São Paulo - A crise que culminou com a falência do First Republic Bank, cujos ativos serão comprados pelo JP Morgan, indica que a crise bancária nos EUA e Europa surgida em março não acabou, pois o sistema tem fragilidades, como concentração muito maior do que a registrada em 2008 quando ocorreu a quebra do Lehman Brothers, disse Jose-Luis Peydró, professor de Finanças do Imperial College London e consultor do Banco Central Europeu (BCE).
Para Peydró, as autoridades públicas nos EUA farão o que for necessário para minimizar a expansão da crise bancária no país perto das eleições presidenciais americanas. Mas a atuação será simétrica: serão socorridas instituições grandes cujos problemas poderiam gerar risco sistêmico, enquanto as pequenas e médias terão de encontrar soluções próprias ou fechar as suas portas.
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Na avaliação do acadêmico, várias medidas precisarão ser adotadas pelos órgãos oficiais americanos para evitar que se repita o colapso de instituições financeiras como ocorreu com o SVB, o Signature e, agora, o First Republic. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que os problemas do First Republic Bank indicam para o sistema bancário dos EUA?
A crise bancária na Europa e nos EUA não acabou. Assim como ocorreu em 2008, grandes obstáculos no sistema bancário não são resolvidos tão rápido. Na grande crise internacional que eclodiu em setembro de 2008 com a falência do Lehman Brothers, as primeiras dificuldades surgiram em agosto de 2007 na Europa. Pode ocorrer uma grande crise no setor financeiro ou não financeiro devido a grandes dívidas de empresas e elevados preços de ativos, como ações de companhias e imóveis.
Quais são os principais riscos para o sistema bancário das economias avançadas?
A história mostra que grandes problemas no setor bancário ocorrem após períodos de baixas taxas de juros, quando são realizadas muitas operações de risco com alta liquidez envolvendo depósitos à vista com juros baixos e concessão de crédito de longo prazo, como os que culminaram na quebra do banco SVB nos EUA. Mas o que ocorreu com o SVB não é um caso isolado, pois é o que aconteceu na média do setor financeiro em relação a tais riscos. Nos EUA, autoridades federais, como o Federal Reserve e o Departamento do Tesouro, adotaram em março medidas no estilo “whatever it takes” para salvar o setor bancário, ao não permitir que o SVB se tornasse um risco sistêmico. Mas o Fed e o governo americano estão apenas reduzindo os problemas, pois há fragilidades estruturais. O sistema bancário está muito mais concentrado hoje do que em 2008. Se naquela época havia bancos grandes demais para quebrar, caracterizados pela expressão em inglês “too big to fail”, hoje este quadro é ainda mais relevante. Além disso, existe um imenso “shadow banking” internacional que envolve instituições como fundos mútuos e hedge funds nos quais podem surgir dificuldades com defaults, pois há muitas dívidas pelo mundo. E estes problemas de inadimplência poderão gerar uma desaceleração de economias, que por sua vez poderão trazer obstáculos aos bancos. Com o aumento tão grande dos juros em pouco tempo nos EUA e Europa os defaults podem começar a aparecer.
Estes defaults poderiam surgir em quais setores?
Especialmente no setor imobiliário, e poderão provocar impactos em bancos. Tais instituições financeiras estão cortando o crédito. Isso provoca uma externalidade negativa à economia, sobretudo à concessão de financiamento a pequenas e médias empresas, o que por sua vez elevará a inadimplência de empréstimos de companhias e afetará os bancos.
Os bancos nos EUA e Europa estão sólidos?
Estão mais sólidos do que em 2008, mas o sistema bancário é extremamente frágil porque a concentração do setor é muito maior do que há 15 anos. Os bancos grandes são ainda maiores e o perigo de uma destas imensas instituições quebrar é ainda mais preocupante para gerar risco sistêmico. Em geral, os bancos grandes estão em uma situação satisfatória. Depois do que ocorreu em março com o SVB e o Signature, se a instituição é considerada importante para provocar impactos no sistema, as autoridades nos EUA vão socorrê-la. Mas se o banco é pequeno ou médio ele terá que encontrar uma solução para as suas dificuldades ou poderá fechar. Isto cria uma grande assimetria perante as autoridades para tratar dos problemas de grandes e pequenas instituições.
