essa sugestão foi feita para deixar o texto mais preciso e faz parte de uma comunicação frequente entre a empresa auditada e a auditoria. Ele frisou que as sugestões não alteravam as cartas de recomendações da auditoria.

Os parlamentares, em especial o deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ), fizeram críticas duras a essa conduta, argumentando que sugerir mudanças em um documento a ser entregue à própria auditoria seria como um professor instruir um aluno sobre as respostas de uma prova.

Mendes disse ainda que os auditores independentes não fazem análise e revisões de todas as transações das empresas auditadas. Ele defendeu que o risco de uma fraude deliberada não ser identificada pelos auditores é maior do que a probabilidade de que erros não sejam apontados.

“Há risco inevitável de que distorções não sejam identificadas”, disse. Ele reforçou ainda que a responsabilidade sobre as fraudes é das empresas. E que, no caso da Americanas, se as denúncias forem confirmadas, o caso seria de uma fraude de “difícil detecção”.

Risco sacado

Bellangero, da KPMG, declarou que a Americanas negou ter um volume de recursos comprometidos em operações de risco sacado, enquanto os bancos confirmavam. “Houve confirmação de duas instituições financeiras, em 2016, sobre risco sacado”, afirmou. “Em 2018, três instituições confirmaram o risco sacado”.

Porém, disse a auditora, a Americanas reafirmou que “não havia risco sacado e o banco errou”. O erro teria sido sistêmico. Na versão da auditora, depois disso, as instituições financeiras mudaram a informação anterior quanto ao risco sacado e que, por se tratar da confirmação de um terceiro, a auditoria acatou a nova informação.

A KPMG não informou o nome dos bancos envolvidos, mas os documentos mostrados pela Americanas na CPI indicavam procedimentos parecidos citando os nomes do Itaú e do Santander. À época, as instituições rebateram em nota as acusações.

Acusações genéricas

O ex-diretor financeiro e de Relações com Investidores da Americanas, o executivo Fabio Abrate também compareceu à audiência pública. Este, porém, na condição de convocado. Ele afirmou ser alvo de acusações “feitas de forma genérica”.

Protegido por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal, Abrate optou por não responder às questões dos parlamentares. Disse apenas que não teve acesso aos documentos que suportam as acusações que o atingem. “As acusações são feitas com base em documentos aos quais não tive acesso”, declarou, para complementar: “Por não saber do que estou sendo acusado, não responderei às perguntas”.

Durante a sessão, o presidente da CPI, deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE), informou que Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas, adiou seu depoimento com um atestado médico, por estar em tratamento na Espanha. Gutierrez, que esteve à frente da Americanas, tem dupla cidadania, brasileira e espanhola.

O que diz a Americanas

A varejista informou em nota que “a substituição da auditoria externa KPMG pela PwC em 2019 contou com a anuência da própria empresa de auditoria, que posteriormente manteve relação contratual com a companhia”.

“Quanto aos indícios apresentados pelo presidente da companhia à CPI em 13.6.2023, acerca da alteração, pela KPMG, da Carta de Controles Internos, a Americanas reafirma que tal alteração foi realizada para reclassificar a VPC de ‘recomendações que merecem atenção da Administração’, para ‘Outras Recomendações’, fazendo com que tal item deixasse de ser considerado como deficiência significativa”, acrescenta a empresa.

A companhia diz ainda que “reitera que o relatório apresentado à CPI é preliminar e foi entregue às autoridades competentes, que realizam suas próprias investigações”.

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