Brasília e São Paulo - O governo e o setor financeiro discutem uma série de alternativas para equacionar os altos juros do crédito rotativo, e uma delas envolve o fim da modalidade na prática. Outras ideias incluem desincentivar o parcelamento sem juros, seja através de tarifas mais altas aos comerciantes, seja com preços diferentes em vendas no cartão para pagamentos à vista ou parcelados, de acordo com fontes consultadas pelo Estadão/Broadcast sob a condição de anonimato.
O assunto vem sendo discutido em grupo de trabalho criado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) com o Ministério da Fazenda e o Banco Central (BC), anunciado em abril. Inicialmente, chegou-se a falar em um teto para os juros no rotativo, mas a ideia foi descartada após o setor explicar os prejuízos para a cadeia de cartões. Ao Estadão/Broadcast, o presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), Rodrigo Maia, disse na segunda-feira que não há definições a respeito do rotativo.
Segundo uma fonte do setor, a proposta de “acabar” com o rotativo foi levada pelos bancos e não foi rechaçada pela Fazenda, que vinha rebatendo outras soluções para tentar compensar uma redução nos juros do rotativo, como quer o governo. Dentre as outras opções, estão cobranças de taxas fixas no parcelado sem juros e a elevação da tarifa de intercâmbio.
Funcionaria da seguinte forma: se o cliente não pagar a fatura ou pagar o mínimo, o saldo devedor, em vez de entrar no rotativo, poderia ser parcelado em até 12 vezes, com uma taxa menor do que a cobrada hoje no rotativo. Em março, a taxa anual bateu 430,5% ao ano, o maior porcentual desde março de 2017 (490,3%). No caso do parcelado, a taxa anual chegou a 192% em março.
Desde abril de 2017, há uma regra que obriga os bancos a transferir, após um mês, a dívida do rotativo do cartão de crédito para o parcelado, a juros mais baixos. A proposta levada pelos bancos seria, na prática, reduzir esse prazo de um mês para zero.
A questão é que hoje, apesar dos juros elevados, a média de permanência do cliente no rotativo é baixa, de 18 dias. Com a mudança para o parcelado, seria possível escalonar a cobrança de juros ao longo do tempo, com uma taxa mais baixa.
Apesar de enfrentar resistências no setor, por potencialmente criar mais uma “jabuticaba” brasileira, a proposta é vista como uma solução possível, ainda que não ideal. “Mas seria uma possibilidade. Não prejudica o comércio, porque mantém o parcelado sem juros. Não prejudica os adquirentes, porque não precisa mexer na taxa de intercâmbio.”
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Segundo um interlocutor, o diagnóstico sobre o rotativo é claro: há uma transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos, já que é a classe baixa que costuma acessar o produto. Mas é um problema difícil de resolver, considerando a cadeia longa, e que cerca de 80% das transações no cartão, nas modalidades à vista e parcelado sem juros, não geram receita de crédito.
Por outro lado, o fim do parcelado sem juros teria forte impacto sobre o comércio em um momento em que o governo tenta fazer com que a economia acelere. O setor estima que de 40% a 45% das transações com cartões de crédito sejam através do parcelamento sem juros.
“Acabar com o parcelado poderia atrapalhar a eletronização dos pagamentos e a inclusão financeira (...), justamente o oposto do que os reguladores tentam fazer”, escreveu o analista Jorge Kuri, do Morgan Stanley, em relatório divulgado na última semana.
Discussão
Há discussões entre agentes do setor a respeito da atual estrutura do rotativo. Os bancos afirmam que os altos juros da modalidade financiam o parcelado sem juros. Em relatório recente, o JPMorgan afirma que 25% da carteira de cartões no Brasil tem rendimento via juros, enquanto os outros 75% são remunerados apenas por mecanismos como anuidade ou tarifas de intercâmbio. Em outras economias, inclusive da América Latina, a porção da carteira que gera margens é maior.
Parte do setor considera que não é correto afirmar que os emissores de cartões não são remunerados pelo risco. “Os bancos já são remunerados pela tarifa de intercâmbio, que é mais alta no crédito”, afirma uma fonte do setor de pagamentos, sob anonimato. Reservadamente, os bancos rechaçam essa percepção.
O intercâmbio é a tarifa estabelecida pelas bandeiras e paga pelas empresas de maquininhas aos emissores dos cartões em cada transação, como forma de remunerá-los. No Brasil, há limites de 0,5% nas tarifas em transações com cartões de débito, e de 0,7% em transações com cartões pré-pagos, estabelecidos pelo BC e que entraram em vigor em abril deste ano.
No cartão de crédito não há limite, e as tarifas são superiores a 1%. Segundo executivos e especialistas, o preço mais alto está ligado justamente ao risco de crédito, que não existe nas outras duas modalidades.
Este ponto gera resistências à ideia de aumentar a tarifa em transações com parcelamento sem juros. As credenciadoras argumentam que a tarifa é parte da formação dos preços das comissões que cobram dos comerciantes, e que portanto, um intercâmbio mais alto encareceria essa cobrança, o que poderia desestimular a aceitação de cartões no comércio.
Foi justamente para incentivar o uso de cartões que o BC limitou o intercâmbio do cartão de débito, originalmente em 2018. Os resultados foram considerados positivos pelo regulador, e a medida foi estendida ao pré-pago.
Questionado sobre as discussões do rotativo, o BC afirmou que não vai comentar. A Fazenda disse que não comenta medidas ainda não anunciadas. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirma que está em discussões técnicas com o BC e a Fazenda, e que ainda não há uma definição.