Depois do que ocorreu com o SVB e o Signature, será inevitável bancos médios nos EUA passarem novamente por testes de estresse, não?
Sim. Eles precisam de testes de estresse para que seja realizada uma análise das autoridades bem ampla sobre os riscos potenciais de operações de empréstimo, o que pode demandar aumento das exigências de capital. O lado positivo deste teste é que pode simular choques de preços de ativos imobiliários e de juros e apontar quais seriam os possíveis prejuízos em todo o portfólio destes bancos. Mas também é necessário verificar as correlações destas operações com outras instituições financeiras para avaliar eventuais impactos mais abrangentes no sistema.
Em meio às incertezas no sistema bancário, o Federal Reserve e o Banco Central Europeu realizarão reuniões de política monetária nesta semana. Quais decisões o senhor espera?
Tanto o Fed quanto o BCE podem subir os juros em 0,25 ponto porcentual, inclusive porque esta é a ampla expectativa nos mercados financeiros e não é um aumento da taxa muito grande. Ao mesmo tempo, eles não podem adotar aperto quantitativo, pois provocaria retirada de liquidez do sistema, o que estes dois bancos centrais não querem que ocorra no momento. Mas depois do próximo aumento, eu duvido que o Federal Reserve subirá mais os juros.
Por quê?
Porque o sistema bancário está muito alavancado e altas maiores de juros poderiam gerar incertezas sobre a sua estabilidade. Com o atual nível de alavancagem, os juros a 1% ou 2% não provocariam problemas, mas se ficarem perto de 5,5%, 6% podem gerar muitos riscos. Quando o ex-presidente do Fed, Paul Volcker, subiu os juros para 20%, em 1981, ele pôde adotar tal medida porque o sistema financeiro nos EUA não era tão alavancado.
Como o sr. avaliou a posição recente do conselho formado por algumas instituições federais nos EUA, como o Departamento do Tesouro, Fed e SEC, de fortalecer o arcabouço normativo para reduzir os riscos à estabilidade financeira que podem ser criados por empresas que atuam no shadow banking como seguradoras, hedge funds e companhias que negociam criptoativos?
É uma decisão muito boa. Vamos imaginar que depois do que ocorreu em março com os bancos médios as regulações passam a funcionar de forma perfeita sobre os bancos. Mas os riscos continuam do lado das instituições que atuam no shadow banking. Elas tomam recursos no mercado com juros baixos, mas aplicam estes capitais de forma que ficam bem endividadas. As operações destas empresas geram também muitas interconexões com outras companhias e bancos, gerando problemas sérios. É necessário regular também as empresas que atuam no shadow banking, inclusive para reduzir a alavancagem e controlar a capacidade de antecipar constantemente o vencimento de ativos. É preciso colocar limites para saques imediatos em fundos, sejam eles mútuos ou imobiliários, para não trazer problemas de liquidez a outras instituições com quem estão interconectadas. Ou o saque imediato não será feito pelo valor integral do ativo, mas com algum desconto, ou pode ser adotada uma regra pela qual a retirada total do capital só poderá ocorrer vários dias depois da solicitação de resgate.
A adoção de normas sobre as operações de empresas no shadow banking deve ser também internacional, para evitar arbitragem regulatória?
Apesar de a regulação internacional ser sempre mais complicada, pois envolve acordos entre vários países, ela é importante. Na Europa, por exemplo, boa parte das empresas que atuam no shadow banking estão baseadas em nações com regulações mais suaves, como Luxemburgo e Irlanda. Por outro lado, como grande parte das operações financeiras globais são realizadas em dólares, as autoridades dos EUA podem fazer muito nesta área, pois têm o controle sobre esta moeda.